Mato Grosso é governista. Poucas vezes saiu às ruas em protesto, mas nada que se compare com as manifestações golpistas nas portas de quartéis pedindo intervenção federal, com críticas ao Supremo Tribunal Federal e suplicando a prisão do presidente eleito Lula da Silva. Incontáveis vezes o silêncio sepulcral da população reforçou a blindagem de corruptos domésticos. Agora, algo estranho acontece, mas somente o tempo nos mostrará o que move tanto peito febril pela Pátria mãe gentil.
Sem muita objetividade Mato Grosso participou de um tratoraço nacional no final dos anos 1990, em Brasília, que teve reflexos superficiais na nossa abençoada e ensolarada terra, com curtos bloqueios de rodovias.
Em 2006 o então prefeito de Ipiranga do Norte, Ilbert Effiting, o Alemão, criou o movimento Grito do Ipiranga, que bloqueou rodovias, fechou acessos a agências bancárias e que terminou com um violento desbloqueio a BR-163, em Sorriso, pela Polícia Rodoviária Federal.
Em 2014 estudantes protestaram contra o aumento da passagem em Cuiabá. Apoiado por milhares, os jovens fizeram uma passeata jamais vista na cidade. Avançaram sobre a Assembleia Legislativa, proferiram discursos inflamados, mas em seguida calaram como se nunca tivessem gritado contra o então prefeito Mauro Mendes. O desfecho foi jocoso: o principal líder da manifestação, Caiubi Kuhn, trocou a causa – ainda em 2014 – por uma inglória candidatura a deputado federal pelo PDT do senador Pedro Taques, que naquele ano seria eleito governador. Como prêmio de consolação Taques nomeou Caiubi para uma diretoria da Metamat, a empresa pública que deveria fazer, mas não faz política mineral.
Em Mato Grosso, nos dois turnos, Bolsonaro surrou Lula nas urnas, repetindo feitos anteriores dele em 2018 e de tucanos que também deixaram petistas na lona na disputa presidencial. O resultado nacional deu vitória a Lula e mato-grossenses do chamado bolsonarismo raiz estão nas ruas, enlouquecidos, buscando suposta justiça.
Manifestação faz parte do processo democrático, mas não sejamos ingênuos: nenhum dono de caminhão deixa a estrada para protestar por razão (ou falta dela) política. Pode ser – preservemos a presunção da inocência – que um ou outro o faça, mas no conjunto da obra, não.
Essa postura apresentada enquanto ideológica contrasta contra o crônico silêncio dos mesmos manifestantes em circunstâncias anteriores que exigiam reação popular contra a corrupção e injustiças do Estado Brasileiro.
Parece que estamos diante de um fenômeno: o surgimento do patriota nacional num corpo calado estadualmente. Pena que seja assim. Pena que os mesmos não observaram critérios de ordem moral e ideológica na escolha dos cargos regionais.
Quando passar o fervor patriótico que nos é demonstrado agora, seus protagonistas verão que foram massa de manobra contra a decisão soberana da população brasileira, que seu silêncio sempre foi nocivo a Mato Grosso e que sua indiferença quanto à questão política local abriu porteira para a eleição de uma desqualificada bancada federal, que em sua maioria, antes mesmo da posse estará abraçada a Lula – aquele mesmo que a manifestação chama de ladrão.
Meus respeitos aos que se manifestam em nome de suas convicções, que se sentem confortáveis protestando e que enxergam Lula como chefe de um dos governos mais corruptos do mundo inteiro, em todos os tempos. O mesmo respeito dispenso à grande maioria do povo brasileiro que elegeu Lula. Numa imaginária balança os primeiros seriam derrotados pelos 60 milhões que não levaram em conta o ontem do presidente eleito.
Quando o radicalismo e a massa de manobra fizerem o caminho inverso, para casa, voltaremos aos ares democráticos que tanto preservamos. Quanto aos lúcidos, que defendem Bolsonaro, uma sugestão: passem a viver Mato Grosso. Escolham melhor sua bancada federal e a Assembleia Legislativa, pois é na esfera parlamentar que se decanta a classe política, sem a qual mergulhamos nas trevas da ditadura. Às vésperas do meu adeus ao jornalismo, penso assim.
Eduardo Gomes é jornalista