Um conflito bárbaro, que dura mais de duas décadas e meia no país, vem se expandindo em Mato Grosso: a guerra entre as duas maiores facções criminosas do Brasil, o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo.
A "batalha" tem trazido violência às áreas de fronteira no Estado e funciona como uma mola propulsora na disputa por pontos estratégicos para comercialização de drogas.
O embate deixa um rastro de sangue.
Para se ter uma ideia, somente no primeiro semestre deste ano, 16 mortes e nove tentativas foram atribuídas a esta guerra “doméstica” de facções.
Destas, quatro foram por engano e todas executadas com múltiplos tiros.
As vítimas mortas a queima roupa, entretanto, não tinham passagem policial ou faziam parte alguma facção criminosa, mas acabaram confundidas e viraram alvo.
O mês mais violento do ano foi março, com 8 homicídios, a maioria jovem.
Os crimes causaram repercussões em todo estado, principalmente os envolvendo inocentes. Isso porque os assassinatos, a mando do crime organizado, expõem a existência de uma Justiça paralela na Fronteira de Mato Grosso com a Bolívia, principalmente na região de Cáceres (a 225 km de Cuiabá).
A localidade, segundo fontes ouvidas pelo , vem se transformando num campo de batalha entre o CV e o PCC.
A forma brutal, com requintes de crueldade, com que as facções exterminam seus alvos fazem do território uma espécie de “Tribunal do Tráfico”.
Um exemplo disso é a morte da adolescente Nathaly Teotonio Mariano, 15 anos.
Ela foi assassinada por ser testemunha da morte de Eduardo Henrique de Arruda, o Dudu Pesadelo, no início de janeiro deste ano.
O duplo homicídio no dia 5 daquele mês deu início a uma verdadeira corrida por quem elimina mais “soldados no tabuleiro do jogo”.
O corpo da adolescente acabou sendo encontrado quase cinco meses depois em uma cova rasa em estado avançado de decomposição.
Os cadáveres das vítimas são achados com múltiplos tiros, decapitados e até queimados.
Eles são deixados pela cidade como rastro de uma violência que tenta ser contida pelas Forças de Segurança.
Enquanto isso, o CV, antes dominante, enfrenta o PCC que tenta se fortalecer na “rota caipira” de tráfico de cocaína.
Gênese
O acirramento dos ânimos na região aconteceu, segundo apurou a reportagem, depois que Norivaldo Cebalho Teixeira, o Tuta - intitulado líder do CV na região, por estar no CV desde a criação no estado - decretou a morte de vários membros.
Ao saberem da “condenação”, faccionados teriam decidido se juntar aos até então poucos membros do PCC da região.
A estratégia era buscar segurança para que conseguisse se proteger dos salves e mortes determinadas pelo Comando Vemelho.
“O que percebemos nas investigações é que a briga é mais caseira mesmo. Mas, levantamos que o PCC tem abastecido os “novos integrantes” com comida e armas ou com o que eles precisarem. E, diante do novo cenário, outros condenados pela organização de outras cidades do estado, ao descobrirem que o PCC está dando guarita, decidiram seguir para Cáceres em busca de “salvamento” e, com isso, fortaleceram o Primeiro Comando da Capital na região”, explica o delegado Marlon Nogueira.
A onda de violência, após as morte de Nathaly e Dudu, veio acelerando e ganhou manchetes nacionais. Em 19 de janeiro, o líder do tráfico, em San Matias, Everton Candia Gomes, o Pupinha, foi executado em plena luz do dia, na Bolívia. Investigações apontam que “Tuta” também estaria com a vítima no momento da morte, mas conseguiu fugir do local e se esconder no mato. Dias depois, a polícia encontrou drogas em uma espécie de rede e uma submetralhadora que possivelmente seria dele.
Outros condenados pela organização de outras cidades do estado, ao descobrirem que o PCC estava dando guarita, decidiram seguir para Cáceres em busca de “salvamento” e, com isso, fortaleceram o Primeiro Comando da Capital na região Marlon Nogueir ” a Quatro dias depois, o soldado do Exército Brasileiro Thiago de Brito de Almeida, de 19 anos, foi assassinado a tiros ao ser confundido com um outro rapaz em uma praça do bairro Cohab Nova.
Cinco homens, que estavam em um veículo GM Corsa, de cor preta, o cercaram e o mataram sem chance de defesa.
A partir daí começou uma série de mortes em Cáceres.
Entre elas está da técnica de enfermagem Luiza Gonçalves Veloso, de 39 anos, que foi atingida por um tiro durante invasão em um bar lotado em Cáceres, depois de um desentendimento entre faccionados do CV e PCC.
Ela ficou 18 dias internada, mas não resistiu e morreu em 19 de junho.
Em seguida, foi a vez de Wellington Thiago Cunha Leonel, 22, ser morto a tiros por engano.
O amigo, mesmo sendo alvejado, conseguiu escapar com vida, e até se mudou da cidade.
Por último, foram mortos em 21 de junho com 8 tiros os mecânicos Sandro Gonçalves Perine, de 34 anos, e Arison Rafael Ramos da Silva.
“Eles não tinham nenhuma passagem. Quem os atiradores queriam executar estava lá, mas conseguiu fugir. Eles não. O que temos percebido é que os atiradores estão vindo de diversas regiões e, por conta disso, não conhecem os alvos. Eles olham as fotos e saem para cumprir as ordens. Se olharmos as fotos dos alvos têm semelhanças com os inocentes mortos”, explica Marlon.
Segundo o delegado, que está à frente dos casos, a polícia tem trabalhado para impedir a instalação e a expansão de facções em regiões do entorno.
“Muitas das ordens dos faccionados, seja para execução, seja para tráfico, saem direto do presídio. E estamos monitorando e prendendo para impedir que essa situação continue", diz, lembrando que recentemente foi fechada uma fazenda que estava servindo de esconderijo para membros do PCC.