Diario de Cáceres | Compromisso com a informação
Órgãos de espionagem da Ditadura vigiaram Dom Máximo Biennés e outros religiosos da Diocese de Cáceres, aponta historiador
Por Alécio Gonçalves
13/09/2024 - 12:38

Foto: reprodução

Poucas figuras marcaram tanto a história de Cáceres como a do religioso franciscano Max André Paul Gaston Biennés (1921-2007), abrasileirado de “Máximo” e cujo corpo encontra-se sepultado próximo aos pés da imagem de São Francisco de Assis no interior da Catedral São Luiz de Cáceres.

Nascido em 1921 em Albi, província de Tarn, França, Máximo Biennés na juventude, e já aspirante a religioso, experenciou a ocupação de seu país pela Alemanha nazista (1940-1944), tendo sido deportado juntamente com outros franceses para campos de trabalho forçado, como bem narra em suas obras: Uma Igreja na Fronteira (1987), Missão Franciscana na Fronteira (1994) e Nas pegadas de São Francisco (2001).

Após a II Guerra Mundial (1939-1945), em 1948, já sagrado clérigo da Terceira Ordem Regular de São Francisco (TOR), frei Máximo desembarcou no Brasil, mais precisamente em Guajará-Mirim (RO), como parte da missão franciscana francesa que desde 1905 se fazia presente nos sertões do oeste brasileiro. Nas confluências dos rios Guaporé e Madeira, durante mais de meia década atuou na evangelização de indígenas, ribeirinhos e seringueiros, não deixando de registrar em seus escritos as impressões sobre a exploração, as violências, conflitos e desmandos da região.

Em 1954 a Diocese de São Luiz de Cáceres encontrava-se sem um gestor após a renúncia de Dom Luís Maria Galibert, um idoso de 77 anos e que havia comandado a diocese por quase 40. Foi então que o frei Máximo Biennés, em 1955, foi escolhido administrador apostólico da diocese, tendo pela frente trabalhos como a conclusão das obras da catedral em curso desde 1919 e que havia desmoronado em 1949.

Com a Catedral entregue havia dois anos, no final de 1967, Máximo Biennés aceitou a nomeação pelo papa Paulo VI para ser bispo da diocese que já comandava havia 12 anos, tendo sua sagração episcopal em fevereiro de 1968.

No contexto dos anos 1960 importantes mudanças se configurariam no seio da Igreja Católica, do país e de Cáceres, sendo o Concílio Vaticano II (1962-1965), que remodelou a o papel social da instituição eclesial; o golpe civil-militar em 1964 que depôs o presidente João Goulart e implantou uma Ditadura de 21 anos; e o crescimento populacional de Mato Grosso e de Cáceres proporcionado pelas levas de migração do sul e sudeste.

Enquanto bispo, Dom Máximo buscou definir uma linha de ação em sintonia com o Concílio Vaticano II e as Conferências do Episcopado Latino-Americano em Medellín (1968) e Puebla (1979) – tendo participado ativamente das duas últimas, e cujos trabalhos sintetizaram uma orientação teológica em prol dos pobres e oprimidos, o trabalho pastoral e social como fundamentos da Igreja e a defesa intransigente dos Direitos Humanos. Essa vertente ficaria conhecida como “Teologia da Libertação” e incomodaria de sobremaneira a Ditadura Militar brasileira.

 

Dom Máximo Biennés e a Ditadura

 

Entre o final da década de 1960 e início da década de 1970 a Ditadura assumiria uma postura muito mais violenta e repressiva, era os “anos de chumbo”. Importantes figuras da Igreja católica, especialmente a partir de 1968 com o Ato Institucional n° 5 (AI-5), passariam a atuar de forma contundente contra o Estado autoritário comandado pelos militares.

Nesse sentido, os órgãos de espionagem e vigilância criados ou ampliados pelo regime, como o Serviço Nacional de Informação (SNI) e os Centros de Informação do Exército (CEI), da Marinha (CENIMAR) e da Aeronáutica (CISA) dispuseram enorme tempo e recurso no monitoramento de religiosos, em especial os bispos católicos e de origem estrangeira.

Foi nessa conjuntura que Dom Máximo Biennés começou a figurar entre os alvos de monitoramento dos militares, afirma o professor e historiador cacerense Alécio Gonçalves, que analisou inúmeros documentos dos serviços de informação da Ditadura Militar em Cáceres, em especial da espionagem sobre Dom Máximo no acervo do Sistema de Informação do Arquivo Nacional.

Conforme o historiador, em agosto de 1973 a correspondência de Dom Máximo com outros bispos do centro-oeste foi interceptada pelo SNI, pois uma carta dava conta à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) da prisão do padre Francisco Jentel e de outras pessoas na região de São Félix do Araguaia (MT), antes disso, porém, os bispos haviam encaminhado uma mensagem de apoio a Dom Pedro Casaldáliga, bispo da prelazia de São Félix – certamente um dos religiosos mais perseguidos pela Ditadura – cuja missiva foi igualmente violada pela espionagem.

Naquele mesmo mês de agosto de 1973, Dom Máximo ainda visitaria os presos do Araguaia e assinaria junto a Dom Antônio Barbosa um texto dirigido ao comandante militar da 9ª RM em Campo Grande, local onde o padre Jentel e outras pessoas estavam presos, implorando em nome da Igreja para que se cessasse as torturas visivelmente cometidas contra o religioso e os outros prisioneiros, principalmente os choques elétricos.

Assim sendo, Dom Máximo junto a outros religiosos, principalmente a partir desse episódio com o padre Jentel, figuraria em inúmeros dossiês dos órgãos de informação da Ditadura. Nesses dossiês havia uma tentativa de classificar o perfil político/ideológico dos religiosos com base em suas ações e pronunciamentos. Dom Máximo em grande parte desses relatórios seria apontado como “reformista pastoralista” ou “progressista moderado”, sempre distante dos “conservadores” que enfaticamente apoiavam a Ditadura.

Junto a Igreja católica no Brasil e a diocese de Cáceres, Dom Máximo defendeu e orientou inúmeras iniciativas consideradas progressistas, como a defesa do direito a terra pelas populações indígenas, evidenciado em manifestos, na criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em 1972 e na pressão pela aprovação do Estatuto do Índio em 1973; nas luta pela reforma agrária com a Comissão Pastoral da Terra em 1975, e uma série de ações específicas à região oeste de Mato Grosso, como as denúncias de exploração e trabalho escravo nas fazendas do Pantanal; a crítica aos latifúndios e o apoio a sindicalização, e as ocupações de terras nas novas frentes de colonização.

A questão agrária na região de Cáceres seria tão violenta para os camponeses e defensores da reforma agrária que Dom Máximo deixou registrado em seu livro Uma Igreja na fronteira (1987, p. 417-433) mais de 50 áreas de disputa, dos quais as mais violentas, resultando em mortes se deram em Pontes e Lacerda e Jauru, tendo destaque para a última, onde o padre Nazareno Lanciotti foi assassinado em 2001 por conta de sua atuação concomitante a de Dom Máximo em favor dos assentados desde os anos 1980.

De acordo com o professor Alécio Gonçalves, além de Dom Máximo Biennés, outros religiosos e religiosas da diocese de Cáceres também foram monitorados, mesmo que em uma escala menor, pelos órgãos de vigilância da Ditadura. Nomes como dos padres italianos Nazareno Lanciotti e Ermínio Celso Duca, o bispo auxiliar Dom José Afonso Ribeiro e outros, também constam em relatórios produzidos pelos militares e em parte disponíveis no Sistema de Informação do Arquivo Nacional.

Na década de 1980, no contexto da abertura política do regime e da Constituinte, Dom Máximo a exemplo de outros bispos do país, ainda atuaria na organização de propostas e abaixo-assinados para a nova Constituição democrática. Tendo inaugurado um Centro Diocesano de Direitos Humanos em Cáceres em 1988 e que ainda hoje leva seu nome, sendo este centro um dos responsáveis pelo processo de reconhecimento do assassinato da militante cacerense Jane Vanini no Chile.

Para o pesquisador Alécio Gonçalves, cabe salientar que há uma infinidade de documentos a serem pesquisados, analisados e mesmo disponibilizados pelas forças armadas no tocante a Ditadura, assim como, documentos da diocese acerca do episcopado de Dom Máximo. Entretanto o que é indiscutível, é que assim como no restante do país, personalidades reconhecidas e indivíduos anônimos da região de Cáceres foram vitimados pela Ditadura Militar (1964-1985), não deixando, porém, de resistirem e lutarem contra a violência, a exploração e o autoritarismo. Um destes inegavelmente foi Dom Máximo Biennés, administrador apostólico (1955-1967) e bispo de Cáceres entre 1968 e 1991.

 

 

 

 

Carregando comentarios...