Em Cáceres, no oeste de Mato Grosso, Francis Maris Cruz mantém um pé na gestão do Grupo Cometa, mas muito de leve. Porque aquilo que orienta a sua rotina não está nas concessionárias de veículos que ajudou a construir. Está no Pantanal, nas 10 fazendas de criação de gado nelore, melhoramento genético e cruzamento industrial, com uso intensivo de tecnologias, que foram adquiridas desde o final dos anos 1980, que totalizam cerca de 40 mil hectares, e que ocupam sua agenda com mais intensidade do que qualquer reunião urbana.
É ali que ele acompanha os pastos, as decisões reprodutivas do rebanho e as lotações enquanto reafirma a ligação que o move desde jovem. “A cada dia a gente procura melhorar. No pasto eu vejo resultado quando olho para as vacas, para os bezerros. É prazeroso ver isso”, diz ele.
O Grupo Cometa possui, além das fazendas, 14 concessionárias Honda, quatro Hyundai e uma Volkswagen, além de locadora e loja de seminovos. A receita em 2024 totalizou R$ 1,3 bilhão. Apesar do desempenho urbano, o fundador dedica maior atenção às decisões do campo. “Começamos com a pecuária quando comprei a fazendinha do meu cunhado. A partir dali o negócio foi crescendo.”
As três filhas de Francis se aproximaram do campo pela governança, não pela lida. Elas cresceram e se tornaram empresárias urbanas. “Nós não estamos dentro da fazenda como meu pai gostaria. Participamos das reuniões de conselho e acompanhamos os números”, diz Stella Maris. A reorganização dos negócios do campo começou quando a família passou a cobrar dados. “A gente falou: cadê os números da fazenda? Quantas cabeças nós temos?” A mãe reforçou. “Minha mãe falou: aqui também é estoque, aqui também tem dinheiro. Então vamos contar.”
O Grupo Cometa hoje é um exemplo em movimento da troca de geração no comando dos negócios e como vem se dando esse processo. No caso da família de Francis, a reorganização da gestão rural ganhou forma com a contratação da consultoria FarmStation, comandada por Arnaldo Eijsink e seu sócio Leone Vinicius Furlanetto.
Arnaldo, que comandou as fazendas do Grupo Carrefour por décadas no Brasil, explica o perfil do Grupo Cometa. “Normalmente o negócio principal hoje é fora do agro. Mas, por algum motivo, o patriarca vem do agro e tem um patrimônio muito grande e a família então decide transformar aquela operação no nível executivo do negócio principal.” A análise mostrou que havia estrutura produtiva, mas faltavam indicadores e prioridades claras.

Francis Maris ao centro, com familiares e equipe
A consultoria estruturou diagnóstico, orçamento anual, plano de longo prazo e acompanhamento semanal. “Hoje, o acompanhamento é semanal e mensalmente, com números técnicos e de custos e mostramos os desvios”, afirma Arnaldo. O método deu visibilidade a lotação das fazendas, ao custos de produção, calendário reprodutivo, desempenho por fazenda e projeções de investimento.
Sucessão em duas camadas
Segundo Arnaldo, a sucessão nas famílias do agro ocorre em dois perfis. Um reúne jovens com uma ligação profunda com a fazenda, como os netos de Francis vem sendo criados, aptos a operar a atividade. O outro engloba sucessores urbanos, que precisam de método e dados. “Esse tem dificuldade maior e precisa se agarrar 100% à modernidade e aos números”, diz ele.
No Grupo Cometa, o conselho familiar se tornou o centro das decisões. “Hoje nos reunimos toda quinta-feira. Estamos evoluindo”, afirma a filha Stella. Ela explica que o pai também passou a dividir mais as decisões. “Ele é altamente questionado. Temos dinheiro em caixa? Por que comprar essa fazenda? O que ela vai trazer de benefício?”
A priorização de investimentos tornou-se parte da rotina. Um exemplo do orçamento do ano passado foi a construção de um tatersal de leilões na fazenda, defendido por Francis para este ano e adiado após cruzamento entre orçamento e metas. “Tinha reforma de pasto, casas para colaboradores e modernização da operação. O tatersal ficou para o próximo ciclo”, diz Stella.
Para Arnaldo, a nova fase do Grupo Cometa posiciona cada geração no eixo adequado: Francis como referência técnica e estratégica, as filhas como articuladoras da governança e os netos como operadores do futuro. “Com os números na tela, eles começam a enxergar e isso dá conforto para ajudar a decidir.”
Nessa história de sucessão familiar, Francis gosta mesmo de contar como vem conseguindo trazer os netos Cauã e Davi para a rotina de campo da fazenda, embora permaneçam na cidade. A filha Stella, e mãe dos garotos, conta que tudo começou com atividades de venda. “Os meninos começaram vendendo limão, piqui, queijo e abóbora. Eles foram juntando um dinheirinho.” O avô Francis, então, questionou com o neto por que o dinheiro estava parado. “Meu pai perguntou: por que deixar na poupança, que não rende? Você não quer comprar gado?”
Cauã, o mais velho e hoje com 15 anos, decidiu comprar os primeiros animais. “Os animais foram comprados com o dinheiro deles”, diz Francis. Desde então, acompanharam cria, desmama, ganho de peso e venda. Viram diferença entre gado comercial e P.O. “Eles começaram a perguntar: o comercial vende por tanto, o P.O. por quanto?” A sigla significa animais Puros de Origem, destinados ao melhoramento genético de rebanhos, mais valorizados.
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Cauã, o neto de Francis, que já é criador de gado, o mais jovem associado da ABCZ
Para que conhecessem o gado profundamente, o avô passou a levar os netos para apartações e avaliações morfológicas. “Minha preocupação agora são os netos. Mas eu já trouxe eles para o negócio da pecuária”, diz Francis. Não por acaso, os netos se tornaram os associados mais jovens da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), entidade com cerca de 25 mil pecuaristas.
“É meu orgulho eles serem os associados da ABCZ mais jovens. Até saíram na revista da associação”, diz Francis. Stella estava lá para ver do que o filho daria conta: “No curso feito em Uberaba, o olhar dele estava muito melhor do que o meu. Avaliava os animais com precisão, dava três voltas no animal e já se posicionava.”
Francis e um legado de permanência
Neste mês de dezembro, os netos vão vender seus primeiros animais em leilão, oriundos das primeiras compras feitas com o dinheiro da infância. Para Stella, isso redefine a sucessão. “Pesa muito. Eles terão outra visão porque já estão dentro, conversam, acompanham, entendem genética.”
Os leilões com gado melhorado nas fazenda ocorrem anualmente. O Grupo Cometa opera com seleção genética de touros Nelore, IATF (Inseminação Artificial em Tempo Fixo) em larga escala — cerca de 10 mil procedimentos anuais —, transferência de embriões e pasto adaptado ao regime de cheias do Pantanal. A terminação é feita em confinamento com silagem de milho.
A produção tem foco no padrão Boi-China, que exige animais de até 30 meses, com no máximo quatro dentes incisivos, rastreabilidade e acabamento uniforme de carcaça. O modelo demanda manejo intensivo, nutrição de precisão e ciclos produtivos curtos. Francis resume a lógica. “O prazer de ver um bezerro bom é grande, mas isso não dá lucro. A pecuária precisa dar resultado.” Ele descreve o tipo de animal que busca. “A tendência é o animal que produz mais carne, mais costela, mais olho de lombo e melhor conversão.” Os abates giram também em torno de 10 mil animais por safra.
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Gado nelore do rebanho Cometa
A trajetória de Francis acompanha a ocupação econômica do Centro-Oeste. Ele nasceu em Lucélia, interior de São Paulo, passou por Vicentina (MS) e chegou a Mirassol d’Oeste em 1973. O início foi no comércio. A avó, Irene, sustentou a família produzindo salgados. “Minha avó começou fazendo coxinha e salgadinho e colocou os filhos para vender”, diz a filha Estela.
Francis trabalhou no bar da família, ajudou o pai na compra e venda de gado e abriu uma loja de autopeças. “Meu pai cansou do bar e foi trabalhar com gado. Eu fui junto aprendendo ali na compra e venda.” Em 1982, comprou uma motocicleta Honda e enviou carta à montadora solicitando uma concessionária. Dois anos depois inaugurou a primeira loja em Vilhena. Em 1985 assumiu Cáceres. A expansão seguiu para Rondônia, Amazonas, Pará, Mato Grosso do Sul e interior paulista.
A entrada na pecuária ocorreu com a compra da fazenda herdada pela irmã, que era de 180 hectares e hoje é de cerca de 2 mil hectares. Com novas aquisições, o grupo chegou aos atuais cerca de 40 mil hectares dedicados a cria, recria, genética e terminação. “A cada dia a gente procura melhorar”, repete o criador.