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Mato Grosso em estado de roubalheira
Por Eduardo Gomes
26/08/2017 - 06:32

Foto: Dinalte Miranda

Delação de Silval Barbosa reforçada por vídeos com deputados recebendo dinheiro revela a extensão da corrupção institucionalizada 

 

 

 

Entre 2010 e 2014, no governo de Silval Barbosa o cenário foi assim: obras estaduais inacabadas, de péssima qualidade e a preços duplicados ou mais durante sua execução, sem que a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) as colocassem sob suspeita e rejeitassem os balancetes das mesmas. Em setembro de 2015 Silval é preso em Cuiabá e permanece na penitenciária até junho deste ano, quando troca a cela por prisão domiciliar com medidas restritivas. Durante o período de prisão do ex-governador alguns de seus principais assessores também foram para trás das grades. Ainda do lado de dentro dos muros do sistema carcerário Silval negociou com a Procuradoria-Geral da República (PGR) uma delação premiada, que foi homologada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Luiz Fux, não sem antes chama-la de monstruosa. Silval abre a boca e aponta o dedo. Seu depoimento abala as estruturas do poder ao revelar suposto pagamento de R$ 50 milhões em propina a cinco conselheiros do TCE, e de também subornar deputados por meio de acertos com a participação de empresários. Silval à parte, a insatisfação popular com a classe política brasileira é grande, mas em Mato Grosso ela chega à beira do transbordamento com as imagens gravadas a mando de Silval, que na quinta-feira (24) mostraram seis deputados do PSB, PSD, PT, PMDB, PP e PR recebendo maços de notas de reais de Silvio Corrêa, que era chefe de Gabinete do governador. Antes desse vídeo, que está anexado à delação, essa página da história era chamada de escândalos do Silval; agora é vista como corrupção generalizada e arraigada. 

Silval não foi o único a delatar. Ex-secretários de seu governo, empresários que executaram obras ou desenvolveram programas também abrem a boca delatando em busca de redução de penas, que a cada dia ganham mais e mais contorno de realidade, mas sem atropelo da tramitação processual. A corrupção é generalizada e arraigada porque boa parte de seus personagens foram satélites de governos estaduais anteriores. 

Bem antes da delação de Silval, o ex-deputado José Riva, que controlou a Assembleia Legislativa por 20 anos até 2014, em depoimento à juíza da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, Selma Rosane de Arruda, disse que deputados estaduais recebiam mensalinho. E a palavra mensalinho foi a mesma utilizada pelo ex-governador para definir os vídeos dos deputados estaduais Ezequiel Fonseca, Emanuel Pinheiro, Luciane Bezerra, Hermínio Barreto, Alexandre Cesar e José Domingos embolsando maços de dinheiro; e de Gilmar Fabris discutindo liberação de propina com Sílvio. A dinheirama que chegou aos bolsos, malas e uma caixa de papelão dos parlamentares seria pagamento de propina para que eles não criassem embaraço as obras da Copa do Mundo de 2014 e a outros projetos. Desse sexteto, somente Luciane se defendeu: disse que foi a Sílvio para receber um empréstimo de campanha feito a Silval por seu marido e agora deputado estadual Oscar Bezerra (PSB). Em janeiro deste ano Emanuel trocou a Assembleia pela prefeitura de Cuiabá. Ontem, dois dos 25 vereadores defendiam seu comparecimento à Câmara para explicação, mas o vereador Justino Malheiros (PV), que preside aquele Legislativo disse que não vê elementos para tanto. Marcelo Bussiki (PSB) quer ouvir na Câmara explicações do prefeito; Bussiki sugere até a renúncia de Emanuel. Diego Guimarães (PP) não falou com a imprensa, mas postou críticas (a Emanuel) numa rede social. No Facebook Emanuel tocou superficialmente no vídeo chamando-o de “deturpado”, disse que a delação corre em segredo de Justiça e que seu compromisso no momento é com a humanização de Cuiabá. O segredo alegado não mais existe; foi quebrado por Fux. Luciane agora é prefeita de Juara e Ezequiel é deputado federal. 

Carlos Bezerra, deputado federal e presidente do PMDB, que segundo Silval teria recebido propina milionária, refuga a acusação e tentou cópia da delação no Supremo, mas sem sucesso tanto quanto o ministro da Agricultura e senador licenciado Blairo Maggi (PP). Com a quebra do sigilo os dois terão condições de se defenderem. 

Silval acusou Blairo de ‘comprar’ juntamente com ele – cada um pagando R$ 3 milhões – a mudança do teor de um depoimento do ex-secretário de Estado Éder Moraes, que os apontava como responsáveis pela compra de uma vaga no TCE para o ex-deputado Sérgio Ricardo, ora afastado judicialmente daquela corte técnica exatamente pela acusação da negociata que o levou ao pleno do TCE na vaga precocemente aberta com a aposentadoria de Alencar Soares – que teria abocanhado dinheiro para trocar a função por um pijama de aposentado. A mudança do depoimento de Éder levou a Justiça a arquivar a ação que apurava o caso. 

O dedo de Silval apontado sobre o TCE vai além de Sérgio Ricardo e Alencar Soares. O ex-governador delatou que pagou R$ 53 milhões em propina aos conselheiros José Carlos Novelli, Antônio Joaquim, Sérgio Ricardo, Valter Albano e Waldir Teis, para que eles não cruzassem o caminho de seu estilo de administrar. A instituição, seu presidente Antônio Joaquim e os demais negaram desqualificaram a acusação. 

É grade o emaranhado de envolvidos no esquema da corrupção generalizada e arraigada. Os ex-secretários de Estado Éder Moraes, Roseli Barbosa (mulher de Silval), Arnaldo Alves, Pedro Nadaf, Sílvio, José de Jesus Nunes Cordeiro, João Justino Paes Barros (Metamat), Afonso Dalberto (Intermat), Chico Lima (procurador do Estado), Cinésio Nunes, Maurício Magalhães, Marcel de Cursi e outros em menor escala davam as cartas no governo e em sua penumbra. Quase todos foram presos e soltos algum tempo depois. Também foi para trás das grades o filho de Silval, Rodrigo Barbosa, que é médico, e ora está em liberdade. 

Com naturalidade Silval assume que chefiava uma organização criminosa nas entranhas do governo e com ramificações na Assembleia Legislativa e no TCE, sem excluir o empresariado, porque segundo ele, quase todas as empresas que prestavam serviço ao Estado pagavam propinas. Além disso, apurou-se que o esquema cobrava propina de empresários para concessão de benefícios fiscais. Na delação há inclusive detalhamento de percentual. Nesse quesito ele envolve o senador republicano Wellington Fagundes, acusando-o de receber vantagens e debitando a ele a nomeação de Cinésio Nunes para a Secretaria de Transporte e Logística, onde seriam tramados esquemas com empresários do setor de construção rodoviária nas obras do programa Mato Grosso Integrado, Sustentável e Competitivo (MT Integrado), para o pagamento de propina a autoridades com a gordura de obras superfaturadas. O MT Integrado recebeu aporte de R$ 1,4 bilhão para interligar todas as cidades à malha rodoviária federal, mas não foi além da ligação de Canabrava do Norte com a BR-158. 

Nos meios políticos comenta-se que Silval estaria fazendo delação dirigida e saindo pela tangente no tocante à devolução de dinheiro desviado do governo. Até então ele costurou devolver R$ 46 milhões à Justiça Estadual e R$ 80 milhões no entendimento feito com a PGR. Ninguém sabe ao certo o montante surrupiado, mas seguramente é de bilhões de reais. O núcleo fiel a Silval estaria blindado diferentemente do que acontece com os outros participantes do esquema, mas que não tinham maior afinidade com ele, a exemplo do deputado estadual Romoaldo Júnior (PMDB), que teria abocanhado entre R$ 200 mil e R$ 300 mil na obra da Arena Pantanal. 

Num áudio que gravou na penitenciária com o senador Cidinho dos Santos (PR), sem que ele soubesse, Silval ouviu do parlamentar que ele juntamente com Blairo, o governador Pedro Taques e o senador Wellington Fagundes (PR) poderiam tentar ajuda-lo no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que autorizou a deflagração de uma das operações que apuram rombos no governo. 

Depois de tudo que Silval disse e apresentou parecia que as investigações até então sigilosas chegariam ao fim, porém, ontem, Fux mudou o curso dos acontecimentos. O ministro determinou a quebra do sigilo da delação premiada e autorizou a abertura de um inquérito para apurar a tal organização criminosa assumida por Silval, mas atendendo pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, substituiu Silval por Blairo na liderança de tal organização. 

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