O discurso jurídico nos representa ou é instrumento de dominação? O sistema de Justiça é ingênuo ou dolosamente ávido em engendrar mecanismos de controle e difusão ideológica? É racionalmente puro ou de pureza racional?
O pensador argentino,Luis Alberto Warat, trabalha com a perspectiva do discurso como fator de dominação e não de legitimação democrática ou do Direito.
Logo no início do capítulo I, do livro de II, de sua Introdução Geral ao Direito, emenda: ‘A ciência jurídica, como discurso que determina um espaço de poder, é sempre obscura, repleta de segredos e silêncios, constitutiva de múltiplos efeitos mágicos e fortes mecanismos de ritualização, que contribuem para a ocultação e clausura das técnicas de manipulação social. A montagem mítica que impregna o discurso jurídico ocidental gera uma relação imaginária entre o saber e as práticas do direito. Isto introduz um campo simbólico (um eco de representações e ideias) que serve para dissimular conflitos e antagonismos que se desenvolvem fora da cena linguística‘.
"O pensador argentino,Luis Alberto Warat, trabalha com a perspectiva do discurso como fator de dominação e não de legitimação democrática ou do Direito."
Para Warat, a visão do Estado como ordenamento jurídico serve para construir a imagem de uma sociedade homogênea, harmoniosa, uma sociedade na qual o conflito adquire sempre o sentido de uma transgressão legal. Nesse sentido, não há espaço para posicionamento crítico, sendo logo criminalizado como subversivo ao sistema.
Alexy, pensador e filósofo alemão, tem na ‘fundamentalidade’ o pressuposto de correção do sistema jurídico para se evitar subjetivismo e erro de interpretação e aplicação da lei.
É possível que Warat, diante de tamanha ingenuidade do pensamento de Alexy,fosse levado à seguinte inquietação - como descortinar as contradições do sistema para posterior correção se ele próprio, o sistema, não é digno de confiança?
A origem do arcabouço jurídico para Warat está na dominação; o Estado como discurso de poder supõe a existência de uma linguagem que censura e manipula o imaginário popular para construir a cultura oficial. Esta linguagem domina e é cúmplice do direito.
Da mesma forma, Roberto de Aguiar destaca que uma coisa é a teoria do direito. Outra, a prática do dia a dia. Entre o dever-ser real e a metalinguagem teórica em torno do Direito há descompasso. A própria doutrina, atenta a isso, passou a criar um dever-ser do dever-ser numa tentativa de buscar legitimidade e sobrevivência ao sistema.
A par disso, se pode concluir que o desacordo de Warat com o Direito se refere ao campo específico do uso doloso da linguagem que se opera interna e externamente ao sistema jurídico. Todavia, isso pode ser questão de moralidade e fidelidade, como bem resumiu o pensador americano Ronald Dworkin.
É por aí...
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é juiz de Direito em Cuiabá.
antunesdebarros@hotmail.com