O entrevistado da semana é o padre Geraldo José dos Santos, cacerense, 87 anos, que em oito de dezembro de 2020, estará festejando 60 anos de Vida Sacerdotal. Numa conversa direta ele revela a inclinação para servir ao Senhor, como um “empurrão” de sua mãe, a saudosa cacerense Anna Luiza Neves dos Santos.
Nascido das mãos de Parteira no Bairro São Miguel. Filho de Joaquim José dos Santos (Alfaiate) e de Anna Luiza Neves dos Santos (Costureira), ambos falecidos. “Éramos seis irmãos, hoje somos três. Meu saudoso pai foi um dos que ajudaram construir a igreja São Miguel em 1928 no bairro do mesmo nome em Cáceres”.
A vocação sacerdotal
Padre Geraldo revela que a sua vocação sacerdotal começou com um convite feito pela mãe. Lembra que “era um domingo e havíamos assistido a Santa Missa celebrada por Frei Jerônimo”, bastante idoso então. Minha mãe disse-me: “Geraldo você viu como o Frei Jerônimo lia com dificuldade hoje na missa. Quem vai substituí-lo? Você bem que poderia ser o padre mais tarde. Foi o primeiro chamamento, eu deveria ter uns nove anos”.
O religioso continua em sua viagem ao tempo e lembra que foi para Corumbá-MS cursar o 4º ano primário no grande e histórico colégio Santa Tereza – salesiano. “Tudo me encantou e chamou atenção: o esporte, a beleza dos desfiles, teatro, a dedicação e qualidade dos padres. Músicos, pintores, professores renomados. Foi então quando o diretor Miguel Alagna, após um ano fazer um segundo convite, não tive dúvidas: Dom Bosco me chamava! Fui!”
A importância da participação dos pais na vida religiosa
Sobre a participação dos pais na sua formação religiosa, Padre Geraldo ainda recorda emocionado. “Foram decisivos na minha direção à vida sacerdotal. Acredito que rezaram juntos e muito para que eu decidisse pelo sacerdócio. Até hoje ao subir ao altar para uma celebração, lembro-me deles com muita saudade e devoção no papel decisivo que um pai tem para a condução dos filhos. Assim deve ser o exemplo para os nossos jovens se espelharem no bem que os pais, a família, são para eles. O jovem é como uma árvore que precisa ser podada, moldada para crescer com uma copa bem formada e dar deliciosos frutos”.
Continuando, ele revela que foi para o Seminário de Cuiabá no dia 30 de março de 1946, quando tinha então 13 anos. “O seminário dos salesianos era na Igreja Bom Despacho, em cima daquele morro. Lembro-me perfeitamente da minha apresentação ao Arcebispo Dom Aquino; ele deve ter-me abençoado com toda fé pelo jovem que acabara de chegar de Corumbá. No seminário também encontrei um outro homem sábio, compreensivo, enérgico e santo: Padre Nelson Pombo.
Assim minha vocação tinha mesmo tudo pra dar certo, de um lado a majestade hierárquica de Dom Aquino, membro da Academia Brasileira de Letras, do Rio de Janeiro. Tinha sido Governador do Estado. Orador Sacro de elevadíssimo valor, e homem bom, bom de verdade. De outro lado era a firmeza e santidade do Padre Nelson. Cheguei ao Sacerdócio no dia 8 de dezembro de 1960, ano de Brasília e minha primeira missa foi no dia seguinte, no Instituto Emilie Villeneuve, em São Paulo”.
Primeiro padre da diocese é recebido com festa
O maior momento da vida do nosso homenageado, ocorreu em 06 de janeiro de 1961. Nesse dia uma multidão se aglomerou no aeroporto Manoel Felipe Cuyabano, para receber festivamente o filho de Cáceres que acabara de se tornar o primeiro padre da Diocese de São Luiz.
Seus pais, irmãos, outros integrantes da família, bem como amigos e curiosos lotaram as dependências do antigo aeroporto velho, para recepcionar o ilustre Geraldo José dos Santos, agora padre.
Em meio as autoridades presentes o médico José Monteiro da Silva, prefeito de Cáceres, abraçou-o com os cumprimentos de praxe pelo magnífico feito em decidir-se pelo sacerdócio e levar o nome de Deus aos povos.
Na inesquecível recepção padre Geraldo recorda feliz, que o seu irmão Valdomiro dos Santos, sargento rádio telegrafista do exército, conseguiu que a Banda do 2º. Batalhão de Fronteira se fizesse presente tocando o Hino Nacional e outras animadas canções na festiva recepção.
Do aeroporto, Padre Geraldo seguiu direto para a Capela do Perpértuo Socorro, celebrar a primeira missa em Cáceres. Um mês antes ele estreou no altar de Cristo rezando a missa em São Paulo aonde foi ordenado.
Após a festa religiosa celebrativa da ordenação, padre Geraldo participou da festa social onde foi servido churrasco de novilha, na chácara da sua família.
Marcante na vida pra sempre...
Sobre esse importante e decisivo momento de sua vida, Pe. Geraldo afirma convicto “que Deus me deu a satisfação de ter junto de mim, na igreja da ordenação a minha mãe, aquela mesma que tantos anos atrás, me havia feito o primeiro convite para ser padre! E é por isso, que embalado pelo espírito da Igreja Católica, aliás, do mesmo Senhor Jesus, tomei como meu lema a passagem do Evangelho de Lucas 10,2: “Pedi ao Senhor da Messe que mande operários para sua colheita”.
Ao festejar 60 anos de vida dedicados ao serviço do Senhor Deus Pai, a maior dificuldade...
No ano festivo em que está celebrando o grande e significativo feito de ter sua vida dedicada as causas do Senhor Deus Pai, aos longos e marcantes 60 anos de sacerdote, Padre Geraldo lembra que nem tudo foram flores.
Cita uma grande dificuldade por ele vencida. “Sem dúvida que foi atender o convite que me foi feito pelo Bispo Diocesano Dom José de Lima, para assumir a direção da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em Cáceres – de 1982 a 1996. Por eu ser o primeiro padre genuinamente cacerense, os dois primeiros anos não foram nada fáceis. A comunidade estava acostumada com o trabalho dos padres estrangeiros, franceses, e, não botavam muita fé num cacerense. Mas para provar que santo de casa faz milagres (risos), e, com destemor, trabalho e fé, consegui conquistar a todos e cumprir a minha missão de maneira muito profícua. Tanto é que ali (Paróquia Nossa Senhora Aparecida) permaneci por quatorze anos. Sai para atender outras paróquias, no entanto, hoje novamente estou de volta.
Coronavírus se derruba com oração
No atual momento de muita tribulação em meio as milhares de mortes que atormentam as mais diversas partes do mundo, Padre Geraldo é de opinião que “tá faltando oração e fé à nação brasileira”, principalmente aos jornais televisivos, quando se refere a Rede Globo. “Estou sentindo a coisa meio desacertada; você em nenhum momento vê os jornalistas entrevistando um religioso, publicando uma oração de fé; muito pelo contrário, eles só falam em quantidade de gente que tá acometido pelo tal vírus (corona), e as mortes”. Para o religioso, Deus coordena tudo, sabe de tudo, porém, infelizmente, nesse decisivo momento tem ficado esquecido...
Ele continua..., “falam de médicos, remédios, vacinas, mas estão esquecendo de pedir para a força maior, que é o Senhor Deus nosso Pai”, reage.
O religioso recorda de uma passagem que sua saudosa mãe contava, “sobre uma tal doença, peste, ou moléstia que conheciam como bixiga”. Essa tal doença segundo ele ouvia de sua mãe, dizimou milhares de pessoas pelo mundo afora por volta de 1915. Chegou a vitimar pessoas em Cáceres e na região onde hoje está Porto Esperidião.
Nessa época, segundo Padre Geraldo, estava recém-chegado a Cáceres o médico que havia se formado no Rio de Janeiro, Dr. Esperidião Marques. Jovem e dedicado médico, integrante da família Costa Marques, passou a se dedicar diuturnamente em atendimentos aos milhares de enfermos acometidos pela tal moléstia, numa tentativa de salvar vidas.
Foi numa dessas suas idas e vindas para atender a comunidade onde hoje está situada Porto Esperidão, que o médico acabou contraindo a doença... Não suportou tamanha gravidade do mal que a ele também se abateu, acabou por falecer na mais tenra idade...Ganhou como forma de gratidão e reconhecimento ao seu trabalho médico duas homenagens: o primeiro grupo de Cáceres passou a chamar-se Grupo Escolar Esperidião Marques; e a comunidade onde ele atendeu inúmeras vítimas, passou a ser conhecida como Porto Esperidião, hoje município.
Insiste em reestruturar o seminário, “menina dos olhos da diocese”.
Padre Geraldo aos 87 anos, ainda tem sonhos e revela metas a serem cumpridas. Ele tem muito carinho e atenção com o Seminário Bom Pastor onde prepara jovens para seguir a vida sacerdotal. Diz que pretende retornar aos EUA, e adquirir recursos para estruturar o seminário. Enquanto esse dia não chega, ele procura aperfeiçoar ainda mais o seu inglês.
Quer viver ainda pelo menos uns dez anos, “mas com saúde”. E afirma taxativo: “Não tenho tempo pra ser velho; tenho metas e objetivos, não sei ficar ruminando e perdendo tempo! ”
Insiste em reestruturar o Seminário Bom Pastor. “Temos condições de receber até 40 seminaristas. Pra isso penso novamente retornar aos Estados Unidos e fazer uma peregrinação em busca de recursos para investir no seminário de Cáceres. Os americanos têm verba pra isso”... Trabalhar sempre! “Lembro-me que foram oito anos dedicados na construção da Igreja São Miguel. Muitos ajudaram e ela está ali marcando a fé do povo cristão naquele bairro”, recorda de sua persistência.
O religioso revela que a área onde está construído o seminário é extensa, muito propícia, segundo ele, para receber investimentos que poderão transformar a cidade, para acolher romeiros ou peregrinos do estado e da região. Sonha “como se fosse uma nova Canção Nova” que seria erguida em Cáceres.
Padre Geraldo já esteve em companhia do engenheiro Adilson dos Reis, em Cachoeira Paulista-SP, visitando todo o aglomerado da Canção Nova, sonhando poder construir em Cáceres, junto a área do seminário, o maior complexo religioso regional, inclusive, já está em suas mãos o projeto futurista, elaborado pelo renomado engenheiro Adilson Reis e outros profissionais que dispuseram a participar, a exemplo, do jovem arquiteto cacerense Júlio César Lemes da Silva.
“Enquanto eu estiver com saúde, vou trabalhar em prol da nossa igreja, da nossa comunidade. Ela necessita de estrutura para receber os nossos devotos. Vejam a multidão que participa do Água Viva, enfrentando falta de uma melhor acomodação. Com sol e chuva exercitam a fé e a religiosidade cristã...nossa gente merece um amplo local mais aconchegante e acolhedor”.
Ele continua a sonhar...em ver o novo e santo local receber durante vinte e quatro horas os devotos de joelhos em clamor à adoração ao Santíssimo Sacramento.
O seminário, os seminaristas, são segundo Padre Geraldo, “a joia mais preciosa da coroa da Diocese de São Luiz de Cáceres. São a menina dos olhos da nossa diocese”.
“Nunca deixem a vida religiosa em segundo plano, escolhendo outras profissões. Vocês meninos e meninas, sintam no fundo de seu coração o chamado de Deus e atendam a vocação. Uma profissão não pode ser fantasia...Tudo exige sacrifício, dedicação e amor. Temos incentivado as vocações para bons pais e mães de família, assim como para a vocação sacerdotal e religiosa, inspirando nesses corações jovens o desejo do serviço a Deus, dedicando-se assim exclusivamente toda a sua vida, e todo seu empenho para o bem da Igreja. Fui aluno de Dom Bosco... Me ajudou demais. Pobre, sacrificado, mas como uma meta: cuidar dos jovens me motiva atuar no trabalho até hoje”.
Indagado a se manifestar sobre um momento vivido e que considera como um dos mais felizes na vida sacerdotal, o padre recorda: “felicidade completa e total foi quando completei 80 anos de vida. Fui com uma delegação de 44 pessoas para visitar a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida do Norte-SP. Foram 22 pessoas da histórica Vila Bela da Santíssima Trindade, e outras 22 da Comunidade Santa Clara do Monte Cristo (Ponta do Aterro). Momento de pura emoção e devoção, de agradecimento também pelo dom da vida! ”
Sobre o papel da família, o sacerdote lembra, que o santo Papa trabalha enfocando as famílias na sua preocupação com o sínodo. As famílias devem seguir o Ícone São José, Nossa Senhora e o Menino Jesus, a exemplo da Família de Nazaré. Essa família compromissada que tem a missão de cuidar especialmente da juventude pra que ela possa encontrar o seu verdadeiro caminho de fé, retidão, sabedoria, amor e vida!
Festa dos 60 anos....
O religioso, em que pese os seus 87 anos de vida, gosta de festa...ele já contactou com a direção da paróquia Sagrado Coração de Jesus, em São Paulo, na tentativa de reunir os últimos colegas de batina que ainda restam, dos tempos do seminário, para um inesquecível encontro, talvez, o último dessa geração de padres.
Padre Geraldo recorda que foram ordenados um total de trinta e quatro...pelo seu cálculo “restam uns quinze talvez”. Ansioso, ele espera uma manifestação da direção paroquial onde recebeu a ordenação, para se organizar. Rever os antigos companheiros daquele santo dia que receberam a missão de propagar o Evangelho, é tudo que o nosso homenageado gostaria de viver nesse histórico sexagenário de vida sacerdotal.
Padre Geraldo, o senhor é feliz?
“Se tem um padre feliz, esse padre sou eu! Todo instante agradeço ao Deus Pai. Nunca perdi meus objetivos. Em dez anos na fronteira, enfrentando toda dificuldade, falta de estrutura, quase que isolado, nunca perdi minha fé! Sempre tive foco e objetivo. Meus projetos são sempre pra frente! Tenho sonhos e metas! Nunca vou ser um velho que tenha tempo pra ruminar...Meu tempo eu ocupo muito bem e agradeço a Deus por ter me dado todo esse amor! ”.
“Deus tem me dado uma vida especial. Tenho saúde, acredito que Deus deve ter algum desejo para que eu ainda possa realizar como padre. Esse desejo eu sinto...tenho que reativar o seminário” ...
O religioso segue firme e determinado em cumprir mais esta missão. Talvez a última, pois conforme ele mesmo sente, “não tenho mais muito tempo para esperar, os anos estão aí e foram por mim muito bem vividos”.
Ele revela que acorda nas madrugadas, e agradece por ter o sacrário e o Santíssimo praticamente “embaixo da cama”... é só descer a escada e rezar o rosário aos pés de Jesus clamando essa graça: reativar o seminário...ver jovens surgindo para a vida religiosa; não posso fugir a esta missão”...
Ao concluir a entrevista com o padre Geraldo, impressionados ficamos pela maneira com que ele alimenta sonhos e ideais. Pelo visto os seus 87 anos de vida não pesam aos seus ombros, pois a sua decisão e vontade são enormes em continuar com o trabalho e dedicação em prol da messe. Assim sendo, ele absorve completamente o pensamento do líder religioso da Canção Nova, padre Léo:
“Buscar as coisas do alto. Não podemos ter medo de sonhar com grandes ideais. Triste de quem se acomoda e se apequena com reduzidos propósitos. A vida é feita de grandes projetos. O ser humano é chamado para grandes ideais. Os grandes sonhos nos dão força para superarmos os pequenos e grandes obstáculos”.
Antonio Costa
Jornalista
Uma Vida de Fé e Missão!
“O homem não é senão um caniço.
O mais fraco da natureza, mas um
caniço pensante.”
(Blaise Pascal – 1623-1662)
A história que contarei foi literalmente ‘costurada’ pelos pais, alfaiate e costureira, desse jovem senhor de 87 anos, que anda pelas ruas calçadas e de chão batido desta cidade bicentenária, Cáceres, como se fosse um azougue.
Todas as vezes que o vejo, lembro-me dessa frase citada acima, desse pensador francês. Cai como uma luva no jeito peculiar desse homem sábio, generoso, e de conversa muito rápida e cheia de informações. Aliás, conversar com ele, é viajar na história da nossa região e outros lugares por onde passou.
O seu andar serelepe, com passos firmes, nos mostra um homem de fé experimentada e alimentada com a Eucaristia total do Cristo Ressuscitado. Aprendeu todas as lições, a da Cruz, da Estrela de Belém e do Túmulo escancarado, mostrando a Maria Madalena, a verdadeira face do Deus da Vida e do Amor.
O Pe. Geraldo José dos Santos, nascido e criado sob os cuidados de Anna Luiza e Joaquim, seus pais, depois teve a sua vida modelada pelos ensinamentos de Dom Bosco, na escola Salesiana em Corumbá, onde fez o primário; depois o Seminário onde hoje está localizada a belíssima Igreja do Bom Despacho, no centro de Cuiabá.
Passaram-se os anos, e o padre esmerou-se na área da educação, da catequese, das visitas às famílias, da solidariedade e da oração, confirmando mais e mais aquela vocação à qual fora chamado ainda menino.
A saudade um dia bateu forte, e o cuidado com a mãe, bastante idosa, o Pe. Geraldo resolve voltar para a cidade onde nasceu. Depois de conversas e esclarecimentos, ele consegue com o bispo a sua transferência para a diocese de Cáceres e se desliga da Congregação Salesiana.
Homem de gênio e sabedoria fortes e um pouco teimoso, vai para a Ponta do Aterro, na divisa do Brasil com a Bolívia, onde cria a comunidade Santa Clara, e mora por lá mais de oito anos. Resolve com mais de oitenta anos aprender inglês e, teimosamente e determinadamente assim o faz. E se exibe, rezando Pai Nosso, Ave Maria e outras orações, na língua de Shakespeare.
Sempre que o vejo, peço a Deus, que quando eu crescer, quero ser como ele: firme, sábio, com saúde de ferro e cheio de fé.
Este é o querido irmão Pe. Geraldo José dos Santos. Um homem que, aos 60 anos de sacerdócio, busca sempre mais a santidade.
Pe. Edson Luiz Dias Cardoso
Paróquia Cristo Trabalhador