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Até 50% das crianças brasileiras sofrem de anemia por falta de ferro, alertam médicos
Por RAFAEL CISCAT
13/08/2019 - 09:21

Foto: Ilustrativa

Apesar de recomendação do Ministério da Saúde, a maioria dos pais não faz suplementação alimentar com sulfato ferroso

 
 
 


A filha da paulistana Aynara Rodrigues ainda não completara 1 ano quando um susto seguiu-se ao outro: levada ao hospital para tratar de uma febre que não passava, Sophia foi diagnosticada com anemia. 

A mãe ficou sem entender. Animada e rechonchuda, a menina nunca torcera o nariz para a comida, desde que começara a consumir alimentos adicionais ao leite materno. Por isso, a hipótese da anemia nunca passara pela cabeça de Aynara. 

“A pediatra me perguntou se ela tomava sulfato ferroso complementar à alimentação. Eu disse: Não. Deveria?”, conta Aynara. 

A surpresa de Aynara é comum. No Brasil, estima-se que entre 20% e 50% das crianças com até 5 anos sofram de anemia por deficiência de ferro. A prevalência tem variações regionais. 

“ De maneira geral, a anemia infantil é um problema de saúde pública subestimado em todo o país”, diz a professora Célia Campanaro, do Departamento de Hematologia e Hemoterapia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). 

Uma das maneiras de prevenir a doença é oferecer sais de ferro para suplementar a dieta. O Ministério da Saúde recomenda a medida para toda criança entre seis meses e 2 anos de idade. 

Um novo estudo, realizado por uma equipe da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sinaliza, no entanto, que poucas famílias seguem o conselho. Ou o seguem mal. 

Somente 5,6% das crianças de até 2 anos fazem essa suplementação, uma parcela muito abaixo da meta perseguida pelo ministério — de que pelo menos 50% delas consumam sais de ferro preventivamente. Isso, segundo os pesquisadores, apesar das iniciativas do governo para facilitar o acesso ao medicamento. 

Efeitos subestimados 

A equipe da professora Tatiane Dal Pizzol chegou a essa conclusão depois de avaliar dados sobre 7,5 mil crianças de até 12 anos em todo o país. As informações constavam na Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM). 

Segundo o levantamento, que se baseou em entrevistas domiciliares com os responsáveis pelas crianças, somente 1,8% do grupo tinha consumido sais de ferro nos 15 dias anteriores ao inquérito. A frequência da utilização cresce conforme cai a idade das crianças, mas é baixa em todas as faixas etárias. No grupo com menos de 1 ano, aquele em que a utilização é mais frequente, os sais de ferro são usados por 8,5% das crianças. 

“Nós já esperávamos que a utilização de sais de ferro estivesse aquém do necessário, mas ficamos surpresos com os resultados”, diz Tatiana. 

A questão preocupa porque os efeitos da anemia no desenvolvimento cognitivo são sérios e ainda subestimados. O ferro é essencial para a formação das hemácias, as células sanguíneas responsáveis pelo transporte de oxigênio. 

O mineral também participa da formação de massa óssea e muscular, e sua demanda aumenta durante a infância e a adolescência, períodos de crescimento acelerado. A ausência de ferro pode provocar alterações comportamentais, irritabilidade e prejudicar o sono da criança. No longo prazo, causa impactos no desempenho escolar e na capacidade de aprender. 

Para combater a anemia, o governo brasileiro adota, desde 2004, uma política de fortificação com ferro das farinhas de trigo e milho produzidas no país. E, em 2005, criou o programa Nacional de Suplementação de Ferro. 

“Isso significa que deve haver sais de ferro disponíveis gratuitamente nas unidades básicas de saúde”, diz Célia. 

Nem sempre o medicamento é fácil de ser encontrado. A comerciante Solange Rocha descobriu isso logo que sua filha foi diagnosticada com anemia. Na Unidade Básica de Saúde (UBS) que frequenta, em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, o sulfato ferroso estava em falta. 

“Felizmente, não é um medicamento caro. Tive que pagar do meu bolso”, diz. 

As falhas de distribuição, no entanto, não bastam para explicar os problemas de suplementação. Segundo as especialistas, pesam nessa equação questões comportamentais: não é fácil convencer as crianças a aderir ao tratamento preventivo. Os sais de ferro têm sabor metálico, que desagrada o paladar dos pequenos. Podem causar um pouco de dor de barriga e provocar o escurecimento das fezes. 

“Esses efeitos adversos podem levar os pais a desistirem da prevenção. Além disso, muita gente se pergunta por que deveria dar um medicamento, todos os dias, para uma criança que está saudável”, lembra Tatiana. 

Segundo ela, talvez seja hora de médicos e de o próprio Ministério da Saúde mudarem de estratégia para facilitar a adesão ao tratamento. Em lugar de consumo diário, receitar suplementação intermitente. 

“Já há estudos demonstrando que o consumo dos sais de ferro três vezes por semana, em lugar de diariamente, é eficiente para proteger contra a anemia”, diz. 

Na casa de Aynara, o susto já foi superado. Hoje, diz ela, Sophia se acostumou às doses diárias do remédio, que ela toma pouco antes de comer, sem nem fazer careta: “Quando demoro a dar, ela até estranha. Faz bico. Agora, já está saudável de novo”. 
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