Dor incalculável:famílias compartilham para superar
Por Diário de Cuiabá
05/08/2012 - 07:00
A dor da perda de um filho, descrita como a maior por aqueles que a vivenciam (dizem que nunca passa), pode ser amenizada quando se percebe que não é o único a senti-la. Que tão quanto infinita para ti é para o próximo. Compartilhá-la em grupo, com pessoas que passam pelo mesmo sofrimento, funcionaria como um bálsamo capaz de juntar os pedaços do coração partido e transformar as cicatrizes em boas lembranças. Ou ainda, dentro da doutrina espírita, permitir contatos extraterrenos que levariam à compreensão da morte e a certeza de que o filho estaria bem, mesmo em outra dimensão e fora do monitoramento verbal e visual dos pais.
Mas será esse alento seria mesmo possível? As famílias que experimentam a convivência e discussões em um grupo cuiabano, criado a partir da dor de uma família, garantem que sim.
A empresária Rosinéia Guimarães, 39 anos, que há quase cinco anos viu os dois únicos filhos, Katherine, 20 anos, e Diego, 14, morrerem atropelados na porta de sua casa, em Poconé, é apontada como o maior exemplo de aceitação e compreensão da perda.
Seis dias após a tragédia, no momento de maior desespero e revolta, quando pedia para morrer, conta, recebeu de presente um livro intitulado “Meu Filho Está Vivo!...”, escrito por Nara Nardez, relatando a dor, saudade e apresentando mensagens psicografadas do filho, Marcos Nardez, que também morreu em acidente – de moto.
Rosinéia abandonou a casa e a empresa, uma loja de materiais de construção, e estava entregue a dor. A única coisa que conseguiu fazer na primeira semana pós-morte dos filhos foi ler o livro. “Se o filho dela está vivo os meus também podem estar, pensei”.
A partir daí, diz, passou a freqüentar o grupo de ajuda, liderado pelo casal Nara Nardez e José Carlos Castro Branco(médico), e a buscar respostas para a trágica morte dos filhos até em eventos espíritas fora do estado.
Hoje, com dezenas de mensagem psicografadas dos filhos, Rosinéia avalia que não teria sobrevivido se não fosse o conforto das mensagens psicografadas e o apoio recebido de outras mães do grupo, que também enfrentam perdas.
Depois de recuperar o amor à vida e voltar a uma rotina normal, trabalhar e fazer faculdade, a mãe acredita que ocorrências anteriores à tragédia explicariam os porquês que a atormentavam. Conforme Rosinéia, uma redação escolar do filho Diego, encontrada quatro meses após a morte dele e da irmã, no dia do aniversário dela, seria o sinal de que ele estaria partindo da vida terrena.
“Mãe, sei que essa não é a melhor forma de nos despedirmos, deveria ser frente a frente... Sei que quando receber essa carta sofrerá e indagará o porquê da minha partida...”, são frases do texto do garoto.
A carta estava na mochila dele, que Rosineía remexeu num momento de dor e saudade, logo depois arrumar a mesa do café da manhã especial para os três, preparado como se fossem celebrar o aniversário dela, como costumavam fazer.
Outra passagem, diz, foi em um seminário espírita em São Paulo, do qual participavam mais de 600 pessoas e onde não conhecia ninguém. Lá, o médium Edvaldo Franco, que liderava o evento, mesmo sem nunca terem se visto, repassou uma mensagem dos filhos dela. “Fui procurada no quarto do hotel, onde estava descansando, por que havia uma mensagem sobre meus filhos”, conta.
Anterior | Índice | Próxima
Reuniões acontecem há 15 anos
Da Reportagem
Criado há mais de 15 anos, a partir das mães e pais que procuravam Nara Nardez por causa do livro, o grupo Evangelho das Mães cresceu e passou a fazer reuniões mensais com palestras e bate-papo informal e, quando necessário, visitas às famílias que precisam da acolhida, de uma palavra de conforto.
O encontro deste mês aconteceu na sexta-feira, com a presença de 40 pessoas, a maioria mães, e teve leitura de textos bíblicos, orações e uma palestra da psicóloga Hilda Moreira.
Hilda destacou em sua palestra, por exemplo, que o sofrimento não é o único recurso diante da perda, tem muito a se fazer se a pessoa tiver disposição para isto.
De uma maneira natural e bem humorada, em alguns momentos levando às lágrimas e noutros ao riso, a psicóloga abordou a morte, observando que não focar apenas na dor daquele que sofre faz com que as vitórias que a vida proporcionou e proporciona sejam reconhecidas.
“Todos nós teremos conquistas e perdas e cada um tem uma cota de sofrimento”, observa. “Não podemos nos agarrar aos nossos filhos como se fossem nossas tábuas de salvação”. “Será que eles não podem nem morrer em paz”, brincou.
Na casa de Nara Nardez, onde acontecem as reuniões, a família dela e dos amigos que vão chegando transformam a dor em momento de reflexão e troca de afeto. Também compartilha uma mesa farta de bolos, doces e salgados levados pelos participantes.
O encontro dessa quinta-feira foi o primeiro depois da morte da sobrinha dela, Ludmila Nardez, 32 anos, que morreu em acidente na estrada de Chapada dos Guimarães no dia 13 de julho. Os pais de Ludmila estavam lá, mas não integraram o grupo.
Também estava lá a irmã de Nara, Josiane Nardez, viúva do cirurgião plástico e ex-vereador cuiabano Barão Viegas, que morreu em março de 2007.