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Bolivianos reafirmam que Gefron está entrando no país e matando inocentes
Por Vitória Lopes/Thalyta Amaral
04/09/2020 - 13:49

Foto: Pantanal de Comunicacion
Por volta das 13h do dia 11 de agosto, Arcindo Sumbre García, Paulo Pedraza Chore, Yonas Pedraza Tosube e Ezequiel Pedraza Tosube Lopez, se arrumaram para caçar em uma fazenda do município boliviano San José de la Frontera, na divisa entre Bolívia e Mato Grosso.

Indígenas chiquitanos, os homens – que são todos parentes – eram figuras costumeiras a caçar pela região. O gerente da fazenda geralmente ligava para eles, dando a autorização. No entanto, naquela terça-feira, ele estava dormindo. Quem atendeu o telefonema de Yonas foi a esposa do gerente, que liberou a entrada.
 
Juntos com cinco cachorros e armados com um estilingue, uma pistola calibre 22, foice e facão, eles partiram para o território da caça. Eles sempre voltavam para casa por volta das 17h. Mas naquela terça-feira, apenas os cachorros retornaram desesperados, e um deles com manchas de sangue.

Quem conta o caso é Giza Pedraza, irmã de Yonas, sobrinha de Arcindo e Paulo e prima de Ezequiel. Em entrevista ao , a boliviana, que mora em Cáceres, relembra as mais de 8 horas de tensão que a família dos bolivianos mortos pelo Grupo Especial de Fronteira (Gefron) passou, entre os dias 11 e 12.

Foi uma tia de Giza, que mora na comunidade indígena de San José de la Frontera, que contou que até às 22h, os quatro não tinham voltado para casa. Ela então perguntou se Giza soube se eles foram levados para Cáceres. Conforme boletim de ocorrência, o confronto ocorreu às 15h40.

“Eles costumavam chegar às 17h. Então começaram a ficar preocupados, perguntado ‘o que será que aconteceu?’. As horas foram passando e como moro aqui, ligaram para minha mãe desesperados, para procurar na cadeia e hospitais. Tinha dado 22h e não tinham chegado. Foi quando fui no Pronto-Socorro de Cáceres”, relembra.

Após procurar no Pronto-Socorro e Hospital Regional – onde os homens foram levados pelos policiais -, Giza só obteve resposta do paradeiro dos parentes no dia seguinte, quando tentava ir para a delegacia do Gefron. Estavam todos mortos, no Instituto Médico Legal (IML).

Ao ver os corpos, ela disse que havia sinais de tortura, além dos tiros, que eram por volta de 3 ou 4. “Meu primo quebraram a clavícula e o queixo. A testa tinha muito batida, com certeza o Ezequiel levou algo parecido com uma coronhada. Meu tio Arcindo, acho que arrastaram, as costas estava toda ralada. Meu irmão Yona quebraram o pulso o joelho esquerdo, e cada um teve 4, 3 tiros. O Ezequiel deram tiro no peito, tirou pedaço da orelha”, descreve.

Após o reconhecimento – eles não levaram documentos, já que era uma atividade corriqueira – Giza acompanhou todo o processo de levar os corpos para serem enterrados na Bolívia. O processo custou em torno de R$ 12 mil, e por não terem condições, contaram com ajuda.

Sobre as armas apreendidas, Giza é categórica: não eram deles. “Aquelas armas não eram deles. Nunca que eles tinham condições de comprar, ainda mais nessa pandemia, que nem temos condições de comprar as coisas”, disse.

“Onde que minha família vai ter condição de comprar uma arma? E cadê a arma que eles tinham? Porque que não trouxeram de dentro do mato? E não apresentaram? Porque sabiam que eles eram inocentes”, afirma.

Ainda de acordo com Giza, o comportamento dos policiais brasileiros com a comunidade indígena mudou recentemente. “Vem acontecendo muito ultimamente [violência]. Não era tratado assim antes pela polícia. Você chegava e falavam ‘boa tarde’. Hoje chegam com ignorância. Precisamos de segurança, mas não desse jeito. É obrigação como policial, no juramento que eles fazem”.

“Se estavam errados, caçando ali, que levassem eles presos, não precisavam fazer isso”, lamenta.

Armadilhas para a caça

Em vídeos obtidos pela reportagem, um primo de Giza foi até o local da morte dos 4 bolivianos. Ele mostra e explica as armadilhas que o grupo havia montado para caçar os animais. Inclusive, um tatu morto está no chão. Fotos também mostram sangue no chão, além das cápsulas deflagradas e buracos de tiros em árvores e cercas.

Versão do Gefron

Na época, o Gefron afirmou que os policiais patrulhavam a zona rural, quando viram diversos homens armados em uma região de mata. Conforme o boletim de ocorrência, eles deram ordem de parada aos homens, quando foram recebidos com tiros.

Os policiais então revidaram, ferindo 4 suspeitos, que caíram ao chão. Ainda de acordo com o boletim, os militares viram mais 9 suspeitos retornando para a Bolívia, carregando sacos utilizados por mulas para transporte de drogas.

Eles não apreenderam drogas, porém, 4 armas foram detidas. No boletim, eles colocam os preços:

01 (um) revólver Astra n°455; R$:4.500,00
01(um) revólver S. Welsson; R$:4.000,00
01(um) revólver Taurus; R$: 5.000,00
01 (uma) pistola Taurus; R$: 6.000,00
12 (doze) munições intactas no calibre 22;
07 (sete) munições deflagradas de calibre 38;
04 (quatro) munições intactas no calibre 38;
02 (dois) cartuchos deflagrados de cartuchos;
Prejuízo ao crime: R$: 19.500,00(dezenove mil e quinhentos reais);

Outro lado

Em nota, a Secretaria de Estado de Segurança (Sesp-MT) pontuou que não recebeu denúncia formal das autoridades bolivianos sobre a abordagem do Gefron. Segundo o grupo especial, eles receberam denúncia do Núcleo de Inteligência, de que haveria indivíduos armados transportando drogas na região da BR-070.

Ainda conforme a nota, a Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec) constatou não existir sinais de tortura. As armas e munições apreendidas foram encaminhadas para a Delegacia Especial de Fronteira (Defron). Veja a nota na íntegra:

"A respeito da ocorrência do dia 11 de agosto, na fronteira com a Bolívia, a Secretaria de Estado de Segurança (Sesp-MT) esclarece que:

- Ainda não recebeu denúncia formal de autoridades bolivianas em relação à abordagem realizada pelo Grupo Especial de Segurança na Fronteira (Gefron). No entanto, se coloca à disposição das autoridades da Bolívia para tratar o assunto com a seriedade que o caso requer.

- De acordo com o Gefron, a atuação policial foi resultado de denúncia recebida pelo Núcleo de Inteligência de que haveria indivíduos armados transportando drogas na região da BR-070, em território brasileiro.

- Durante o patrulhamento rural, a equipe encontrou vários suspeitos em região de mata portando arma de fogo, sendo três revólveres e uma pistola. O boletim de ocorrência descreve que os suspeitos desobedeceram a ordem policial e atiraram contra os agentes, que reagiram no mesmo nível de força.

- Após o confronto, o Gefron localizou quatro homens feridos e armados, e visualizou aproximadamente nove pessoas retornando em direção a Bolívia, carregando nos ombros sacos conhecidos como sendo os utilizados por mulas para transporte de entorpecentes.

- Foi prestado socorro médico aos feridos até o Hospital Regional de Cáceres, mas eles não resistiram aos ferimentos e morreram.

- A Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec) constatou não existir sinais de tortura, após análise dos corpos.

- Os suspeitos mortos foram identificados como Arsino Sumbre García, Pablo Pedraza Chore, Ezequiel Lopes Pedraza e Yona Pedraza Tosube, todos bolivianos. Contra Yona consta passagem pela polícia brasileira por receptação e falsidade ideológica.

- As armas e munições apreendidas foram encaminhadas para a Delegacia Especial de Fronteira (Defron), que conduz o inquérito. Além das armas, foram apreendidas 12 munições intactas no calibre 22, sete munições deflagradas de calibre 38, quatro munições intactas no calibre 38 e dois cartuchos deflagrados de cartuchos.
- O caso está sendo investigado pela Delegacia Especializada de Fronteira (Defron). Várias diligências foram realizadas, bem como diversas oitivas e depoimentos tomados. A Defron aguarda os resultados periciais, como laudo do local do crime, exames de necropsias, entre outros, para continuidade e conclusão do inquérito instaurado".

Parentes de chiquitanos mortos pelo Gefron pedem justiça em missa
 
Familiares dos 4 indígenas chiquitanos mortos pelo Grupo Especial de Fronteira (Gefron) em 11 de agosto, na região de fronteira do Brasil com a Bolívia cobraram Justiça na missa realizada na quarta-feira (2), com a presença de representantes brasileiros da Corregedoria da Polícia Militar e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Segundo os parentes dos homens mortos, eles foram torturados e assassinados pelos agentes de segurança brasileiros. A Polícia de Mato Grosso alega confronto. 
 
Em uma missa celebrada embaixo de uma árvore, familiares e amigos choraram a perda dos homens mortos na há quase um mês, após terem saído para caçar, no povoado de San José de La Fronteira. Uma comitiva brasileira, composta por representantes do Gefron, Corregedoria da PM, Federação dos Povos Indígenas (Fepoimt) e Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade.
 
No boletim d eocorrência registrado pelo Gefron, foi afirnado que os indígenas boliviados estavam armados e transportavam drogas. No entanto, as famílias rejeitam essa hipótese e acusam os policiais de tortura, pois eles foram encontrados com sinais de tortura, como orelhas cortadas e hematomas no rosto.
 
Em entrevista ao Pantanal de Comunicacion, a família de Arsindo Sumbre García afirma que foram encontradas com ele 4 armas, sendo que ele não possuía dinheiro para comprar esses revólveres.
 
"O Gefron vive passando aqui, tratam a gente como se fossem animais, não tem respeito. Mas a justiça será feita. Pelo menos para acalmar um pouco a dor", disse uma das familiares à Pantanal Comunicacion.
 
Além de Arsindo foram mortos Ezequiel Pedraza Tosube, 18, Yonas Pedraza Tosube e Paulo Pedraza Chore. O Consulado da Bolívia fez uma representação em Cáceres sobre a morte dos indígenas cobrando explicações do Gefron. O Ministério Público boliviano também acompanha o caso.

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