“A parte que ignoramos é muito maior que tudo quanto sabemos”, disse Platão há mais de dois milênios. Portanto, conscientizar-se acerca daquilo que se ignora é o primeiro passo para o aprendizado. A arte de escutar (e aprender), recordando o Dalai-Lama “é como uma luz que dissipa a escuridão da ignorância”.
Talvez, calha a pergunta nessa altura: seria pedir muito aos críticos das escolas cívicas e militares que estejam dispostos a conhecer e aprender, antes de julgar? Ou, seria a “crítica” mera consequência da ideologia que antecede qualquer posicionamento, e orienta, a despeito dos fatos, o que presta e o que não presta?
Questionamentos à parte, vamos aos dados objetivos sobretudo: no ano de 2019, conforme o “índice de Desenvolvimento da Educação Básica” (Ideb), entre as 10 melhores colocadas no ranking das escolas estaduais de Mato Grosso, quatro foram militares. Proporcionalmente esse dado, por si só, é extremamente exitoso se considerarmos a quantidade de escolas militares no universo das demais. As escolas militares (e congêneres) conquistaram notas bem acima da meta estadual e nacional, que foi de 4,2 e 4,6 respectivamente. A melhor colocada foi a “EE da Polícia Militar Tiradentes Cabo Israel Wesley Prado de Almeida”, do município de Juara, que conquistou nota 6,2. Em seguida vem a “EE da Polícia Militar Tiradentes Cabo Antônio Dilceu da Silva Amaral”, de Sorriso, com nota 5,2. A “EE da PM Coronel Celso Henrique Souza Barbosa”, do município de Nova Mutum, teve a terceira melhor nota na etapa do Ensino Médio, com 5,1. A quinta melhor nota ficou a “EE da PM Cabo José Martins de Souza”, de Confresa, com 4,9. Se os críticos da gestão militar (entenda-se sempre aqui: gestão democrática compartilhada) das escolas de Mato Grosso ao menos observassem esses números iriam corar de vergonha ante qualquer crítica sobre desempenho e finalidade da escola, que, para ficarmos com o óbvio, é escolarizar.
Esse desconhecimento acerca do desempenho das escolas sob gestão militar sucede a um desconhecimento mais fundamental, primário, a saber, o desconhecimento acerca da competência pedagógica do agente de segurança pública e do seu caráter de promotor de cidadania. Aspectos indissociáveis em todos os currículos da Polícia Militar de Mato Grosso.
Para ilustrar essa ignorância cito o seguinte trecho extraído de uma tese de doutorado, que dei-me ao trabalho de pesquisar, na área de educação defendida em 2012,
que segue: “(...) os direitos humanos não fazem parte da formação policial, que tem por competência atuar em situações de repressão, muitas vezes agindo de forma desrespeitosa, intolerante e preconceituosamente” (p. 96). (Disponível em: http://biblioteca.asav.org.br/vinculos/tede/MariadoHortoTiellet.pdf).
Essa pérola do pensamento antipolícia saiu da pena da professora Maria Tiellet, a mesma que assina o texto, agora em 2020, “Escola pública militarizada: o que se deve saber”. Nele, a professora apenas encaminha os desdobramentos da visão de mundo contida em sua tese anos atrás, que resumo aqui (com o prejuízo da síntese) em duas frases, a primeira: a polícia é um aparelho de controle social que reforça a exclusão e amplia a violência; consequência lógica, caso a professora esteja certa, de não ter os direitos humanos na formação do policial. E a segunda: A escola é o local onde se dá, por princípio, o “processo formativo de valores e atitudes” (p.92, da tese referida).
Seja na concepção acerca da polícia quanto da escola, o desconhecimento e a abertura ao saber que impedem o vaticínio pré-conceituoso, imperam na visão da professora. Pois, para conhecimento da insigne doutora, nem “os direitos humanos não fazem parte da formação policial” como, tampouco, é a escola a instituição que está (“por princípio”) acima dos pais na responsabilidade, e dever, de impregnar valores e atitudes nas crianças, tranformando-as assim em seres humanos plenos. Ou seja, tanto os direitos humanos são a coluna cervical da formação policial em todos os cursos de formação e progressão de carreira da PMMT, enquanto disciplina e transversalmente, quanto os pais, ainda, detém o poder familiar (antigo pátrio poder) para educar.
Se por um lado, transborda o reles preconceito sobre as ações da polícia para além do papel repressivo, sobeja, por outro, aquilo que aludi logo no primeiro parágrafo: a ideologia guiando a realidade dos fatos. Assim, o que devemos saber sobre a escola pública “militarizada” pode ser tudo, menos o que escreveu a professora Maria Tiellet (em tinta vermelha). Com essa introdução encaminhada, tentarei por luz no texto da doutora, e à maneira da bela imagem do Dalai-Lama: “dissipar as trevas da ignorância”.
O texto da professora contém um rosário de mal-entendidos sobre o que vem a ser uma gestão militarizada na escola ou modelos cívico-militares. A sucessão de perguntas lançadas em seu texto presta-se mais à retórica da militante do que à informação esclarecida ao leitor, que se espera duma educadora.
Em primeiro lugar porque o único prejuízo que os futuros estudantes de qualquer escola pública em Cáceres que venha a adotar gestão militarizada (ou outro modelo
congênere) é o salto qualitativo no Ideb. Isso implica, em regra, ampliação de acesso no sistema universitário e consequentemente no mercado de trabalho, culminando, dessa forma, em aumento no desenvolvimento humano; ganha o cidadão e a sociedade.
Para ser direto: a única coisa a ser perdida com a não implantação desse modelo em Cáceres é a chance de centenas de crianças terem um futuro melhor. É preciso ser claro nessas horas: pais querem a melhor educação aos seus filhos. Pais, dignos dessa responsabilidade, querem que seus filhos adquiram meios honestos para vencer na vida, simples assim. Isso se dá, com disciplina, ordem, respeito à docência e competência escolar medida através do desempenho. Nisso, as escolas sob gestão militar são o que há de melhor no Brasil. Não é discurso pessoal: são os dados. E eles não revelam nenhuma fórmula mágica dos militares nessa tarefa tão complexa (a de gerir formação) que realizam há no mínimo três séculos, pois não há, de sorte que os dados apenas desnudam a grande dificuldade que o modelo público atual tem para entregar educação de qualidade — quando o faz.
Fracassa, boa parte das escolas atualmente, em promover um espaço seguro aos alunos, de modo que possam desenvolver competência cognitiva. Ademais, por essa dificuldade em promover competência escolar, é que a cada 10 brasileiros, 03 não conseguem resolver operações básicas que envolvam, por exemplo, o total de uma compra, o cálculo do troco ou valor de prestações sem juros quando vão ao supermercado. Intepretar um texto? Uma impossibilidade diz o Inaf (Índice Nacional de Analfaebtismo Funcional) que remonta a quase 30% da população adulta o alcance do analfabetismo funcional. Calar-se perante esse fato é negar um direito humano às nossas crianças. Defenestrar com falácias as escolas públicas que privilegiam sim estratos mais pobres da sociedade (diferente do que aduz a professora), e que adotam a gestão militar, beira a insensatez. Mas, sigamos.
Uma das perguntas da professora é essa: “(...) o que precisa ser desvendado nesses modelos que implodem o sistema público de ensino laico, gratuito e para todos?”. Veja como a ideologia lhe veda os olhos: pois, em primeiro lugar, as escolas sob gestão militar não deixam de ser públicas, gratuitas e laicas. Reitero: públicas, gratuitas e laicas — qualquer argumento em contrário fere a verdade dos fatos. A segunda questão, digna de nota, levantada pela professora é esta “Compreendo que os militares da PM e do exército nada entendem de educação, em tese são especialistas em segurança e guerra. Porque a população deveria confiar a educação de seus filhos à PM e ao
exército?”. A pergunta, encharcada de desdém, guarda tanto desconhecimento que é preciso ser didático na resposta: a) as universidades no Brasil foram antecedidas pelas academias militares que durante os primeiros séculos formaram os profissionais de nível superior (ou universitário); falar, portanto, que os militares não entendem nada de educação é esquecer que boa parte das polícias possuem, ao menos, uma Instituição de Ensino Superior, por simples equivalência legal ao sistema civil (art. 83 LDB), e aqui poderia citar da Academia Militar das Agulhas Negras (Exército) às Academias de Polícia dos Estados; b) Porque [SIC] a população deveria confiar a educação de seus filhos à PM e ao exército? A resposta aqui é óbvia: porque funciona, mas principalmente, porque essa mesma população clama por educação de qualidade; clama por uma escola onde seus filhos não irão ser assediados por traficantes ou onde professores serão agredidos ao tentar trabalhar — longe aqui de generalizar estes fatos, é preciso registrar episódios lamentáveis que têm se avolumado no espaço escolar brasileiro, e que são, em regra, inverificáveis sob gestão militar.
Outros pontos importantes que foram suscitados pela professora são os seguintes: “Os militares irão substituir os professores?” Evidentemente, não. Os componentes curriculares e as respectivas disciplinas ficarão a cargo dos professores civis. Os militares dão suporte e retaguarda ao trabalho dos professores. Os militares visam, de fato, fortalecer o trabalho docente, conferindo o respeito devido ao profissional. Longe de substituir, os militares honram os docentes. “Os miltares terão um ‘plus’ no soldo ao assumirem essas escolas?” Evidentemente, não. Não há nenhuma previsão legal para tal. Pergunta-se, ainda, “a escola é que produz a violência?” Não. Mas, infelizmente em muitos locais há forte penetração de gangues e do crime organizado, apesar do incansável trabalho policial na repressão, transformando assim o que era propício à liberdade, uma fonte de medo.
Em mais uma ou duas questões, a professora sentencia, em linhas gerais, que o desempenho escolar não pode ser o mote para adoção do modelo militar... Mas me pergunto, pasmo, e o que seria então? Seriam as “brincadeiras inocentes” transmitidas on line nas redes sociais onde jovens fazem da sala de aula um palco da desordem? Ou seria a reserva de mercado ideológico, onde o catecismo esquerdista busca formar “atores políticos”, “engajados” na luta social, ao invés de homens e mulheres proficientes em conteúdo escolar?
Por fim, alega-se “desvio da missão” das polícias o estar nas escolas, mais até, conduzir a gestão das escolas. Aqui cabe uma explicação elementar: Educação é a
prevenção mais importante num sistema de segurança pública. Se a professora olhar de relance a Constituição, no seu art. 144, verá quem é um dos principais responsáveis por ela, daí, unir os pontos “Escola-Polícia” não será tão difícil. Há, ainda, no texto da professora uma referência à “ameaça” que as escolas militarizadas representam às escolas do sistema público. Primeiro, não há ameaça alguma considerando que ambos modelos são públicos. Dois, quem não se lembra do discurso do medo como maneira de mistificar a realidade...
Quanto ao modelo a ser implementado e a distribuição dos recursos devidos, resta indispensável a necessidade de diálogo aberto e público entre todos os lados — sem pré-conceitos e mistificações. A escola sob gestão militar, compartilhada, cívico-militar etc. talvez não seja a panaceia que irá resolver o problema da educação brasileira, provalvemente, não é; porém, é uma das saídas mais exitosas deste século no Brasil. É preciso, finalmente e com humildade, dar razão a Platão prestando uma continência ao desconhecido.
Gabriel Leal, Tenente-Coronel da PMMT. Bacharel em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar Costa Verde- PMMT. Mestre (UFMT), Doutor (PUC/SP) e Pós-Doutor (UFMT) em Educação.