Quanta história pode conter numa obra de arte? As cores escolhidas, os elementos retratados pelo artista, o material que serve para acolher a manifestação artística e cultural trazem muito de história. Agora imagine poder unir, quem sabe, mais um século de história e com esse tempo também refletir o momento atual.
É essa a proposta do projeto do artista plástico cacerense, Karlinhos Viana, 53 anos. Apoiado pelo edital da Lei Aldir Blanc ele resolveu colocar sua explosão de cores, de elementos pantaneiros em telhas centenárias recolhidas dos casarões de Cáceres – MT. As telhas de barro, produzidas de forma artesanal ainda no século passado foram encontradas jogadas em diversos pontos da cidade e estavam amontoadas no quintal de sua casa, até que o artista tivesse a ideia de propor um projeto que pudesse chamar a atenção para a história da cidade com seus casarões antigos que resistem ao tempo, e pudesse encontrar uma forma de ser apoiado num ano tão complexo como o de 2020, com a pandemia do Coronavírus.
“O ano de 2020 foi um ano muito difícil, o fluxo de pessoas que visitavam nossa cidade reduziu e com isso a nossa venda de telas e artesanato diminuiu muito, principalmente no primeiro semestre do ano. Ai veio o edital para apoio a Cultura, e fiquei pensando no que poderia propor, e juntamente com a minha esposa, a Clair, resolvemos unir a arte e a história por meio dessas telhas centenárias que fomos recolhendo ao longo do tempo”, explica.
Segundo ele, ao propor esse projeto o artista quis valorizar a identidade cultural de Cáceres, uma vez que essas telhas foram feitas aqui. “As telhas, os tijolos desses casarões centenários não vieram de fora, foram feitos aqui, pela nossa gente, e resiste ao tempo, a chuva e ao sol. Cada uma é única, não tem uma forma padrão. Ela mistura o nosso solo, a nossa água, o suor da nossa gente”, diz o artista, entre uma pincelada e outra de cor.
Karlinhos Viana relembra que algumas dessas telhas que agora recebem sua arte, foram recolhidas na própria casa de família. “estavam ali na casa do meu pai, na rua Tiradentes no centro da Cidade. Há mais de 40 anos quando meu pai adquiriu a casa, ele tirou essas telhas de uma construção antiga do quintal. Eu pretendia utilizar em uma cobertura aqui em casa mesmo, mas ai veio a ideia, que graças a Deus tem sido muito bem recebida pela população. Afinal em uma única peça é possível unir arte e história. Nenhuma telha é igual a outra, e estavam jogadas, sem valor, é uma parte da nossa história, agora elas estão ressignificadas”, diz.
Pelo projeto da Lei Aldir Blanc estão sendo produzidas 10 telhas, algumas outras serão produzidas e comercializadas pelo artista. As pinturas nas telhas, assim como nas telas refletem o cotidiano do pantaneiro, os peixes, as aves como araras, periquitos, tucanos, tuiuiús, além das árvores, do rio Paraguai, da onça, da Catedral de São Luiz e da Praça Barão do
Rio Branco. “Minha inspiração está a minha volta, na natureza que nos cerca, nos elementos da nossa cultura”, conta.
Esses elementos também estão presentes no artesanato fabricado com sobras de madeira, árvores e sementes que ele recolhe enquanto caminha pelas ruas e região de Cáceres. “Praticamente todas as vezes que saio de casa, eu acabo voltando com matéria-prima para minha arte, meu artesanato. Eu procuro respeitar a natureza, sempre buscando reaproveitar o que ela nos dá, é uma troca de vida”, afirma.
Trajetória:
Antônio Carlos Viana da Costa, conhecido como Carlos Viana, descobriu o gosto pela arte ainda muito cedo, nas aulas de educação artística ministrada pelo Frei Matheus, no Instituto Santa Maria, em Cáceres. “Ainda na quinta série, aos 11 ou 12 anos, a gente começava a ter aulas de educação artística, essas aulas eram únicas. Nem na universidade a gente tinha salas de educação artística tão bem montadas como a que nós tínhamos aqui. O Frei explicava tudo, desde arquitetura, ponto de fuga, linha geométrica, pintura, mistura de cores, natureza, sombras, tudo ele explicava detalhadamente. E quem tem o dom desperta rápido, e eu desde criança gostava. Nas aulas eu levava bronca, porque ficava desenhando meus colegas. Com isso eu me dedicava mesmo, e o frei percebeu que eu tinha esse dom e ele sempre me ensinava mais detalhadamente, me incentivava... “, relembra.
“Quando eu entrei no quartel, teve um concurso em Cáceres algo como Pinte Cáceres. Eu estava dentro do quartel e tirei em segundo lugar, com uma pintura a lápis HB-6B, eu fiz a praça Major. Eu comecei num papel, ia muitas vezes a praça para olhar os detalhes, e depois chegava em casa ia colocando na cartolina. Eu nunca mais achei esse desenho, ele estava arquivado no Museu, mas...” lamenta o artista.
Outro momento marcante e decisivo para sua arte, Karlinhos Viana, lembra que foi o presente dado por seus pais, Natalino Anacleto da Costa e Catarina Viana da Costa. Um curso por correspondência de desenho artístico e publicitário. “Nessa caixa tinha um material que eu nunca na vida tinha visto, uns compassos, lápis com toda qualidade de grafite. AÍ eu nunca mais parei”, conta.
Para ganhar dinheiro com o seu dom, Karlinhos Viana começou a fazer pinturas em camisetas, e mapas de escola. Na época cobrava pouco, mas foi o suficiente para ele ganhar fama entre os adolescentes e a ganhar dinheiro. “As camisetas eu só pintava em preto e branco, eu tinha medo das cores”, conta. Os personagens que faziam sucesso nos gibis da época eram o que ele retratava nas camisetas. “eu gostava de sair na cidade e ver as pessoas com as camisetas pintadas por mim”, relembra.
Após esse momento, o artista queria se dedicar a continuar seus estudos, com isso decidiu se mudar para Cuiabá, onde a Universidade de Cuiabá (Unic) iria abrir a primeira turma do curso superior em Educação Artística. Ao chegar na capital passou a conviver com nomes consagrados na arte mato-grossense na Fundação Cultural, que ministrava aulas de pintura. Nessa época passou a aprender com Osvaldina, Benedito de Paula, Adir Sodré, Vitor Hugo, Jared Aguiar, Jadis Moura, Amaro Dias, Gervanne de Paula, Nilson Pimenta e Leonie Vitório
(Nico) e chegou a participar de exposições. “Foi aí que me empolguei, cheguei a vender uma tela nessa exposição”, conta.
Para baratear seu custo de produção Carlos Viana aprendeu a fazer as próprias telas, depois aprendeu a fazer moldura, e começou a investir nesse ramo, chegando a montar uma loja em Cuiabá. Mas a chegada do primeiro filho, hoje com 27 anos, e a necessidade de buscar uma vida mais tranquila, o trouxe de volta para Cáceres, mesmo antes de concluir a tão sonhada universidade.
“Eu cheguei em um ponto que precisava respirar, estava ficando sufocado, e por isso larguei tudo e vim para Cáceres. Aqui eu passei a viver de forma mais tranquila, mais sossegada. Foi nessa época que montei uma loja aqui em Cáceres, e que firmei uma parceria com o meu amigo Sebastião Mendes, que também estava começando. Ele estava dando aulas de pintura e eu fornecia as telas e também moldura para ele e para os alunos. Eu mesmo cheguei a dar aulas de pintura aqui em Cáceres para várias pessoas. Meu pensamento era formar clientes para o meu negócio, e por um tempo isso rendeu um bom dinheiro para nós.”, recorda.
Sua trajetória profissional inclui uma passagem pela Europa onde expôs e comercializou trabalhos na França, Espanha, Portugal, bem como Peru, Bolívia e em diversos estados Brasileiros. “Eu sempre fui meio tímido, muito ligado a família e com isso fui adiando muitos planos. No ano passado, eu e o Sebastião estávamos conversando sobre a possibilidade de juntos fazermos uma exposição na Austrália, na China e em outros lugares, mas ai veio a pandemia, tudo parou e depois fomos surpreendidos com a morte prematura dele. Foi um choque”, afirma.
Artesanato:
As incursões pelo artesanato começaram com o envolvimento do Turismo. “O Sebrae começou a dar cursos a fim de movimentar o turismo e chamou a atenção para que em Cáceres tivesse produtos regionais e artesanato local a fim de estimular e vincular ao turismo. Com isso acabei me enveredando pelo artesanato também, e me envolvi com a Associação Pantaneira dos Artesãos de Cáceres – APAC - e eu estive à frente da entidade por seis anos”, explica.
Agora, as telas, dividem espaço com o artesanato. Mas os traços regionais estão presentes em qualquer das expressões artísticas. Com pedaços de madeira, peixes, aves e outros ícones de Cáceres e do Pantanal Mato-grossense vão ganhando formas em diferentes tamanhos. “Se dá pra fazer uma peça grande, eu faço. Se não der, vira um chaveiro. Eu aproveito qualquer material que tenho disponível”, revela. Depois de dar forma à peça, ela ganha as cores, e o traço do artista.
Por serem peças com um valor mais acessível do que as telas, o artesanato tem uma grande saída. “Graças a Deus, eu consigo vender bem meu artesanato, tanto que tenho que trabalhar firme para conseguir repor as peças, tanto na minha loja, como no centro de comercialização da Associação, que funciona no prédio da Secretaria Municipal de Turismo e Cultura, na Praia do Daveron, centro de Cáceres”.
Contato do artista:
Para os que desejam adquirir peças do artista
Carlos Viana – (65) 99905-9518