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Aula ‘D’ Debates no IFMT: Arte como ferramenta para cidadania e reflexão
Por Zakinews
25/05/2025 - 18:52

Foto: Zakinews

Em um movimento marcante que reafirma o papel da arte como vetor de diálogo e cidadania, o Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) realizou, na tarde do dia 21 de maio, o encontro interdisciplinar “AULA ‘D’ Debates”. A iniciativa, liderada pelo arte-educador Carlos Alberto Bosquê Junior, Mestre em Educação Profissional Escolar e graduado em Belas Artes, reuniu educadores de diversas disciplinas – Arte, História, Geografia e Direito Constitucional – para discutir as complexidades da Arte Pós-Moderna e suas implicações sociais.

O evento marcou o desfecho do primeiro bimestre dos cursos técnicos em informática, com o objetivo central de promover a discussão sobre a arte como meio de expressão e reflexão, a censura na arte e as expressões artísticas que, muitas vezes, não buscam a agradabilidade estética tradicional, mas sim o conceito e a ideia por trás da obra. A proposta era provocar o pensamento, gerar reflexões sobre a sociedade e o meio ambiente, e, consequentemente, fortalecer o conhecimento e a tolerância em conviver com diferentes perspectivas.

A exposição prévia, realizada no dia 20 de maio, já havia gerado diversas reações entre os espectadores – de admiração e curiosidade a espanto e, por vezes, polêmica. Segundo o texto, tais controvérsias surgem frequentemente de “culturas dominantes controladoras” que, sem formação ou interesse em conhecer a arte a fundo, preferem reproduzir notícias recortadas e limitar o acesso do público a expressões artísticas que fogem do convencional. A dificuldade em compreender arte abstrata, surreal ou expressionista em contextos onde a educação artística é incipiente foi um ponto levantado, e a Arte Pós-Moderna, que questiona a própria noção de “arte” e utiliza corpos, lugares e objetos cotidianos como suporte, representa um desafio ainda maior.

A iniciativa do Professor Bosquê visou justamente tirar os resultados dos trabalhos dos alunos da sala de aula e levá-los para os espaços da escola, transformando corredores em galerias improvisadas. Essa ideia, embora desafiadora, já havia tido precedentes de sucesso em gestões anteriores do IFMT, com exposições que se estenderam até mesmo a museus locais.

A exposição contou com instalações artísticas, obras conceituais, performances, Land Art e esculturas feitas com materiais diversos, como papel machê, sabão e lixo reciclado. O objetivo primordial dessas obras era provocar sensações e reflexões, visando criar um hábito de exposições na comunidade, formando sujeitos mais tolerantes, compreensivos e respeitosos, e menos suscetíveis a manipulações por “modelos atrasados de contaminações moralistas de opiniões e condutas coloniais e autoritárias prontas”. A interação com a arte, para o arte-educador, incentiva o envolvimento com questões sociais e ambientais, promovendo a cidadania e a compreensão de valores diante da adversidade da vida, combatendo a violência com a inteligência e o entendimento, sem segregar grupos fundamentalistas, racistas, xenofóbicos, ou insensíveis ao meio ambiente e ao próximo.

Durante o debate, professores e estudantes compartilharam suas percepções. O professor Esiomar Andrade Silva Filho abordou o desconforto que a arte pode gerar, afirmando que ela “questiona ou desafia normas e valores sociais estabelecidos”, retirando o público de sua zona de conforto. Ele ressaltou a pluralidade e multiculturalidade do Brasil, defendendo a necessidade de conviver com o diferente, mesmo que não agrade esteticamente.

O professor de História Thales Beguinatti Carias destacou o tema da censura na arte, lembrando seu impacto durante a Ditadura Militar no Brasil e citando artistas como Odair José, Caetano Veloso e Gilberto Gil, que sofreram perseguição.

A professora de Geografia Alessandra Fagundes compartilhou experiências pessoais como mulher e negra, abordando temas como gordofobia, racismo, machismo e aporofobia. Ela elogiou a coragem dos estudantes em expor injustiças sociais e reforçou a importância do contato com grandes exposições de arte para a formação crítica.

Os estudantes, por sua vez, mostraram uma profunda compreensão da subjetividade da arte, percebendo que o que para um é crítica social, para outro pode ser ofensa. Essa diversidade de interpretações fomentou debates acalorados sobre o significado e a intenção das obras, enriquecidos pelas aulas prévias do professor Bosquê sobre a “Traição das Imagens”, que ensina a não interpretar literalmente as representações artísticas.

Houve também um clamor por parte dos estudantes para que alguns professores que não compreenderam suas obras pudessem participar do debate, a fim de entender o contexto cultural e as intenções por trás das criações. Uma das estudantes enfatizou que problemas mais graves deveriam ser o foco, e que as obras não carregavam “maldade” dentro dos muros da escola.

A discussão também abordou como alguns artistas utilizam o polêmico ou o provocativo como ferramenta para chamar atenção, comparando essa estratégia à da mídia sensacionalista ou de políticos oportunistas. A história da Grécia antiga, que usava a tragédia para fixar o interesse do público, foi citada como exemplo de como obras que chocam, incomodam ou proporcionam medo podem ser mais memoráveis e estimular conversas importantes sobre questões sociais.

O arte-educador Carlos Alberto Bosquê Junior, que é artista desde a infância, compartilhou suas próprias experiências com a censura, inclusive a de sua mãe, que rasgou algumas de suas obras consideradas “feias”, e o apoio incondicional de seu pai pedagogo. Ele relembrou um episódio de 2018 em Rondônia, onde trabalhava, em que a gestão decidiu apagar um mural de uma aluna que retratava uma releitura de um nu de Modigliani, uma obra que criticava a obsessão pelos padrões de beleza. A decisão gerou indignação nacional, com notas de repúdio de instituições acadêmicas e estudantes, demonstrando a força da arte na resistência e no apoio a causas sociais.

Para o professor, a arte sempre foi um “termômetro” da sociedade. Ele acredita que a arte continuará a gerar discussões, e ressalta a necessidade urgente de melhores salas de aula para a disciplina de arte, com práticas e não apenas teorias. Muitas escolas, em sua visão, negligenciam a importância de espaços onde estudantes e a comunidade possam experimentar técnicas e exposições, perpetuando o modelo de “escolas-gaiolas”.

Citando a crônica “Gaiolas e Asas” de Rubem Alves, o educador concluiu que “há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas”. E a iniciativa do IFMT com a “AULA ‘D’ Debates” e a exposição artística é um exemplo claro de como a educação pode ser uma asa, incentivando a liberdade de expressão, o pensamento crítico e a formação de cidadãos mais tolerantes e conscientes.

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