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Pé de Pequi
Por por Guilherme Vargas, especialmente para o Diário de Cáceres
02/04/2014 - 00:43

Foto: arquivo

Limão, mamão foram, um dia, coisas que não se comprava. Manga então, que absurdo!

 

Maxixe dava até no cemitério. Cambada de bagre era apenas para fazer volume na sacola dos peixes. Compartilha com quem quer; se não tem quem quer, cozinha-se pros gatos, pras galinhas. Por mais que não se viva de nostalgia, é o passado da gente que nos constrói.

 

Muita gente tinha sua rocinha. O que hoje são bairros periféricos, no passado eram rocinhas; pequenas chacrinhas. Rocinhas feitas de plantações que, às vezes, nem era necessário cultivar. Abóbora e melancia, como dão em rama, crescem como praga. A técnica de plantio era a sabedoria, afinal dificilmente se faziam canteiros ou se utilizava outros adubos que não esterco. Se plantava por fases da lua, por datas religiosas, por outra lógica que nos permitia ser diferente da lógica e dos interesses do que se chama de cultura ocidental.

 

Mas existia o que já estava lá. Como o Pantanal tem o Cerrado muito presente, muitas coisas boas ficam. As melhores são os frutos. Entre os meus preferidos: a canjiquinha, que é murici em outras regiões. Não é pelo fruto em si, mas pelo delicioso suco que se faz dela. O mais emblemático fruto do Cerrado é o Pequi, que também compõe a cultura pantaneira. Pequi não se saboreia cru e seus melhores produtos são os pratos salgados.

 

Minha receita preferida de Pequi é o “Suan com arroz e pequi”. Já sinto na boca o gosto da carne de porco frita, cuja crosta da fritura deixa o tempero ideal para refogar o arroz. Mesmo que já fosse perfeito só o suan e o arroz, o pequi empresta a marca de seu sabor intenso. Assim como o tempo verbal, fica mais-que-perfeito! Não é possível explicar o sabor do pequi; não conheço nada similar para comparar, nem mesmo se misturar a oleosidade da castanha-do-pará com a maciez da polpa da bocaiuva e a intensidade da cor amarelo-ouro. Quando não se ama o Pequi, se odeia. Ele não é morno; não deixa espaço para meios termos. Em época de pequi, que é depois da manga, ruas inteiras recendem aquele cheiro marcante; não adianta fugir. É tortura para os que odeiam e é glória para os que amam; também é vingança, pois para os que amam é inimaginável alguém não gostar de Pequi!

 

Mesmo tendo minha preferência, a melhor receita é a mais simples. Vamos a ela: Pequi ferventado. Se estiver na casca verde, que lembra um abacate, corta-se ao meio e retira os caroços amarelinhos. Põe pra aferventar na água com sal até que a polpa fique macia, que deve ser em torno de quinze minutos... Ta pronto! Ta perfumado o ambiente, não precisa chamar para comer. Aquele cheiro já chama por si.

 

Rói-se o Pequi com delicadeza, afinal debaixo do corpo amarelo tem uma trama de espinhos bastante afiados que já se fincaram na boca dos mais desatentos e afoitos. Sabe o que tem debaixo dessa camada de espinhos? Uma castanha muito apreciada pelas araras... Araras também gostam muito de Pequi, ou melhor, da sua castanha... e deixam cair aquela polpa douradinha, alaranjada, macia, marcante.

 

Colher o pequi é ir onde ele está: no meio da mata, em meio ao cascalho; se pega com a mão e vai ao próximo pé, onde ele estivar. Um saco cheio de Pequi, ainda na casca, resulta em poucos caroços. São muitos sacos que virarão poucas dúzias de Pequi.

 

Entre o lazer e prazeres de ir pra chacrinha, de cultivar a rocinha, de colher o Pequi, a canjiquinha, lembro que em outros momentos, quando se jogava voleibol. E por que do vôlei? Porque na hora do saque, sempre alguém gritava: -joga no pé de pequi! –Joga no pé de canjiquinha! Isso queria dizer pra mirar a bola na pessoa mais baixa, como é a baixa estatura das arvores do pequi e da canjiquinha diante das outras árvores.

 

Custava-se tão pouco e tão grandiosos eram esses momentos, que hoje são impagáveis. Esses momentos são bons para percebemos o quanto ainda há de pantaneiro em nós, mesmo diante às diversidades que vivemos hoje em dia.

 

Esses valores que parecem perdido, tenho fé, crendeuspai, que ainda se manifestam em pequenas atitudes do nosso dia-a-dia. Que o pantaneiro que há em nós possa gritar forte. Pois esse pantaneiro simplesmente não tem a ambição de querer mais do que o necessário para viver.

 

Um gosto de Pequi na boca! Esse é um dos gostos que nos faz lembrar e mantem viva a cultura do simples.

 

*Guilherme Vargas. Pantaneiro, professor.

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