A Defensoria Pública de Mato Grosso, por meio dos Grupos de Atuação Estratégica de Direitos Coletivos (Gaedics) de Educação e Saúde Pública, impetrou ontem (2) ação civil pública (ACP), com pedido de tutela provisória de urgência cautelar e antecipada incidental, para garantir que as crianças e adolescentes das escolas públicas municipais e estaduais recebam merenda escolar, mesmo no período de suspensão das aulas, devido à pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
“Temos como objetivo garantir às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade o direito de comer! Pois, infelizmente, muitas dessas crianças, com a suspensão das aulas nas escolas públicas, perderam sua única refeição diária, servida pela merenda escolar”, explicou o defensor público Leandro Torrano.
Segundo a ACP, as crianças e adolescentes na rede pública de ensino encontram-se em situação de vulnerabilidade e seus direitos, previstos na Constituição Federal (CF/88) e na legislação infraconstitucional, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), devem ser garantidos.
A ação é assinada pelos defensores Leandro Torrano, Jardel Santana, Nelson Júnior, Cleide Nascimento, Elianeth Nazário, Tathiana Franco, Juliano de Araújo e Carlos de Matos, membros dos Gaedics de Educação e Saúde.
Entenda o caso – Por meio do Decreto no 432, de 31 de março, o governador Mauro Mendes (DEM) consolidou as medidas preventivas de combate ao novo coronavírus e prorrogou a suspensão das atividades escolares presenciais de ensino público municipal e estadual, bem como de ensino privado, nos níveis fundamental, médio e superior, até o dia 30 de abril – as aulas estavam suspensas previamente até o dia 5.
O Grupo de Atuação Estratégica em Defesa de Direitos Coletivos de Educação e Saúde Pública (Gaedic Educação-Saúde) da Defensoria Pública já havia encaminhado um ofício ao Governo do Estado solicitando o fornecimento da merenda aos alunos da rede pública de ensino durante o período de isolamento social.
Porém, de acordo com a ação, o Governo permaneceu omisso quanto ao assunto, não estabelecendo até agora um programa de fornecimento de alimentação aos alunos da rede pública para reduzir os prejuízos da suspensão escolar, ferindo potencialmente, os direitos de milhares de crianças e adolescentes mato-grossenses, as quais deixaram de ter o que comer.
“Assim, resta clarividente o descaso do poder executivo estadual, pois não há qualquer informação de adoção de medidas ou políticas públicas quanto à distribuição de alimentação aos alunos da rede de ensino estadual e municipal no período de suspensão das aulas, o que fere de morte os direitos e garantias constitucionais e infraconstitucionais de crianças e adolescentes vulneráveis do estado”, diz trecho do documento.
A ação argumenta que a Constituição Federal e o ECA asseguram a toda criança e adolescente direitos fundamentais, com absoluta prioridade, incluindo o benefício da alimentação, de forma individualizada ao direito da educação, reforçando a necessidade de assistência às crianças desamparadas, não havendo obrigatoriedade de suspensão conjunta das atividades pedagógicas e da alimentação escolar, que deve ser adaptada diante da realidade de calamidade pública por conta da pandemia de Covid-19.
Segundo o documento, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu anteriormente que o gestor público pode ser compelido, pela via judicial, a implementar políticas necessárias à plena efetivação dos direitos resguardados pelo ECA, não servindo de desculpa a falta de recursos orçamentários.
“Com efeito, a manutenção da alimentação escolar às crianças e adolescentes vulneráveis trata-se de uma garantia constitucional e estatutária, sendo que o poder público deve adotar medidas e implementar programas e políticas públicas concretas para a efetivação de tal garantia, a fim de assegurar, durante o período de suspensão das aulas, a alimentação de milhares de alunos que dependem de merenda escolar”, afirma o texto.
O resultado da presente demanda, se positivo, beneficiará o grupo de crianças e adolescentes financeiramente hipossuficientes (de baixa renda), que necessitam do fornecimento de alimentação no âmbito escolar para terem, não raras vezes, o que comer durante o dia, diz trecho da ACP.
O documento cita ainda que, embora sejam atualizados diariamente pelo Ministério da Saúde (MS), os números de casos de Covid-19 tendem a ser inferiores ao número real de casos confirmados nos estados, uma vez que o processo de reportar os casos pode levar mais de um dia e o resultado do exame de contraprova tem demorado sete dias ou mais para ser divulgado.
Por fim, a Defensoria solicita que o Estado de Mato Grosso seja compelido a apresentar, no prazo de três dias, informações e documentos que demonstrem o fornecimento de merenda escolar aos alunos da rede estadual no período de suspensão das atividades escolares, respeitando as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS), ou que apresente um projeto de política pública com essa finalidade.
“Pedimos na ação civil pública que o Estado garanta o fornecimento da merenda escolar às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade vinculados à rede pública de ensino durante a suspensão das aulas, em virtude da pandemia de Covid-19”, resumiu Torrano.
O documento ressalta que o Estado pode utilizar os estoques remanescentes de comida para o fornecimento da merenda escolar. A distribuição dos alimentos deve ser feita de forma ordenada, evitando aglomerações. Quanto aos alimentos perecíveis, a sugestão é que a quantidade excedente, desde que ainda válida para consumo, seja entregue às famílias dos estudantes de baixa renda e, caso suprida essa demanda, a outras famílias vulneráveis.
A Defensoria também requisita que sejam remanejados recursos orçamentários de outras categorias menos urgentes do que a educação e alimentação dos estudantes, como, por exemplo, a propaganda institucional do governo estadual, para garantir o direito das crianças e adolescentes.
Multa – A ação civil pública orienta que, em caso de descumprimento dos termos da tutela, seja determinado o bloqueio de valores nas contas do Estado, a serem definidos posteriormente. Além disso, caso o Governo não cumpra a ordem judicial, que seja aplicada uma multa diária de cem mil reais.