Brasileiros: o que sobrou, está a caminho de Cuiabá
Por Clarice Navarro Diório
17/08/2012 - 07:35
Acabaram de deixar o Instituto Médico Legal de Cáceres,às 7 horas da manhã desta sexta, 17 de agosto, onde chegaram por volta das 18 horas de ontem, os restos mortais dos dois brasileiros queimados vivos na noite de terça-feira em San Matias, na Bolívia, cidade que fica a 80 km de Cáceres. O técnico do IML Cássio Roberto Brandalise seguiu transportando os corpos para Cuiabá.
Os despojos estão em dois sacos de lona usados para este tipo de remoção e permaneceram dentro do “rabecão” durante toda a noite. Em Cuiabá.serão periciados e entregues aos familiares, ara sepultamento.
O que restou dos corpos foi trazido a Cáceres pelo técnico do IML local, que ontem conseguiu entrar em San Matias após a interferência do governo do Estado e do Itamaraty. Eles tiveram o apoio do Grupo Especial de Fronteira, o Gefron. Na quarta-feira, técnicos do IML já haviam feito a tentativa, mas não tiveram autorização nem para entrar no pais.
Os corpos estavam enterrados no cemitério de San Matias. A cidade -um vilarejo fronteiriço-tem 12 mil habitantes e apenas 10 policiais, não dispondo também de local apropriado para guardar corpos a espera de necrópsia. Os brasileiros tiveram que ser sepultados devido a alta temperatura.
Cássio desenterrou os corpos com a ajuda dos policiais do Gefron. Estavam em cova rasa (70 centímetros), envoltos em sacos azuis. Sobre a cova de indigentes, uma coroa de flores e copos com bebidas. O técnico informou que é um costume boliviano deixar a bebida sobre as covas.
“Pelo que ouvi no local, eles apanharam muito e foi usada pouca gasolina para queimá-los. Inicialmente, diria que foram queimados desacordados, pois não encontrei vestígios além do local onde eles foram queimados, no chão, juntos”.
Cássio ouviu também que todos, tanto os dois brasileiros mortos, assim como os três bolivianos mortos e os dois feridos, estavam drogados. “Os três que morreram, segundo relatos, eram ‘iniciantes’. O que está ferido no hospital de Cáceres após ter sido baleado no abdome, seria o ‘cabeça´. Os três bolivianos assassinados eram jovens e trabalhavam –isto provavelmente acirrou ainda mais os ânimos dos seus conterrâneos.
Antes de ser presos, os brasileiros trocaram tiros com a polícia boliviana. Depois, na delegacia, não teve como conter a multidão. Há bolivianos feridos a pedradas e o próprio comandante da polícia sofreu lesão na clavícula, na tentativa de conter a turbe. “Eles fecharam as ruas, não havia forma nem do exército boliviano ajudar”.
O Gefron, para entrar no pais com as três viaturas da corporação, teve que deixar as armas no Brasil. “A burocracia foi exagerada. Eles fizeram o que puderam para dificultar o processo”.
San Matias é uma cidade fronteiriça que abriga muitos brasileiros foragidos. É ponto de saída para a droga oriunda dos ‘negócios comerciais’ entre brasileiros e bolivianos. Pela proximidade geográfica com o Brasil, depende de Cáceres para tudo: atendimento médico, energia elétrica, aquisição de alimentos. É o governo brasileiro que doa as vacinas para que os bolivianos vacinem o gado contra a febre aftosa. A miséria é gritante, o que facilita ao tráfico o aliciamento de jovens para o ‘trabalho’ de transportar drogas.
O fato que chamou a atenção do mundo todo –segundo o técnico havia mais de 50 jornalistas cobrindo o trabalho de remoção dos corpos- poderá servir de alerta aos dois países, sobre o modelo de relações que hoje mantém, e, em especial, mostrar ao governo brasileiro um fato gritante, que está fazendo muitas famílias perderem seus filhos para o tráfico ou outro tipo de crime: o quanto esta fronteira está desprotegida, apesar das forças policiais que atuam na faixa fronteiriça. É preciso reforço, atuação do Exército, da PRF –já que o caminho que leva a San Matias é uma extensão da rodovia federal 070. ´São necessárias a implantação de projetos que estão no papel, como o do canil para cães farejadores, que segundo o governo,já está licitado e com verba disponível. Enfim, é necessário estrutura adequada para policiamento, repressão e programas de prevenção., o que certamente esvaziaria as cadeias da região, todas lotadas e com um índice de 70% de presos que cumprem pena por tráfico. Cinco mortos. Cinco famílias em luto. Quais serão as providências?
ENTENDA O CASO
Jeferson Castro de Lima,22 anos, e Rafael Max Dias,27, foram tomados a força das mãos de policiais bolivianos e queimados vivos na noite da última terça-feira. O fato ocorreu a 150 metros do posto policial de San Matias.
Os brasileiros, segundo informações da imprensa e da polícia boliviana, levaram duas motos roubadas para vender em San Matias, e comemoravam a venda com cinco bolivianos, quando se desentenderam. A dupla matou três bolivianos e feriu dois. Presos pela polícia, eles foram alvo da fúria de uma multidão de cerca de 300 pessoas. Foram espancados e tiveram os corpos molhados por gasolina, morrendo queimados. Os corpos serão levados para o IML de Cuiabá.
Rafael era companheiro da mãe de Jeferson. As famílias sabiam que ambos estavam envolvidos com crimes, e sabiam do risco que corriam em morrer de forma violenta, assassinados, mas não esperavam que tivessem um fim tão cruel: queimados vivos.
Dois policiais federais estão em San Matias desde ontem, apurando as circunstâncias das mortes.O fato foi noticiado pela imprensa do mundo todo.
*jornalista em Cáceres