Piracema, o milagre da multiplicação
Por por Romildo Gonçalves
08/11/2013 - 06:59
Tudo o que existe no universo se encontra em contínua transformação, evoluindo em ciclos ou períodos de duração variável. Desde o aparecimento de ambientes habitáveis, estes vêm sendo ocupados por espécies animais e vegetais que se sucedem ecologicamente em equilíbrio dinâmico, segundo as leis de fluxo e refluxo e da dissipação de energia.
O declínio, ou até mesmo a extinção de determinadas espécies, tantas vezes documentadas pela paleontologia, certamente decorreram de transformações, verificadas nesses mecanismos, motivadas por mudanças relativamente rápidas de variáveis físicas, químicas e biológicas em ecossistemas naturais e antropizados.
Com o surgimento da espécie humana na Terra = Homo Sapiens, e em todo o decorrer de história evolutiva da humanidade, o peixe foi e será sempre uma importante fonte de proteína conhecida e apreciada em todo o mundo. Utilizada como singular fonte de alimento para a humanidade.
Nos seres humanos ditos “racionais” devemos mais do que ninguém respeitar os ciclos de vida na natureza visando fundamentalmente à sua preservação e conservação. Especialmente no sagrado período da procriação dos peixes, nesse pequeno espaço de renovação da vida é preciso ter a consciência redobrada e evitar pescarias, não praticar esporte aquático, não alterar o curso das águas... Só assim a vida perpetuará naturalmente.
Para que o fenômeno da piracema possa ocorrer de forma natural, a mãe-natureza sabiamente prepara o ambiente, criando todas as condições para que rios, córregos, lagos, lagoas e vazantes recebam bem os peixes... No Brasil, a piracema começa a partir do mês de novembro e vai até o mês de fevereiro.
Nesse período o ambiente aquático está com o nível das águas em elevação. As condições de intempéries estão perfeitas, água aquecida pelo sol, coloração amarronzada, aumento de nutrientes em suspensão... É exatamente nesse momento que os cardumes detectam as mudanças e sabem que chegou a hora.
Um radar infalível chamado sistema nervoso central decodifica as mensagens traduzindo-as numa ordem única, subir, saltar e vencer as corredeiras rio acima, entregando-se a um duelo orgástico com as águas, até atingir a explosão da desova e o surgimento de novas vidas.
Porém, para que tal fenômeno possa ser bem-sucedido a natureza exige mais. É preciso que o ambiente em questão apresente as seguintes características: níveis dos rios em elevação, temperatura da água entre 22 e 28 graus, pH entre 7 e 7,4, transparência inferior a 10 cm, gás carbônico inferior a 20 ppm, horário propício para que a fecundação ocorra entre 16:00 horas e 17:00 horas.
No período que antecede a piracema o ovário maduro representa 24% de peso nas fêmeas, e os testículos maduros representam 15% do peso nos machos. 20% de gorduras são armazenados em seus corpos à espera de ser gastos ao se deslocar rio acima, até atingir seus objetivos.
Para o cientista Manoel de Godoy, profundo conhecedor da ictiofauna brasileira, “o ser humano precisa entender e respeitar o impulso irresistível da piracema e os requisitos para que ela continue a existir”.
É muito difícil, quase impossível, pensar na insensibilidade humana, em não conseguir mirar a irresistível força reprodutiva da arribação selvagem e serena do dourado, do pintado, da piraputanga, do curimbatá... Em duelo, orgástico, orgânicos pelos rios e córregos de Mato Grosso e do país buscando a perpetuação da vida.
Como disse, de novembro a fevereiro ocorre o período de defeso nos rios mato-grossenses, Vamos respeitar esse espaço. Nesse período devemos ter o mínimo de dignidade com a perpetuação da vida. Pronto, falei!
*ROMILDO GONÇALVES é biólogo - mestre em Educação e Meio Ambiente