MPT-MT realiza inspeções em fazendas para apurar cumprimento de normas de segurança no uso de agrotóxicos
O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) realizou, nos dias 13 e 14 de dezembro de 2024, inspeções em três fazendas da multinacional brasileira que figurou como a maior compradora de agrotóxicos no estado em 2023, a fim de apurar o cumprimento das normas de saúde e segurança relacionadas à aplicação de agrotóxicos. Participaram das diligências o procurador-chefe do MPT-MT, Danilo Nunes Vasconcelos; o procurador do Trabalho Bruno Choairy Cunha de Lima, coordenador do Fórum Estadual de Combate aos Agrotóxicos no Estado de Mato Grosso; o procurador do Trabalho Állysson Feitosa Torquato Scorsafava, coordenador regional da Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete); e o agente de Segurança Institucional do MPT-MT Flávio do Carmo Silva.
Uma das propriedades inspecionadas, situada em Campo Novo do Parecis (a 318 km da capital, Cuiabá), adquiriu a maior quantidade de agrotóxicos no estado em 2023, com 3,3 milhões de quilos/litros comprados, conforme dados do Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (INDEA) e informações obtidas pelo MPT via mandado de segurança. Outras duas fazendas, localizadas em municípios próximos – uma em São José do Rio Claro (a 319 km de Cuiabá), e a outra em Sapezal (a 527 km da capital) – também foram vistoriadas durante a diligência.
Fazenda em Campo Novo do Parecis
Durante fiscalização realizada em 13 de dezembro de 2024, o MPT-MT constatou diversas irregularidades na propriedade localizada em Campo Novo do Parecis. A fazenda, com 105 mil hectares, sendo 52 mil agricultáveis, emprega cerca de 1.300 trabalhadores, dos quais aproximadamente 80 atuam em contato direto com agrotóxicos. Entre as principais atividades desenvolvidas na fazenda estão o cultivo de soja e algodão, além de operações subsidiárias com amendoim e gergelim. No entanto, a inspeção revelou falhas graves no armazenamento, manuseio e descarte de agrotóxicos, além de descumprimento de normas de segurança do trabalho, entre as quais:
a) Presença de janela desprotegida, permitindo o acesso de animais, em desacordo com a NR 31 do Ministério do Trabalho e Emprego e Instrução Normativa do INDEA;
b) Embalagens armazenadas diretamente no chão, sem o uso de estrados, violando normas que exigem acondicionamento adequado para evitar contaminações;
c) Ausência de iluminação no depósito destinado a agrotóxicos biológicos, além de embalagens armazenadas próximas a paredes e teto, contrariando regras que determinam afastamento mínimo.
Em relação ao preparo de calda e à exposição dos trabalhadores, foi constatado que:
a) Trabalhadores que manipulam agrotóxicos não tomam banho após o fim da jornada, contrariando a exigência de descontaminação completa de vestimentas e equipamentos de proteção individual (EPIs);
b) O local de preparo da calda não possui estrutura adequada para banho, como sabão, toalhas e armários individuais;
c) Há falta de toalhas nas frentes de trabalho para a higiene pessoal dos empregados.
No tocante à pulverização aérea e ao descarte de resíduos, foram encontradas embalagens de aditivos a céu aberto, sem as condições de armazenamento adequadas previstas pelo fabricante e pela legislação. Registrou-se, ainda, falta de atualização nas sinalizações das áreas tratadas com agrotóxicos, sem informações sobre a data da aplicação e o período de reentrada seguro. O MPT destacou, no relatório, que essas condições representam riscos graves à saúde dos trabalhadores e à segurança no ambiente de trabalho. Apesar de explorar a fazenda desde 2002, o grupo que adquiriu a propriedade em 2008 não implementou as mudanças necessárias para corrigir essas falhas.
Fazenda em São José do Rio Claro
Ainda em 13 de dezembro de 2024, a equipe técnica realizou vistoria em uma outra fazenda da empresa, a 80 km da anterior, em São José do Rio Claro. A propriedade conta com cerca de 160 empregados, sendo 15 deles expostos a agrotóxicos.
Durante a inspeção, diversas irregularidades foram encontradas, incluindo o armazenamento inadequado de agrotóxicos, com embalagens a menos de 50 cm das paredes e misturadas com sementes. Além disso, foram identificadas falta de proteção contra a entrada de animais e a não observância das normas para o armazenamento de agrotóxicos biológicos. No setor de preparação de calda, a equipe constatou que os trabalhadores não tinham acesso a locais adequados para descontaminar suas roupas e equipamentos de proteção, nem eram obrigados a tomar banho após o expediente.
Outro ponto crítico foi a proximidade dos alojamentos das lavouras, desrespeitando a legislação estadual. Foram observadas, ainda, falhas nas instalações elétricas, com contêineres de escritórios sem aterramento adequado.
Fazenda em Sapezal
Em 14 de fevereiro de 2024, a equipe técnica realizou vistoria em uma terceira fazenda, em Sapezal. O empreendimento possui 44 mil hectares e cerca de 720 empregados e é dedicado ao cultivo e armazenamento de soja e algodão. A inspeção identificou várias irregularidades nos processos de armazenamento de agrotóxicos, preparo da calda e segurança dos trabalhadores, quais sejam:
a) Ausência de iluminação no depósito de agrotóxicos biológicos;
b) Armazenamento inadequado de embalagens de agrotóxicos, a menos de 50 cm das paredes;
c) Falha na descontaminação das vestimentas usadas pelos trabalhadores em contato com agrotóxicos;
d) Higienização inadequada de EPIs, como botas e luvas;
e) Ausência de obrigatoriedade de banho após o trabalho com agrotóxicos, conforme as normas do Programa de Gerenciamento de Riscos no Trabalho Rural (PGRTR).
Irregularidades.
Para Choairy, foram constatadas graves irregularidades relacionadas à saúde e à segurança no trabalho com agrotóxicos nas três propriedades rurais visitadas, evidenciando o descumprimento de normas essenciais para a preservação do ambiente laboral. “Nem mesmo a empresa que mais adquiriu agrotóxicos em 2023, com inquestionável capacidade econômica, estava cumprindo integralmente as normas de segurança, com dezenas de violações identificadas”, pontuou. “A realidade de pequenas e médias propriedades tende a ser ainda pior. Nesse contexto, é possível falar em 'uso seguro' de agrotóxicos no cenário rural atual? Não seria mais urgente priorizar medidas que reduzam a utilização desses produtos diante dessa realidade?”, questiona o procurador.
Atuação continuada
Em janeiro de 2024, o MPT-MT promoveu inspeção em fazendas de outro grupo econômico, que havia adquirido maior quantidade de agrotóxicos em 2020, também constatando diversas irregularidades relativas à operação com agrotóxicos (NR 31), conforme Relatório 1 e Relatório 2.
Referência: a ação ocorreu no âmbito do procedimento administrativo PA-PROMO n. 000568.2018.23.000/9 e foi determinada de ofício.