O debate a respeito do ingresso dos jovens nas Instituições de Ensino Superior (IES) permeia a sociedade. Esta acompanha, ora com mais intensidade, ora com menos, as mudanças que são feitas nos vestibulares, a discussão sobre as cotas e a luta quase desumana que se dá entre os donos de escolas privadas na tentativa de mostrar quem tem melhor produto à venda.
O universo da academia se detém, dentre outros temas, sobre os impactos das políticas educacionais que regulamentam a forma de ingresso, sobre a natureza das provas e conteúdos abordados, sobre o perfil dos ingressantes e o seu desempenho durante o curso.
Embora haja tímida discussão a respeito da lógica excludente que está por trás dos exames para ingressos nas IES, pouco se tem refletido sobre a relação entre o contingente de jovens que anseiam por uma vaga e a quantidade de vagas existentes. Dados do MEC apontam que no Sistema de Seleção Unificada (SISU) de 2014, 1.443.012 estudantes disputaram as 171.401 vagas disponíveis em universidades públicas. Ou seja, esse número atende apenas a 11,87% da demanda de inscritos.
Dentre os 88% de candidatos que não conseguiram êxito no ingresso, uma parcela preencherá as vagas nas instituições privadas de ensino superior; outra parte incrementará os bancos de cursinhos e é possível que muitos, após um ou mais anos de insistência, desistirão do curso superior.
A discussão sobre o vestibular como instrumento de seleção social não é novidade, mas a mesma não está inserida no centro do debate – não há vagas para todos! E quem tem maiores chances de êxito no ingresso são aqueles poucos que possuem maior renda familiar e estudaram em escolas privadas - é o que evidencia o relatório sobre o ENEM. (INEP, 2009).
Os dados desse relatório desnudam a situação caótica na qual está imersa a Educação Básica brasileira. No documento é possível verificar que esta não tem cumprido o seu papel de propiciar aos jovens o aprendizado dos conhecimentos científicos e culturais. A média das notas da parte objetiva da prova não atingiu em nenhum dos segmentos apresentados a escala de notas de 70 a 100 pontos, que é o resultado “Bom a excelente” na escala de referência do INEP.
Os quadros na sequência trazem um resumo das médias de notas da parte objetiva da prova do ENEM, considerando as variáveis socioeconômicas:
Escola
|
2002
|
2003
|
2004
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
Escola Pública
|
30,39 |
44,79 |
40,31 |
36,6 |
34,9 |
49,2 |
39,6 |
Escola Privada
|
47,22 |
64,21 |
61,82 |
56,0 |
50,6 |
68,0 |
56,9 |
Renda familiar |
2002
|
2003
|
2004
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
Até 1 salário mínimo
|
26,01 |
37,85 |
34,08 |
31,5 |
31,1 |
43,0 |
34,3 |
De 2 a 5 salários
|
32,34 |
49,07 |
44,36 |
40,8 |
38,7 |
54,4 |
44,7 |
De 5 a 10 salários
|
38,15 |
56,37 |
52,03 |
48,5 |
45,0 |
62,1 |
52,6 |
De 10 a 30 salários
|
62,3 |
64,4 |
62,3 |
64,9 |
60,1 |
62,7 |
66,1 |
De 30 a 50 salários
|
64,5 |
66,4 |
65,2 |
66,5 |
61,1 |
63,8 |
67,1 |
Mais de 50 salários
|
52,67 |
68,47 |
65,23 |
61,4 |
54,3 |
69,4 |
59,8 |
Fonte: MEC/INEP, 2009 – Escala de referência – 0 a 100 pontos
Como pode ser observado, a situação é mais drástica entre os estudantes de escolas públicas e os que possuem menor renda familiar. A diferença em relação aos demais segmentos se aproxima dos 20 pontos.
Essa lógica perversa de exclusão social, reproduzida no nosso sistema educacional, acaba ainda por imputar ao excluído a culpa pelo não sucesso no ingresso. A falta de êxito não é do sistema educacional que não disponibiliza vagas para todos os que desejam, não é das escolas, sejam elas públicas ou privadas, que não proporcionam apreensão crítica dos saberes escolares, mas sim do aluno que em muitos casos é visto como fracassado.
Por outro lado, as escolas privadas estampam a lista dos seus vitoriosos, por meio de marketing cada vez mais “selvagem”, como os melhores, campeões, reforçando a lógica da competição e da centralidade no indivíduo. Essa propaganda da eficiência das escolas privadas é facilmente desmontada se fizermos o simples cálculo da relação entre o número de alunos matriculados e o número de aprovados, os resultados são pífios. Que sucesso é esse, por exemplo, que teria uma escola que, hipoteticamente, com 300 alunos matriculados almejando o curso de medicina aprova somente 10?
Infelizmente esses dados que estampam o caos da educação brasileira têm alimentado pouca reflexão. A Educação Básica precisa ser mais que simplesmente o período de preparo para o ingresso em uma universidade. Isso deve ser a decorrência do trabalho desenvolvido. Enquanto continuarmos a considerar natural esse imenso contingente de jovens que são excluídos do sistema educacional, a cada ano nos concursos vestibulares, esse ciclo perverso tende a se perpetuar.