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Após 40 anos de maus tratos, elefantas terão vida nova em santuário
Por Fernanda Nazário | Sema-MT
14/10/2016 - 13:47

Foto: assessoria
População local festeja a chegada das duas primeiras elefantas, Maia e Guida, à comunidade do Rio da Casca, onde vão descansar de uma vida de exploração e maus tratos
 

A pacata comunidade do Rio da Casca, a 40 km de Chapada dos Guimarães, nunca mais será a mesma. Com a diversidade de tons verdes da natureza misturados ao alaranjado do chão de terra e clima ameno, o vilarejo foi escolhido dentre inúmeras cidades do Brasil para abrigar o primeiro santuário de elefantes da América Latina. As primeiras moradoras, as elefantas Maia e Guida, chegaram ao local na tarde desta terça-feira (11.10), com recepção calorosa dos moradores.

A maratona da viagem teve início no domingo (09.10), em Paraguaçu, Minas Gerais, e terminou às 17h30 de terça-feira já em solo mato-grossense.  Foram 1,6 mil km de estrada percorridos dentro de contêineres. Os primeiros passos para a liberdade foram dados por Maia, que passou por uma avaliação no centro médico assim que desembarcou. Como sinal de que ‘está tudo bem, estou livre’, ela jogou terra para cima após comer gramas e melancias. Em seguida, Guida também foi solta.

Emocionada, a cofundadora e presidente do Santuário de Elefantes no Brasil (SEB), Junia Machado, disse que oferecer um novo lar aos animais é motivo de grande realização. “É a concretização de um sonho”, frisou. Os cuidadores especialistas em elefantes, Scott Blais, diretor do SEB e sua esposa, Keith, diretora de bem-estar animal no santuário, também não seguraram as lágrimas.

Muitas outras pessoas também se comoveram. Moradores, visitantes, empresários, imprensa, políticos, todos queriam ver as elefantas perto. Em meio à multidão estava Kassya Telles, 35 anos, guia de turismo, que inicialmente se sentiu resistente à ideia do santuário. “Mudei a minha visão ao conhecer melhor a história. Só de imaginar as chicotadas que elas levaram, a dor e a tristeza que sentiram, fico de coração partido. Ao mesmo tempo, estou feliz em saber que a partir de agora a realidade delas será outra”.

Quem também não perdeu tempo para conhecer os novos vizinhos foi a aposentada Ivanildes Natividade, de 61 anos. Ela lembra que a comunidade só fica movimentada, uma vez por ano, no período do Festival do Caju (Cascaju), que ocorre há 14 anos. “O distrito é parado. Agora, com a chegada dos animais, aqui vai ficar sempre alvoroçado”.

Além dos adultos, a criançada também fez a festa, formando filas para entregar folhagem às recém-chegadas. Ana Letícia Barbosa, de 16 anos, nunca tinha visto animais daquele tamanho, Maia pesa 4,5 toneladas e Guida, 4 toneladas. “Que fantástico”, disse a jovem quando avistou os animais. “Jamais pensei que veria isso de perto, agora os olhos do mundo vão estar aqui”, acredita Ana Letícia.

A próxima moradora do santuário deve chegar somente em 2017. Ramba, que também é asiática, vive atualmente no Chile e teve uma história de vida parecida com as de Maia e Guida, que têm aproximadamente 50 anos. Elas foram capturadas na Tailândia ainda quando bebês para trabalharem no Circo Portugal, em Minas Gerais (MG). Após 40 anos de exploração e maus tratos, elas trocaram os picadeiros por uma fazenda em Paraguaçu (MG), onde ficaram acorrentadas por seis anos em uma área de 1,5 mil m², sob a responsabilidade do fiel depositário Giuliano Vettori, assessor jurídico do circo.

O santuário

O terreno onde está instalado o Santuário de Elefantes é de uma antiga fazenda de gado, chamada Santa Fé do Boqueirão, localizada a 40 km do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães e a 10 km da comunidade Rio da Casca. A área tem 1.100 hectares e foi comprada pela ONG Santuário de Elefantes Brasil para abrigar um total de 25 elefantes que estejam em condição de risco em zoológicos e circos na América Latina.

Para chegar neste ponto de receber os primeiros moradores do santuário, a diretora financeira do SEB, Célia Frattin, recorda que foram anos de luta. “Procuramos terras por quase um ano e meio. Fomos do Sul do país, no Pará, Goiás, até chegarmos a Guaratã do Norte, onde quase fechamos negócio”.

Chapada foi escolhida em razão das condições climáticas adequadas para os animais e também em razão de custos menores que em países de clima frio. “Nos apaixonamos pelo local e o antigo dono da fazenda facilitou a compra. Ele parcelou a dívida em seis anos”. Até o momento foram gastos R$ 2 milhões para a compra da terra, a construção de parte da cerca da propriedade, do centro médico e de um pequeno curral. Todo o projeto custará 7,5 milhões de dólares.

Mensalmente, o gasto estimado com cada animal é de R$ 20 mil e para conseguir esse valor a ONG conta com doações. “Não temos apoio financeiro de nenhuma esfera governamental, as pessoas são solidárias à causa e doam para ajudar a manter o santuário”.

Apesar de chamar a atenção das pessoas, o santuário não será aberto à visitação. Isso iria contra o propósito da ONG, que visar dar sossego aos animais. Ao invés disso, o projeto prevê a instalação de câmeras em alguns pontos do local. Assim as pessoas poderão acompanhar a vida dos elefantes, sem estabelecer contato direto com eles.

As imagens serão transmitidas para as telas instaladas em um centro de visitação e educacional, a ser construído em Chapada e outro mais próximo do santuário. Junia Machado explica que a ideia é munir as pessoas de informações sobre elefantes e conscientizá-las sobre a importância de respeitar os animais.

Licença ambiental concedida

O projeto do santuário passou por vários trâmites na Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT), visando obtenção da licença ambiental para funcionamento. Junia lembra que foram elaboradas mais de 200 páginas de documentos e projetos, e realizadas incontáveis visitas técnicas. “Apesar de ser um empreendimento inédito no Estado, a Sema foi parceira, buscou adequar as ferramentas de trabalho ao que o projeto pedia e, juntos, conseguimos”.

O analista de meio ambiente da Coordenadoria de Fauna da Sema, Marcos Ferramosca, explica que o projeto passou por dois setores que avaliaram questões relacionadas ao empreendimento, como a estrutura física, o tipo do impacto que ela pode causar no meio ambiente (solo, água e ar) e também o animal. “Não identificamos nenhum prejuízo ambiental, mas à medida que forem chegando outros elefantes, o local necessitará de adequações e isso vai exigir a solicitação de ampliação da licença de operação para que o empreendimento continue na legalidade”.

De acordo com o coordenador de Atividade de Pecuária Intensiva, Irrigação e Aquicultura da Sema, Paulo Abranches, não houve a necessidade de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima), já que a área do santuário está fora de unidade de conservação, de terra indígena e não prevê a supressão de vegetação (desmatamento).

O projeto prevê produção mínima de dejetos. Os elefantes não terão contato com cursos d’água, já que serão utilizadas caixas d’água para consumo e banho. Estudos mostram que o potencial poluidor de um elefante pode ser comparado a uma média de seis a 10 bois. Como o santuário poderá abrigar até 25 elefantes, isso significa uma criação de no máximo 250 bovinos em confinamento. “É importante ressaltar que apenas criadouros a partir de mil cabeças de gado atualmente precisam de licenciamento da Sema”. 

 

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