A proposta do ICMBio de ampliar a Reserva Ecológica do Taiamã reacendeu um debate importante sobre o futuro de Cáceres e do Pantanal. Peço licença ao caro leitor para discorrer sobre o assunto. Muito antes de ser senador, sou um filho de Cáceres. Cidade onde percorri cada rua e praça, e há décadas conheço as pessoas pelo nome. Sou testemunha tanto do desenvolvimento das atividades econômicas quanto da preservação do Pantanal. Essa história me credencia para convidar todos os envolvidos nessa pauta ao diálogo. Não é possível que uma mudança dessas, que vai afetar quem produz e gera renda em toda a região, seja feita sem que o nosso povo tenha a sua voz ouvida. A decisão do que acontece no Pantanal deve ser do pantaneiro. Sou testemunha das décadas em que ficamos esquecidos na fronteira.
Desde o início das discussões tenho ido às reuniões no ICMBio, no Ministério da Agricultura, conversei com lideranças políticas, sindicatos, pescadores, produtores rurais e recebi todos no meu gabinete. O que vi, até agora, foi que os estudos apresentados para justificar a ampliação carecem de profundidade técnica, enquanto as preocupações levantadas por quem vive na região se baseiam em impactos reais sobre navegação, economia, produção, pesca artesanal e a rotina das famílias pantaneiras. A proposta de ampliar a área de 11 mil para 56 mil hectares não pode ignorar essas vidas, essas atividades e esse território que por décadas foi tratado apenas como área de preservação e de segurança nacional. Isso emperrou o desenvolvimento dos municípios da faixa de fronteira.
Cem por cento dos produtores que vivem no Pantanal são contra a ampliação da reserva, porque conhecem o território, cuidam dele há gerações e sabem que preservar não é expulsar. Noventa por cento dos pescadores também se posicionaram contra a proposta, temendo perder a atividade que sustenta suas famílias.
Sempre defendi que proteção ambiental e crescimento econômico não são inimigos. O Brasil é exemplo mundial disso. Tecnologias como plantio direto, Integração Lavoura-Pecuária-Floresta e melhoramento genético tornaram possível produzir alimentos em larga escala reduzindo impactos. O Pantanal, inclusive, tem 84 por cento da sua vegetação nativa preservada, sendo um dos biomas mais conservados do mundo. E isso se deve, em grande medida, ao manejo tradicional feito há mais de quatrocentos anos pelo povo pantaneiro, que sempre conciliou criação de gado com conservação do meio-ambiente. Tanto é assim que o chamado boi-bombeiro foi reconhecido pela Lei Estadual 12.653 de 2024 como ferramenta oficial de prevenção a incêndios. Na prática, quem protegeu o Pantanal até hoje foi o pantaneiro, não o ICMBio.
E esse ponto precisa ser dito com todas as letras. Cem por cento dos produtores que vivem no Pantanal são contra a ampliação da reserva, porque conhecem o território, cuidam dele há gerações e sabem que preservar não é expulsar. Noventa por cento dos pescadores também se posicionaram contra a proposta, temendo perder a atividade que sustenta suas famílias. O parque já existente, aliás, concentra a maior parte dos focos de incêndio do Pantanal mato-grossense. Essa realidade reforça que meio ambiente é ciência e que decisões técnicas precisam se apoiar em dados verdadeiros e práticas eficientes, não em teorias descoladas da vida real.
Outra preocupação central é a navegação no rio Paraguai, fundamental para o desenvolvimento regional e para a operação da Zona de Processamento de Exportação de Cáceres, pela qual lutei durante mais de trinta anos. Inviabilizar a hidrovia é comprometer o futuro de toda a região. O modal fluvial é o de menor custo e menor impacto, o que reforça a necessidade de cautela diante de qualquer medida que ameace sua continuidade. E não podemos ignorar que a presença do ICMBio na região sempre foi mínima. Agora, subitamente, tenta-se impor uma mudança que afeta a economia local e interfere diretamente na navegação que o pantaneiro usa há séculos.
Minha história de homem campesino, pantaneiro, me dá condições de mediar conversas também aqui em Brasília, fazendo a ponte entre os representantes da nossa região e o Governo Federal. Todas as entidades da região, sindicatos, prefeitura, câmara municipal e o próprio governo do Estado já se posicionaram contra. É impossível isso.
Como parlamentar e como advogado constitucionalista, tenho insistido que decisões como essa precisam respeitar o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5º da Constituição e a conciliação entre proteção ambiental e atividades humanas prevista no artigo 225. Caso forças municipais ou entidades optem por recorrer ao Judiciário, há espaço jurídico. Mas antes de qualquer judicialização, reafirmo que o primeiro passo sempre deve ser o diálogo, especialmente quando se trata de um tema que divide a população. Vale lembrar que em 2018 esse debate já foi feito e a população inteira se posicionou contra a ampliação. Repetir a mesma proposta, ignorando o posicionamento de quem mora no território, não tem lógica nem explicação. Beira o absurdo. Para muitos, é uma medida que chega a parecer criminosa.
Como membro das Comissões de Agricultura, Infraestrutura e Meio Ambiente, me coloco à disposição para trazer essa pauta ao Legislativo Federal, onde pode ser debatida com transparência, participação social e embasamento técnico. Minha história de homem campesino, pantaneiro, me dá condições de mediar conversas também aqui em Brasília, fazendo a ponte entre os representantes da nossa região e o Governo Federal. Todas as entidades da região, sindicatos, prefeitura, câmara municipal e o próprio governo do Estado já se posicionaram contra. É impossível isso.
O produtor rural hoje entende a importância da sustentabilidade, e quem defende a preservação precisa compreender a importância da economia regional. A responsabilidade é de todos. O Brasil alimenta cerca de 900 milhões de pessoas no planeta e não pode abrir mão nem da proteção ambiental nem do desenvolvimento que garante dignidade às famílias pantaneiras.
José Lacerda é senador da República (PSD-MT)