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Reforma pode acabar com 700 mil vagas para jovens aprendizes no país
Por Sandra Carvalho
29/08/2018 - 09:43

Foto: assessoria

Carta assinada pela Superintendência Regional do Trabalho de Mato Grosso (SRTb) e Auditores-Fiscais do Trabalho repudia a proposta de reforma da CBO proposta pela CNI

A reforma na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao governo federal pode acabar com 700 mil vagas para jovens aprendizes no país, o que significa mais de 63% de todo o potencial de vagas atual. Nesta terça-feira (28.08), seguindo manifestação nacional, a Superintendência Regional do Trabalho de Mato Grosso (SRTb) e Auditores-Fiscais do Trabalho divulgaram carta de repúdio contra a reforma.

Coordenador do Projeto de Inserção de Aprendizes no Mercado de Trabalho da SRTb, a auditora-fiscal Luiza Carvalho Fachin que o programa é uma política pública para a inserção do jovem no mercado de trabalho que tem os melhores resultados porque permite que aqueles com idade a partir dos 14 anos possam ser inseridos no mercado com curso de qualificação profissionalizante fornecidos pelo Sistema S e pelas Entidades sem Fins Lucrativos (ESFL) e assim tenham a primeira oportunidade de emprego.

“A redução da cota de aprendizagem para as empresas com certeza vai trazer de volta o trabalho infantil, favorecer que o jovem trabalhe de forma precária, de forma ilegal e vai beneficiar apenas os empresários, que não precisarão mais cumprir com essa obrigação que está prevista na CLT e no decreto 5.598/05”, alerta a coordenadora.

Luiza Carvalho Fachin explica que o dia 28 de agosto foi escolhido para que todas as regionais do país fizessem essa carta-protesto para chegar nas mãos do ministro do Trabalho Caio Vieira de Melo e fazê-lo entender a importância da participação da Secretaria de Inspeção do Trabalho na discussão da reforma da CBO.

“A discussão deve envolver profissionais técnicos que são os auditores-fiscais, especialistas nessa questão, que vão poder opinar tecnicamente sobre essa reforma, se ela deve ocorrer ou não, quais as funções que devem permanecer, as funções que realmente podem ser excluídas, isto por meio de um parecer técnico da Secretaria de Inspeção do Trabalho”, observa.

O superintendente da SRTb/MT, Amarildo Borges de Oliveira, lembra que o Ministério do Trabalho historicamente se posicionou na defesa dos direitos dos trabalhadores como um todo.

“E a aprendizagem também é uma bandeira história do Ministério do Trabalho. Eu entendo que  proposta de alteração que está sendo veiculada vem de encontro àquilo que a gente sempre defendeu e principalmente a inspeção do trabalho, que é o fortalecimento da aprendizagem como uma das formas, por exemplo, de prevenir o trabalho infantil”, destacou o superintendente.

Diante disto, continua Amarildo Oliveira, o trabalho infantil tem uma ligação direta com a aprendizagem porque ela possibilita a retirada de crianças e adolescentes do trabalho irregular e os coloquem no sistema de aprendizagem. “Por isso não há como concordar com uma proposta de redução da cota para jovens aprendizes”, completa.

Presidente da Delegacia Sindical em Mato Grosso do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait), Valdiney de Arruda também alerta para os riscos que a reforma da CBO, da forma como está sendo proposta. “Além de ser uma ferramenta eficaz de combate ao trabalho infantil, a aprendizagem reduz a evasão escolar, já que o programa cobra matrícula e assiduidade escolar. Mato Grosso inclusive é exemplo para o país quando se refere ao programa de aprendizagem e não podemos aceitar o retrocesso que essa reforma propõe”.

Coordenadora do programa de aprendizagem da entidade Fé e Alegria, Janaína da Costa Albuquerque considera a proposta de redução das cotas de aprendizagem no país um retrocesso. “Nós estávamos caminhando para que houvesse uma melhoria tanto na educação quanto no mercado de trabalho e com isso nós estamos voltando ao passado e isso não é bom. Muitos jovens precisam realmente dessa oportunidade”.

Segundo Janaína da Costa, que começou com jovem aprendiz em uma agência bancária e hoje é pedagoga, talvez para muitos esta seja a primeira oportunidade na vida deles. “Os cursos são importantes porque ali eles veem como funciona uma empresa, como podem agir diante de situações e a retirada dessas vagas vai atrapalhar um processo que estava caminhando para o êxito, para a excelência”, alerta.

A entidade Fé e Alegria trabalho atualmente com 65 jovens, todos em situação de vulnerabilidade social, com idade entre 14 e 16 anos, que moram em bairros carentes, filhos de pais que não tem condições financeiras, estão desempregados, ou são adolescentes que passaram por alguma forma de violência, algum trauma, e tem na aprendizagem uma oportunidade única de mudar o seu futuro pelo estudo, qualificação e trabalho.

Além da Fé e Alegria, participaram do ato representantes do Sistema S, do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca/MT), do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) e do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fepeti).

Exemplos

Laiane Aparecida Alves, 17 anos, cursa a 2ª Série do Ensino Médio e há 12 meses trabalha pelo modelo de aprendizagem em uma empresa de tecnologia da informação. Ela comemora a oportunidade que conseguiu por meio do SINE Matriz, onde, após ser atendida por uma equipe multiprofissional, ingressou 24h depois no programa de aprendizagem. “Eu era muito tímida. Então, além de estar me desenvolvendo socialmente, estou aprendendo muito na empresa o que me deixará mais preparada para o mercado de trabalho”, conta.

Com 16 anos, Ana Paula Sousa de Almeida está há três meses frequentando um curso do Senai. “Eu fiz a inscrição e fui chamada rapidamente. Eu procurei o programa de aprendizagem porque realmente preciso, assim como muitos outros jovens. Então, reduzir o número de vagas vai tirar a oportunidade de todos aqueles que precisam”, argumenta. Tanto Laiane Alves como Ana Paula Almeida estão abrigadas em uma Casa Lar em Cuiabá.

Segue a carta na íntegra

CARTA DE REPÚDIO A REVISÃO DA CBO

A Superintendência Regional do Trabalho e a Inspeção do Trabalho no Mato Grosso vêm através dessa carta comunicar a sociedade que o Programa Jovem Aprendiz está preste a sofrer uma dura e silenciosa derrota.

Nas últimas semanas vêm ocorrendo reuniões na Casa Civil a pedido da Confederação Nacional das Indústrias - CNI e outras confederações com a proposta de revisão da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) a fim de retirar mais de 900 funções da base de cálculo da cota de aprendizagem por entenderem que tais funções não demandam formação profissional., embora atualmente a CBO é taxativa ao afirmar que todas essas funções demandam formação profissional.

No entanto, tal revisão não merece apreço uma vez que todas as funções demandam formação profissional, já que a aprendizagem se refere à formação profissional de nível básico, que prioriza pessoas com baixa escolaridade e qualificação profissional e o Artigo 10º, §1º, do Decreto 5.598/05 já estabelece os critérios para exclusão de cargos que exijam formação de nível técnico e superior, não cabendo maiores exceções.

A proposta comandada pelo CNI e que está sendo discutida na Casa Civil se aprovada irá aniquilar com mais de 700 mil vagas de jovem aprendiz em todo o país, o que significa mais de 63% de todo o potencial de vagas atual, contradizendo o princípio do melhor interesse do adolescente, conforme expressado na Declaração Universal dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 99.710/90, item 3.1.

O Programa Jovem Aprendiz tem sido uma das políticas públicas de profissionalização de jovens mais importantes do país, além de ser a mais importante forma de combate ao trabalho infantil. Ao longo dos últimos anos milhões de jovens brasileiros foram beneficiados por essa política de qualificação profissional.

A redução no número de aprendizes terá impactos extremamente prejudiciais na área de educação, pois a Aprendizagem se reafirma, também como instrumento capaz de prevenir e combater a evasão escolar, quando prevê no art. 4º do Decreto 5.598/05 como condicionante a inserção e permanência do jovem no trabalho, a matrícula e assiduidade na escola, quando ainda não concluído o ensino fundamental.

A aprendizagem também é importante instrumento de prevenção e erradicação ao trabalho infantil, uma vez que garante aos adolescentes e jovens, maioria dos contratados nessa categoria, trabalho protegido, com qualificação profissional, acompanhamento por equipes interdisciplinares, com apoios pedagógicos, psicológicos e sociais, além da jornada reduzida de trabalho.

Em, Mato Grosso, no ano de 2017, foram inseridos mais de 2000 aprendizes no mercado de trabalho, número que será significativamente reduzido caso o projeto de revisão da CBO seja aprovado.

Ademais, a base de cálculo do percentual mínimo, qual seja 5% dos empregados em função que demande formação profissional, estipulado para contratação de aprendizes deve ser interpretada em conjunto com o direito fundamental à proteção integral e à profissionalização do adolescente e do jovem, um direito constitucional garantido pelo artigo nº 227, da CF/88. Trata-se de critério claro e objetivo que não deixa margem a controvérsias, e que não deve ser alterado em desfavor do Programa Jovem Aprendiz.

Superintendência Regional do Trabalho de Mato Grosso (SRTb/MT)

Auditores-Fiscais do Trabalho de Mato Grosso (AFT/MT)

 
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