Veja a decisão que reprova as contas de campanha do prefeito eleito de Cáceres
Por Diário de Cáceres
04/12/2012 - 19:48
PROCESSO N.º 373-81.2012.611.0006
REQUERENTE: FRANCIS MARIS CRUZ
ADVOGADO: JOSÉ RENATO DE OLIVEIRA SILVA (OAB/MT 6557), PATRÍCIA JORGE DA CUNHA VIANA DANTAS (OAB/MT 8014), SÍLVIO QUEIROZ TELES (OAB/MT 10.440), HAMILTON LOBO MENDES FILHO (OAB/MT 10.791), LUIZ EMÍDIO DANTAS JÚNIOR (OAB/MT 7.400) e SUELLEYN DE OLIVEIRA PAINS (OAB/MT 15.753)
Vistos, etc.
O Candidato Francis Maris Cruz apresentou sua Prestação de Contas relativa à arrecadação e aplicação de recursos financeiros para a campanha das Eleições de 2012.
Às fls. 217/220, consta o relatório preliminar de diligências.
Nas fls. 222/417, veio a manifestação e documentos juntados pelo candidato.
No Relatório Final de Exame, restaram verificadas algumas impropriedades, bem como irregularidades de natureza grave (fls. 418/422).
Instado a se manifestar, o candidato apresentou a manifestação, retificadora e documentos de fls.425/445.
Em fls. 447/451, o Analista do Juízo ratificou o relatório anteriormente expedido.
Na sequência, os autos foram com vistas ao Ministério Publico Eleitoral, que se manifestou pela reprovação das contas.
É o relatório. Decido.
Extrai-se do exame criterioso dos autos, bem como da documentação acostada, assim como do movimento fiscal, a conclusão de que não foi observado o disposto na Resolução TSE n.º 23.376 e na Lei n.º 9.504/97.
Nesse sentido, a Lei 9.504/97, com a redação dada pela Lei 12.034/2009, ao dispor sobre arrecadação e aplicação de recursos nas campanhas eleitorais, assim como acerca da prestação de contas de candidatos e comitês financeiros, estabelece, em seu art. 30:
Art. 30. A Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas de campanha, decidindo:
I - pela aprovação, quando estiverem regulares;
II - pela aprovação com ressalvas, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade;
III - pela desaprovação, quando verificadas falhas que lhes comprometam a regularidade;
IV - pela não prestação, quando não apresentadas as contas após a notificação emitida pela Justiça Eleitoral, na qual constará a obrigação expressa de prestar as suas contas, no prazo de setenta e duas horas. (grifei)
Ocorre que, da análise dos autos, foi observado que inúmeras despesas foram pagas em espécie, com valores superiores a R$ 300,00 (trezentos reais), o que contraria o disposto no art. 30, §1º, da Res. TSE 23.376/2011.
Conforme muito bem lembrado pelo digno Promotor Eleitoral, dezenas dos pagamentos relacionados nos relatórios de despesas efetuadas utilizam o mesmo número de cheque e recibo, fato este que evidencia a utilização do expediente chamado de “cheque guarda-chuva”.
Nesse sentido, consta do relatório de despesas efetuadas (fls. 242/386) um número bastante expressivo de pagamentos, dos quais, 461 (quatrocentos e sessenta e um) foram realizados de forma irregular, em espécie. Para tanto, o candidato utilizou-se de três saques em conta corrente, através do desconto dos seguintes cheques:
Ø Em 05/09/2012, foi sacado o cheque n.º 009287, no valor de 63.695,98 (sessenta e três mil seiscentos e noventa e cinco reais e noventa e oito centavos);
Ø Já em 19/09/2012, foi utilizado o cheque n.º 009288, emitido no valor de 7.021,63 (sete mil e vinte um reais e sessenta e três centavos);
Ø Por derradeiro, em 05/10/2012, às vésperas das Eleições, foi sacada a cártula de nº 012943, no valor de R$ 14.190,00 (quatorze mil cento e noventa reais).
A somatória dessas despesas chegou a vultosa quantia de R$ 84.907,61 (oitenta e quatro mil, novecentos e sete reais e sessenta e um centavos), o que representa aproximadamente 30% (trinta por cento) do financeiro da campanha.
Nesse diapasão, é de se esclarecer que em se tratando de despesas de pequena monta, seria até razoável e proporcional a aprovação das contas com ressalvas, entretanto, nas despesas de grande vulto, é inaceitável a utilização de tal expediente, conforme pode ser observado pelo seguinte julgado:
RECURSO – PRESTAÇÃO DE CONTAS – ELEIÇÕES 2008 – DESAPROVAÇÃO – RASURA EM RECIBOS ELEITORAIS – NÃO APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO IDÔNEOS A RATIFICAR A ORIGEM DOS RECURSOS – NÃO RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS – DESCONTO NA BOCA DO CAIXA DE CHEQUE ÚNICO PARA PAGAMENTO DE PESSOAL – EXCEÇÃO LIMITADA A VALOR DE PEQUENA MONTA – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. (...)
(...)
2. É possível que o candidato realize com um único cheque vários pagamentos de despesa com pessoal, porém, tal exceção deve limitar-se a cheques de pequena monta, não agasalhando o uso desse tipo de título de crédito com valor vultoso para o pagamento de centenas de pessoas.” (TRE-MT – RE 1401 – Cuiabá/MT – Acórdão 18658 – Rel. Des. Rui Ramos Ribeiro – DEJE 568, de 21/12/2010).
Não fosse apenas isso, com essa conduta, o candidato igualmente não respeitou à regra do Fundo de Caixa, estatuída pelo art. 30, §2º, com limites estabelecidos pela alínea “b”, todos da Res. 23.376, consoante pode ser a seguir observado:
“Art. 30. São gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados (Lei nº 9.504/97, art. 26):
§ 1º Os gastos eleitorais de natureza financeira só poderão ser efetuados por meio de cheque nominal ou transferência bancária, ressalvadas as despesas de pequeno valor previstas nos §§ 2º e 3º.
§ 2º Para o pagamento de despesas de pequeno valor, poderão o candidato, o comitê financeiro e o partido político constituir reserva individual rotativa em dinheiro (Fundo de Caixa), por todo o período da
campanha eleitoral, observado o trânsito prévio desses recursos na conta bancária específica, devendo ser mantida a documentação correspondente para fins de fiscalização, e respeitados os seguintes critérios:
a) nos Municípios com até 40.000 (quarenta mil) eleitores o montante da reserva deverá ser de até R$ 5.000,00 (cinco mil reais);
b) nos Municípios com mais de 40.000 (quarenta mil) até 100.000 (cem mil) eleitores o montante da reserva deverá ser de até R$ 10.000,00 (dez mil reais);
(...)” (destaquei e grifei)
Ora, o limite para os gastos em espécie foram fixados em 10.000,00 (dez mil reais), sendo que a quantia movimentada superou em quase 09 (nove) vezes o limite legal.
Como se vê, a justificativa apresentada pelo candidato, no sentido de que poucas despesas não teriam observado a regra do fundo de caixa, não prospera.
Por outro espeque, a falta de talonário alegada não se presta para justificar a conduta irregular, isto porque, conforme informado pelo próprio candidato, a conta bancária foi aberta em 19/07/2012, não sendo plausível que durante todo esse período não fossem providenciados os formulários suficientes para o pagamentos das despesas de campanha.
Todavia, observo que o mais grave é a ausência de qualquer documentação que permita a aferição, por parte desta especializada, do emprego das quantias sacadas em espécie. Ocorre que o candidato não apresentou documentos que comprovem a efetiva realização dos pagamentos de despesa com pessoal, não comprovando, portanto, o destino do dinheiro.
A bem da verdade, conforme muito bem explicitado na manifestação ministerial, não há nos autos prova alguma, sequer da existência dos vínculos relacionados no relatório de despesas, pois não há nenhum recibo de pagamento de despesas com pessoal.
Ocorre que, em situação semelhante, o TRE-MT decidiu pela não aprovação das contas, ou seja, quando o quadro contábil não tornou possível a aferição da regularidade do emprego dos recurso utilizados, conforme se vê adiante:
RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÕES DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES 2008. ARRECADAÇÃO SEM AMPARO EM RECIBO ELEITORAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO POR MEIO DE OUTRO DOCUMENTO IDÔNEO, AINDA QUE JUNTADO NA FASE RECURSAL. AUSÊNCIA DE QUALQUER PREJUÍZO AOS SUJEITOS PROCESSUAIS, AINDA QUE CONSIDERADO O CARÁTER JURISDICIONAL DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ARRECADAÇÕES REALIZADAS APÓS O PLEITO. EXCEPCIONAL AUTORIZAÇÃO NA RESOLUÇÃO DE REGÊNCIA. HIPÓTESE EM QUE OS RECIBOS ENTREGUES EM BRANCO DEVEM SER RESTITUÍDOS AO PRESTADOR. INCOMPATIBILIDADE DAS DECLARAÇÕES COM A DOCUMENTAÇÃO DEPOSITADA EM JUÍZO. CHEQUES EMITIDOS NÃO CORRESPONDENTES AOS RECIBOS ENTREGUES PELOS PRESTADORES DE SERVIÇO. IRREGULARIDADE NÃO SANADA. REPROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO DO RECURSO.
(...)
6. Inexistindo correlação dos cheques emitidos para pagamento de pessoal com as despesas de fiscalização e apuração da votação, fica comprometida a regularidade das contas, impondo-se sua reprovação. (TRE-MT. CUIABÁ/MT - RE - Recurso Eleitoral nº 1584 - Acórdão nº 20093 de 30/11/2010
Publicação: DEJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Tomo 796, Data 08/12/2010, Página 1-2)
É de se registrar que as decisões colacionadas na própria manifestação do candidato (fls. 425/435), as quais julgaram como regulares as contas que utilizaram o expediente denominado cheque guarda-chuva estabelecem uma condição, qual seja, a necessidade de comprovar, materialmente, os pagamentos:
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. ELEIÇÕES 2010. EMISSÃO DE CHEQUE INDIVIDUAL PARA PAGAMENTODE MAIS DE UMA DESPESA - CHEQUE "GUARDA-CHUVA" - IRREGULARIDADE NÃO CONFIGURADA - PRECEDENTES DESTA CORTE - CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS.
É possível o pagamento de várias despesas com cabos eleitorais com um único cheque quando o quadro contábil da prestação de contas do candidato permite também a aferição da regularidade dos recursos arrecadados, o seu trânsito pela conta bancária respectiva e o seu emprego nas despesas apresentadas documentalmente, notadamente quando a instituição bancária impõe limite de expedição de cheques (TRE-MT - PC - Prestação de Contas nº 536659 - Cuiabá/MT - Acórdão nº 20750 de 20/10/2011 - Relator(a) SAMUEL FRANCO DALIA JUNIOR - Publicação: DEJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Tomo 1006, Data 03/11/2011, Página 1 a 7). (grifei e destaquei)
Assim, a contrario sensu, é de se exigir a comprovação documental das despesas, sob pena de desaprovação das contas.
Somando-se a todo esse quadro de irregularidades, ainda cito algumas impropriedades que, sozinhas, não levariam à desaprovação destas contas, mas que somadas àquelas, robustece o exame meritório e conduz à desaprovação desta contas, sendo a omissão de informação de doações nas contas parciais; a divergência de dados de fornecedores e a não apresentação de retificadora, quando necessário.
Sendo assim, concluo que o candidato incorreu em impropriedades e irregularidades que, somadas, comprometem as contas de campanha.
Após análise detida dos autos, constato que existem falhas na prestação de contas apresentadas, que comprometem a regularidade das contas sob análise, nos termos do art. 30, inciso III, da Lei n. 9.504/1997 c/c art. 51, inciso III, da Resolução TSE n. 23.376/2012.
Ante o exposto, acolho a promoção ministerial, e, por conseqüência, decido pela DESAPROVAÇÃO das contas do candidato a Prefeito FRANCIS MARIS CRUZ, referente às Eleições Municipais de 2012, fazendo-o com fulcro no artigo 51, inciso III, da Resolução TSE nº 23.376/2011
Registre-se. Publique-se. Intime-se.
Ciência ao ilustre representante do Ministério Público Eleitoral, devendo ser remetida cópia integral destes autos ao referido órgão, conforme requerido em sua manifestação.
Cáceres-MT, 04 de dezembro de 2012.
GERALDO FERNANDES FIDELIS NETO
Juiz da 06ª Zona Eleitoral