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Vila Bela, terra-berço
Por por Nestor Fidelis
18/03/2022 - 21:44

Foto: arquivo

 

Ontem comentava com um amigo afrodescendente sobre a história de Vila Bela. Logo ele já disse que não conhece o município, mas sabe que a região tem muitos “manos” de etnia africana. Só que ele não sabia de fatos históricos que ocorreram e marcaram a vida de gerações de pessoas que tem vínculo vilabelense ou que, por algum motivo, tiveram a oportunidade de conhecer a primeira capital do estado de Mato Grosso.

Estar em Vila Bela é respirar história e cultura. Cidade riquíssima em belezas diversas, de povo acolhedor ao extremo e que sente honra de viver seu folclore.

Na fronteira do Brasil com a Bolívia, região inicialmente povoada pelos nativos chiquitanos, no vale do Rio Guaporé, há 270 anos a capitania de Mato Grosso foi criada e houve a instalação de sua capital em Vila Bela da Santíssima Trindade, tendo em vista o interesse dos portugueses nas pedras preciosas e, também, considerando-se o objetivo de garantir a soberania da coroa portuguesa sobre aquelas terras ocidentais, razão pela qual, naquele tempo, o Rei Dom João V determinasse que seu primo, Dom Antônio Rolim de Moura, viesse para o Brasil e fundasse a capitania e sua capital. O nome Mato Grosso, inclusive, decorre de uma carta escrita por dois bandeirantes, os irmãos Paes de Barros, ao rei português, na qual narraram que nem doze homens conseguiam abraçar uma grossa árvore existente no Vale do Guaporé.

E enquanto nos dias atuais as cidades lutam para aprovar leis e implantar o seu plano diretor, Vila Bela já nasceu planejada, inspirada naqueles anos do modernismo e do renascimento da ciência na Europa. Havia, portanto, um teatro, a famosa catedral, o palácio dos generais, locais para lazer e moradia.

A capital de Mato Grosso somente foi transferida para Cuiabá em 1835, quando Dom Pedro I foi chamado a Portugal, que não aquiescia até então com as tentativas de diminuição da importância de Vila Bela. Com a mudança da capital ficaram em Vila Bela somente os escravos mais velhos, mulheres e as crianças, ou seja, aqueles que não serviam para o trabalho mais pesado. Por outro lado, sem a presença dos brancos que os mantinham como escravos houve uma espécie de libertação pelo abandono.

Realmente, a região ficou abandonada. Dos relatos dos historiadores é possível concluir que havia um movimento objetivando que Vila Bela fosse mesmo esquecida. Porém, um fato chamou a atenção de todos. Assis Chateaubriand, o magnata das comunicações naqueles anos, cujo poderia seja comparável ao do grupo Globo nos dias atuais, visitou Vila Bela a convite do governador Fernando Correia da Costa há exatos 70 anos, ocasião em que esperava encontrar ruínas numa terra antiga, mas se surpreendeu ao se deparar com uma sociedade extremamente organizada, formada quase totalmente por afrodescendentes e uma minoria de origem indígena chiquitana, na qual não havia sequer um analfabeto. Eram, em sua maioria, “descendentes” de Tereza de Benguela, a Rainha Tereza, pessoa marcante na história brasileira.

Viúva de José Piolho, líder do Quilombo do Quariterê, o maior refúgio de escravos na história mato-grossense, durante duas décadas a Rainha Tereza governou seu povo formado por cerca de cem negros e índios. Havia relevante organização política e econômica com um conselho parlamentar, forte estrutura de defesa, agricultura e comércio interno.

Para mim, falar e escrever sobre Vila Bela é sempre um prazer com gosto de ancestralidade. Minha mãe e todos os seus 9 irmãos nasceram na zona rural de Vila Bela, na área de cerrado e pantanal (Vila Bela tem os três biomas) de uma fazenda chamada San Miguelito, próximo a Retiro, Fortuna, Morrinho. Cresci ouvindo as histórias dos desafios vividos naqueles anos 30 e 40, com o heroísmo de meus avós, bisavós e das pessoas ligadas a eles na fronteira tantas vezes abandonada, assim como é o sentimento popular na atualidade.

Que o aniversário dessa abençoada terra-berço de todo mato-grossense sirva de reflexão, reconhecimento e motivação para um respeitoso olhar político-governamental que se faz necessário, bem como para que seu povo desperte no tocante à necessidade de existir uma representatividade lúcida, verdadeira e com capacidade técnica (e sem falácias) para lutar por Vila Bela e toda a região, pois estamos em ano de eleições.

Parabéns aos vilabelenses e a todos que nesses 270 fizeram o Bem em sua história!

NESTOR FIDELIS

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