Quando nasce um poeta?
Marli Walker1
Quando nasce um poeta? Penso aqui comigo, enquanto viro a última página de Aldrava (Carline & Caniato Editorial), livro de estreia de Edson Flávio, que o poeta começa a nascer quando ainda em seus pensamentos ele organiza palavras, sons, ritmos, sentidos, imagens, tudo isso disposto em estado mental, mas que não poderá ser dito se não num poema, pois a poesia é isso, essa forma única de dizer, esse espaço para onde vai a linguagem quando nenhum outro suporte dá conta de apreender a mensagem.
Então ele, o poeta, compreende que está num processo de passagem, ou num rito que o levará de um estado a outro sem que ele insista ou resista. Penso que o poeta nasce assim, devagar, aos poucos. Penso que ele continua nascendo quando transpõe certo estado mental para o papel e testa, organiza, reorganiza, pena, sofre, sorri ou chora até que o som de uma “aldrava” abra uma passagem e ele entre para o universo da linguagem para nascer e lutar e morrer e renascer quantas vezes for preciso, até se sentir poeta.
Pronto, ele ouve límpido o som do ranger da porta, é poeta! Esse belo título, Aldrava, e as seções que organizam os poemas no livro, levaram-me a pensar no nascimento de um poeta e em como ele nasce sempre diante de uma porta e não em outro lugar. O poeta deseja entrar no reino misterioso da linguagem e, claro, não posso me furtar a trazer para minha breve reflexão a “chave” de Drummond. Edson Flávio nasce trazendo a chave, mas traz por acréscimo a aldrava, essa imagem tão simbólica para os poetas e para todos aqueles que visitam seu livro primogênito e recebem permissão para entrar num edifício poético completo.
Uma vez no interior da morada, o que vemos é o poeta lado a lado com a poesia ou fundido a ela. Ele atravessa a “antessala” e o “vestíbulo”, tomado de um “assalto de alma armada”, avança até a “alcova” e, sem saída para “sacadas e parapeitos”, lambe a cicatriz do parto, experimenta a “inquietude”, a “dor”, o “desencanto”, a “cura”, o “silêncio”, o “tempo” e tudo o que pode sentir e ser um poeta recém-nascido.
Parabéns, Edson Flávio Santos! Vida longa à tua poesia!