Diocese e Vaticano alinham etapas finais do rito que vai declarar o mártir Padre Nazareno Lanciotti, morto em 2001, como beato
O mártir italiano Padre Nazareno Lanciotti, que viveu 30 anos em Jauru (a 424 km de Cuiabá), está prestes a ser beatificado pela Igreja Católica. Em decreto assinado no dia 14 de abril deste ano, o Papa Francisco reconheceu o martírio do sacerdote e concluiu que ele foi morto por “ódio à fé” no atentado que sofreu em fevereiro de 2001. A celebração da beatificação será realizada em Jauru, no próximo ano, em data a ser confirmada pelo Vaticano, e contará com a presença do Prefeito do Dicastério para as Causas dos Santos, Cardeal Marcello Semeraro, representante direto do atual Papa Leão XIV e responsável pelos processos de beatificação e canonização.
“Para a comunidade católica de Jauru, a beatificação do Padre Nazareno Lanciotti é o coroamento de um processo de uma vida doada a Deus e a todo o povo”, comemorou o Padre Tiago Bruno, pároco de Jauru.
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Padre Tiagro Bruno, pároco de Jauru, em uma das etapas que antecedem a beatificação do mártir Padre Nazareno Lanciotti
Nazareno Lanciotti ficou conhecido por sua vida dedicada aos pobres, pela defesa das famílias vulneráveis e por um ministério marcado pela oração e pela simplicidade. Para Tiago Bruno, a declaração de Lanciotti como beato será uma oportunidade para que os fiéis se inspirem na vida do mártir e se entreguem também a contribuir com os necessitados.
“Representa um novo entusiasmo para que cada pessoa, seja homem ou mulher, criança ou jovem, pobre ou rico, são ou enferma, se doe e se entregue sem limites a quem mais necessita”, declarou.
Entre os dias 22 e 24 de novembro, o postulador da causa da beatificação, Padre Enzo Gabrieli, esteve em Cuiabá, Araputanga e Jauru conduzindo os preparativos finais para a beatificação de Nazareno Lanciotti. A agenda incluiu palestras, missas, encontros pastorais, reuniões com fiéis e procissão. O objetivo foi orientar as comunidades sobre o rito, esclarecer etapas do processo e organizar a fase litúrgica e administrativa da celebração que vai declarar oficialmente Lanciotti como beato da Igreja Católica.
Dentre os ritos exigidos para a beatificação, a Diocese de São Luiz de Cáceres realizou o reconhecimento canônico dos restos mortais do padre, que incluiu a exumação, verificação do estado dos ossos, a recomposição necessária e a organização do material em uma nova caixa, que será colocada em uma urna de mármore nos próximos meses.
O ritual foi conduzido por um tribunal eclesiástico nomeado pelo bispo da diocese, Dom Jacy, com participação de um perito médico e colaboração de autoridades civis, judiciais e da vigilância sanitária. Os restos mortais de Lanciotti estão na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Jauru, desde a sua morte, pois é onde o próprio padre manifestou o desejo de ser sepultado. A nova urna de mármore ficará no mesmo local.
Durante o reconhecimento canônico, a comunidade jauruense viveu momentos de fé, oração e devoção.
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Os restos mortais do Padre Nazareno Lanciotti foi exumado e colocado em uma nova caixa
Biografia
O padre Nazareno Lanciotti nasceu em 3 de março de 1940, em Roma, em uma família profundamente devota à Virgem Maria. Desde cedo demonstrou interesse pela vida religiosa e entrou no seminário ainda jovem. Já no seminário, ele se destacava pela oração, disciplina, amor à Igreja e pelo desejo de servir como missionário.
De acordo com a biografia oficial, Lanciotti foi ordenado sacerdote em 29 de junho de 1966, em Roma, e serviu inicialmente na própria cidade, onde também estudou, se especializou em teologia e iniciou seu trabalho com os jovens.
Em 1967, conheceu a Operação Mato Grosso, organizada por salesianos que tinham o objetivo de ajudar os países subdesenvolvidos e os pobres por meio da caridade cristã e da promoção da dignidade humana. Em 1970, trabalhou na Bolívia, experiência que o fez tomar a decisão de assumir uma missão permanente na América Latina.
Em 1972, Padre Nazareno chegou ao Brasil e foi enviado para Jauru, no oeste de Mato Grosso. Chegou sozinho, numa noite, e se abrigou em uma casa simples de troncos e barro. A região vivia isolamento, carência de infraestrutura, pobreza e conflitos fundiários.
Ao longo de sua missão no município, Lanciotti reconstruiu a pequena Igreja de Nossa Senhora do Pilar e fortaleceu comunidades rurais, assentamentos e aldeias indígenas. Sua rotina incluía longas viagens para atender fiéis, visitar enfermos, formar lideranças, criar grupos de jovens e organizar pastorais.
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Padre Nazareno Lanciotti fortaleceu a vida religiosa em Jauru e região
O sacerdote se tornou figura central nos momentos de maior tensão social na região e, em 1983, diante de casos de exploração de crianças e adolescentes, esquemas de prostituição, tráfico de drogas, invasões de terras e do conflito que envolvia famílias sem-terra, fazendeiros e autoridades, Padre Nazareno assumiu postura firme em defesa das famílias pobres, enfrentando ameaças e pressões de grupos influentes. Em uma das situações, o sacerdote se ajoelhou em meio a um tiroteio, durante uma invasão de terras, para defender famílias carentes.
Dentre os frutos das ações sociais de Lanciotti estão a promoção de rezas de terços, círculos marianos, catequeses, retiros e celebrações que fortaleceram a vida religiosa local. O padre também fundou centros pastorais, construiu espaços comunitários, um hospital, abrigos para idosos, escola e colaborou na formação de novos sacerdotes.
Isso lhe rendeu a admiração de muitos, mas também fortaleceu inimizades com fazendeiros, políticos e outras pessoas contrárias à sua atuação.
Martírio
Em 11 de fevereiro de 2001, enquanto jantava em sua casa paroquial, foi atacado por dois criminosos armados que afirmaram ter ido ali para matá-lo. Os assassinos forjaram um assalto e tentaram roubar um cofre; no entanto, o padre não sabia a senha. Com isso, resolveram fazer uma “roleta-russa” e, quando chegou a vez de Lanciotti, um dos criminosos atirou.
Gravemente ferido, Lanciotti foi socorrido e levado ao Hospital de Jauru para os primeiros socorros; depois foi transferido para Cuiabá e, em seguida, para São Paulo. No dia 12 de fevereiro, ele confidenciou a outro padre que, antes de atirar, o assassino cochichou em seu ouvido: “sou o demônio, vim para matá-lo porque você incomoda muito”.
No dia 22 do mesmo mês, Padre Nazareno Lanciotti morreu.
Sua biografia narra ainda que, nas vésperas do atentado, o padre havia dito aos jovens da comunidade católica: “se vocês me procurarem, me encontrarão no tabernáculo”.
Ele foi sepultado na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, local que abriga seus restos mortais e preserva viva a história do futuro beato.
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Restos mortais do Padre Nazareno Lanciotti, que aguarda a colocação em nova urna de mármore nos próximos meses
Causa da Beatificação
A causa da beatificação do sacerdote teve início no dia 18 de novembro de 2007. O processo passou pela aprovação da Santa Sé, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e pelo Inquérito Diocesano, que investigou a vida, o martírio e a fama do martírio de Lanciotti. O inquérito foi concluído no dia 8 de janeiro de 2009; então, a causa seguiu pelos demais processos necessários até que o Padre Enzo Gabrieli fosse nomeado como postulador e até chegar às mãos do Papa Francisco, que reconheceu o martírio e tornou Nazareno Lanciotti um mártir da Igreja Católica.
A conclusão da beatificação será no próximo ano e, então, o próximo passo, que é o processo de canonização, poderá ser iniciado. Para que o padre possa ser canonizado e se torne santo, é preciso que seja registrado um milagre em nome dele a partir da celebração da beatificação.
Após o registro do milagre, o Centro-Oeste brasileiro e o estado de Mato Grosso poderão ter o seu primeiro santo.
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Igreja Nossa Senhora do Pilar, em Jauru, que foi revitalizada pelo Padre Nazareno Lanciotti e hoje comemora a beatificação do sacerdote