Terra de contrastes. Nesta época do ano, em que o Pantanal já deveria estar inundado com a abundância trazida pelas águas, a maior planície alagável do planeta expõe a terra seca castigada pela mais intensa estiagem das últimas quatro décadas e por queimadas severas.
Em Cáceres (217 km da capital Cuiabá), porta de entrada do Pantanal, a média histórica do Rio Paraguai para janeiro é de 2,9 metros. Entretanto, este ano, a régua da Marinha ainda registra 1,33 metro, o que significa 1 metro e 60 centímetros de perda da profundidade (Veja no gráfico abaixo). O local é considerado um berçário para diferentes espécies aquáticas e terrestres.
Fonte: Celbe/Unemat
SECA SEVERA
A tendência aponta que nos próximos anos deve haver menos chuva e menos água no Pantanal, condição que vem se intensificando na última década. “Se fosse atípico, seria visto só ano passado, mas os últimos anos têm sido assim. A questão é que a natureza é dinâmica, mas as previsões são de seca severa, redução de chuvas e, consequentemente, de diminuição de estoque pesqueiro e da qualidade da água do rio e das baías”, alerta o biólogo Ernandes Sobreira, professor da Unemat com doutorado em Ecologia e Limnologia.
Para ele, esse cenário é uma das consequências das mudanças climáticas. “Isso é fruto do aquecimento global, principalmente. Toda essa falta de água é reflexo da redução da Floresta Amazônica. Daí, diminui a umidade produzida naquela região, que é enviada ao Pantanal. As imensas áreas queimadas no Pantanal também produzem menos umidade, e a quantidade de chuvas locais pode ser ainda menor”.
EXPEDIÇÃO AO PANTANAL
Para fazer um diagnóstico sobre os impactos dos incêndios florestais de 2020 e da mudança no regime das águas na região hidrográfica do rio Paraguai uma equipe multidisciplinar, composta por doutores e pós-doutores em ecologia aquática, biogeografia, fitorremediação, ictiologia, taxonomia, fez uma expedição científica ao Pantanal.
Foto: Acervo Celbe/Unemat
A visita técnica reuniu ex-alunos da Biologia da Unemat, hoje pesquisadores em instituições de Minas Gerais, Amazonas e Cuiabá. Integraram a equipe: Claudineia Lizieri (UFV/Câmpus Florestal), Sérgio Santorelli (Centro de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica - Cenbam), Hugmar Pains da Silva (UFMT), além de Wilkinson Lázaro, Ernandes Sobreira, Derick Campos e Claumir Muniz, Unemat.
A intenção é que os pesquisadores possam contribuir para a investigação científica no Pantanal e áreas adjacentes, desenvolvendo projetos para a avaliação do impacto ambiental e sua restauração. “O Pantanal que eu conhecia foi modificado de forma devastadora. A paisagem natural deste bioma e sua comunidade biológica poderão levar vários anos para serem reintegradas, ou não vamos nunca mais ver aquele mesmo Pantanal”, disse a pesquisadora Claudineia.
EFEITO EM CADEIA
A devastação provocada pelo fogo não destruiu somente a parte superior da vegetação, mas queimou o solo e o deixou seco. A biomassa, que contribuía na retenção da água das inundações do rio Paraguai, agora está perdida. Com a volta das chuvas, tem potencial de ser levada para o leito do rio Paraguai e outras baías.
Foto: S. Santorelli
“Essa biomassa queimada poderá afetar as guelras dos peixes, reduzir o seu potencial de respiração, afetar os seus locais de desova e crescimento. Além disso, poderá liberar toxinas na água, como a dioxina, que pode acarretar uma redução da cadeia alimentar”, avaliou Derick.
As queimadas deixaram um rastro de destruição na flora e na fauna, mas também no ambiente aquático. “Uma seca extrema pode provocar diferentes estágios reprodutivos em peixes, plantas, aves e outros organismos vivos, de forma que haja um efeito em cascata e a cadeia antrópica seja completamente alterada em virtude da quantidade ou disponibilidade de água no ambiente”, explicou Hugmar.
Foto: C. Lizieri
As áreas alagáveis foram as regiões mais afetadas e elas são de extrema importância para a reprodução dos peixes. Os cientistas querem entender, agora, como os cardumes se comportarão frente a essas mudanças. “O estoque pesqueiro vai ser fortemente impactado. Seja pela perda da vegetação marginal, que oferecia alimento para os peixes e agora não existe em vários pontos, seja pelas cinzas carreadas para o rio, levando à redução da qualidade desta água”, disse Claumir.
QUAL A SAÍDA?
Para o professor Ernandes, é necessário desenvolver projetos que contribuam para a investigação dos diferentes impactos no ambiente: na qualidade da água, na perda e recomposição da biodiversidade, na liberação de gases de efeito estufa, na redução da biomassa Pantaneira, além de outros sobre mudanças climáticas e transformações biogeoquímicas. Mas também adotar medidas de redução das perdas causadas pelos incêndios florestais. “Mato Grosso é conhecido pela sua agricultura de precisão. Por que não investir em ferramentas de precisão para evitar tragédias ambientais como de 2020? O Pantanal, perdendo suas características, impactará também em áreas de alta produção agrícola, não só no estado, mas de uma maneira geral”.
“Obter informações desses fatores se faz urgente para entender como as espécies de animais e plantas irão se recompor após essa catástrofe ambiental, além de gerar subsídios que podem identificar as melhores estratégias a serem utilizadas para propor um plano de recuperação para as áreas afetadas pelo fogo”, avalia o professor Sérgio Santorelli.
Estudar, pesquisar como era o Pantanal e a tendência daquilo que vai acontecer para que se possam adotar medidas de mitigar ou auxiliar na recuperação e revegetação das áreas prejudicadas pela falta da água. “Quanto mais o ser humano age em cima de uma área preservada, maiores são os efeitos na natureza, nos ciclos biogeoquímicos e no ciclo da água”, avalia Wilkinson Lázaro. “Sustentar já não resolve mais. A preservação e a restauração ambientais devem ser medidas implementadas no Pantanal em caráter de urgência”, sentencia.