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MT ainda precisa conhecer sua história, diz ex-presa política
Por Isa Sousa/Midia News
30/03/2014 - 10:12

Foto: reprodução

Nesta segunda-feira (31) o Brasil relembra uma data que, para muitos, não deveria sequer ter existido: os 50 anos do golpe que culminou nos 21 anos ininterruptos da Ditadura Militar no país. 

O período foi marcado por cinco presidentes (na ordem: Castelo Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo), com restrições, censuras, torturas “institucionalizadas” e mortes. 

Ainda que na memória mato-grossense pouco ou quase nada seja relembrado quando o assunto é o regime militar e suas consequências, a historiadora Lylia Galetti, doutora em História Social da Universidade Federal de Mato Grosso, atualmente lotada na Secretaria de Políticas de Promoção da Iguadade Racial da Presidência da República, alertou que está na hora de Mato Grosso começar a escrever sua história. 

Lylia, que foi presa durante o regime por duas vezes, em 1971 e 1972 em Recife (PE) e perseguida na UFMT, afirmou também que não é porque não nos destacamos, quando comparados, por exemplo, a São Paulo ou Rio de Janeiro, a Ditadura deixou de existir.

“Cada lugar viveu a Ditadura com as marcas de sua história, das suas características de desenvolvimento político, econômico e social. Quanto maior a adesão aos movimentos de reforma de base proposto por João Goulart [presidente deposto], quanto mais forte os partidos e movimentos de esquerda que propunham essas reformas ou mesmo uma revolução, quanto mais fortes os movimentos operários, estudantis e culturais, maior a repressão, o número de mortos, desaparecidos, presos, cassados e exilados. E mais visível o impacto político da ditadura sobre os seus opositores”.

Segundo a professora, apesar de ter havido menos mobilização de movimentos ou partidos de esquerda em Mato Grosso, devido a maior adesão de políticos tradicionais a Ditadura, não significa que ela foi mais “branda”.

“Significa, sim, que foi mais fácil cometer atrocidades, sob o manto do silêncio e do obscurantismo e mais invisível ao impacto da ditadura sobre os seus opositores”.

Para a professora, são exatamente silêncio e invisibilidade que precisam ser rompidos. 

“A história da Ditadura Militar em Mato Grosso ainda está por ser escrita. A instalação de uma Comissão Estadual da Verdade, uma rigorosa pesquisa sobre o período certamente poderiam revelar a extensão dos crimes cometidos, por exemplo, contra povos indígenas. No caso da abertura da BR-163, para citar apenas um exemplo, o povo Panará foi quase exterminado, de 700 pessoas restaram 78, deslocadas compulsoriamente para o Parque Nacional do Xingu”. 

Gosto amargo
 

Reprodução

Lylia presa aos 18 anos em Recife pelo regime militar brasileiro

Para o ex-governador de Mato Grosso de 1987 até 1990, atual deputado federal e cacique do PMDB Carlos Bezerra, a Ditadura Militar foi “a maior catástrofe” política do Brasil. 

“Sem precedentes, a Ditadura foi a maior catástrofe nacional e da qual vamos levar muitas gerações para corrigir. Dos males, na época, o pior foi a castração política que tivemos. Fecharam-se fábricas, acabou-se o movimento sindical e a discussão política, que era onde se formavam as lideranças. Como reflexo, hoje, continuamos com um país com lideranças despreparadas no Executivo e no Legislativo. Portanto, não há como não considerar a Ditadura como um período de escuridão”, avaliou.

À época do PTB, segundo Bezerra “o original, de Getúlio Vargas”, o parlamentar chegou a ser preso. 

“Fui acusado de ser comunista. No final, não encontraram provas e fui liberado dias depois. Ainda assim, teve muita gente que ficou louca, desesperada, porque a historia era de que iam matar todos. Quando saí, me filiei ao então MDB – hoje PMDB – e me mudei para Rondonópolis, para fugir de possíveis perseguições”, disse. 

Questionado sobre movimentos que pedem a volta dos militares, como o que “reproduziu”, na semana passada, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade (uma espécie de resposta à ameaça comunista propagada no governo dos militares), Bezerra foi taxativo: 

“São um bando de loucos. A pior democracia de todas sempre será melhor do que a melhor e mais perfeita ditadura. O Estado Democrático de Direito foi assegurado, ainda sofremos na política ranços do regime militar, desejar a volta da ditadura é loucura”. 

O “apesar”

O gosto amargo e as más recordações que a Ditadura Militar engendrou na vida de uns não significa, necessariamente, a mesma sensação na de outros. 

É o caso do também ex-governador de Mato Grosso de 1983 a 1986 e atual deputado federal Júlio Campos (DEM). 
À época da Arena, que apoiou os militares, o parlamentar afirmou que, apesar das restrições e limites, o período trouxe a infraestrutura necessária à Mato Grosso.

“Nós recebemos pavimentação de Cuiabá para Goiás e Brasília, recebemos também até Campo Grande, à época ainda sem dividir e então segunda maior cidade de Mato Grosso, conseguimos abrir estrada até Santarém. Foram criadas as universidades federais, hoje de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Antes, contávamos com apenas um cursosuperior, o de Direito”, citou.

“Também tivemos melhorias na energia elétrica e, principalmente, de telecomunicações. Os famosos linhões de transmissão foram trazidos pra cá nessa época. Podíamos ter melhorado na Educação, a Saúde, que chegou a ser melhor na época, piorou hoje, tínhamos a sensação de maior segurança também. Enfim, houve pontos interessantes. Acredito, na verdade, que a Ditadura deveria ter se encerrado com Médici [de 1969 até 1974, anos considerado os de “chumbo”]”, completou Campos. 

Com opinião parecida, apesar de rejeitar totalmente o período, o historiador e articulista Alfredo da Mota Menezes afirmou ao site que não há dúvidas que Mato Grosso foi o estado que passou por mais transformações no regime. 

“Sou contra a ditadura e acho que ela não vale nada, mas a gente não pode tampar o sol com a peneira. Em 21 anos, o regime militar trouxe muito mais infraestrutura para Mato Grosso que todos os governos civis após a ditadura. Para se ter uma ideia, até 1970, existia asfalto daqui para Rondonópolis só até o km 7. Em oito anos de Lula, ele trouxe alguma coisa de infraestrutura para Mato Grosso? Não”, afirmou. 

“Aparelhos de TV, por exemplo, chegaram aqui em 1968. Sabe como víamos novela no começo? Com dois ou três dias depois, porque os tapes eram mandados por avião. Com os linhões, isso melhorou. Claro, tem gente que acredita que os militares foram o supra sumo, eu não. Qualquer Ditadura é uma porcaria, mas temos que avaliar que na infraestrutura ganhamos muito”, disse Mota. 

Barbárie
Para a professora Lylia Galetti, em nenhum ponto a Ditadura, foi boa. 

“Dizer que ‘apesar dos pesares, a ditadura foi uma boa’, seja lá por qual motivo, mesmo que aparentemente “neutro”, como a melhoria da infraestrutura seja em Mato Grosso ou em qualquer outra região do país, é obscurecer o fato gritante, sobretudo em Mato Grosso, de que cada um desses monumentos de progresso representados por obras faraônicas, que consumiram recursos astronômicos, são também monumentos de barbárie, como atestam, para resumir, as violações dos direitos humanos dos povos indígenas, dos pequenos posseiros, dos trabalhadores que construíram esses monumentos, e a degradação ambiental que resultou dessas obras”, afirmou.

“E, 50 anos depois do golpe, quase 30 anos depois do fim da Ditadura, continuam impunes os torturadores e seus mandantes e ainda não se sabe o que aconteceu com centenas de pessoas “desaparecidas” e as circunstâncias em que foram mortas, sob tortura, centenas de outras pessoas. A história e a memória do período ditatorial começam a ser recompostas, o silêncio começa a ser rompido. Que em Mato Grosso isso também seja possível, é o que desejo e espero”, completou.
 
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