A Justiça suspendeu o aumento, considerado abusivo, da tarifa de água, aplicado pela Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento do Estado de Mato Grosso (ARIS) e a prefeitura de Cáceres, através da autarquia Águas do Pantanal. O reajuste de acordo com a decisão carece de transparência e autorização legislativa específica, conforme exigido pela Lei Orgânica Municipal.
A decisão é da juíza Henrique Fernanda C. A. F. Lima. Ela se manifestou favorável a Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público (MP) por iniciativa do vereador Pacheco Cabeleireiro, julgando improcedente o aumento de 29.60%. Uma das alegações é de que o reajuste somado aos aumentos anteriores nos anos de 2019 e 2022 perfaz uma acúmulo de 86,03% em um período de 6 anos.
O argumento apresentado pela ARIS e a prefeitura, através da Autarquia Águas do Pantanal, de que o aumento da tarifa seria para manter e qualidade dos serviços e, sobretudo, a necessidade por não haver ajustado o valor há dois anos, não prosperaram. No entendimento do MP, o acréscimo compromete o acesso da população carente a um serviço essencial à dignidade da pessoa humana.
A juíza determina que “as partes requeridas se abstenham de realizar cobranças com base na nova tarifa, devendo aplicar os valores anteriores, e, caso já efetuadas, que procedam ao refaturamento dos débitos conforme a tabela anterior, sob pena de multa diária”. Em caso de descumprimento fica fixado quantum de R$ 500,00, impondo o limite de R$ 20 mil.
Autor da ação, o vereador Pacheco Cabeleireiro diz que “a decisão judicial suspendendo a cobrança considerada abusiva é uma vitória da população porque corrige uma injustiça que estava sendo praticada, principalmente, contra as famílias, mais humildes que estariam se sacrificando para ter acesso a um serviço básico para sobrevivência humana que é a água”
Abaixo a íntegra da decisão.
Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MATO GROSSO em face de AGENCIA REGULADORA INTERMUNICIPAL DE SANEAMENTO DO ESTADO DE MATO GROSSO-ARIS-MT, SERVICO DE SANEAMENTO AMBIENTAL AGUAS DO PANTANAL e MUNICÍPIO DE CÁCERES, visando à suspensão imediata dos efeitos do reajuste tarifário de 29,6% autorizado por meio da Resolução ARIS-MT nº 041/2025, incidente sobre os serviços de abastecimento de água prestados no município.
O Ministério Público alega, em síntese, que o referido reajuste, somado a aumentos anteriores ocorridos nos anos de 2019 e 2022, perfaz um acumulado de 86,03% em um período de seis anos.
Tal acréscimo tarifário, segundo a inicial, representa violação ao princípio da modicidade e compromete o acesso da população carente a um serviço essencial à dignidade da pessoa humana.
Sustenta, ainda, que o processo de aprovação do reajuste careceu de efetiva transparência, participação social e controle institucional, especialmente no que se refere à ausência de autorização legislativa específica, conforme exigido pela Lei
Orgânica Municipal e pela legislação local que regula os serviços públicos delegados. O Ministério Público defende que a ARIS/MT, ao aprovar unilateralmente o reajuste, extrapolou os limites da delegação outorgada pela Lei Municipal nº 2.750/2019, configurando vício de legalidade formal.
Inicialmente, este Juízo determinou a notificação das partes requeridas para manifestarem acerca do pedido liminar (Id. 194411800). Intimados, a segunda requerida, requereu dilação de prazo para manifestação, ocasião em que informou que juntaria documentos que seriam indispensáveis para o deslinde da ação (Id. 194962747).
Após, este Juízo determinou a dilação de prazo nos moldes requeridos acima (Id. 195227599). No prazo concedido, a parte requerida manifestou pelo indeferimento da concessão da liminar, além de arguir outras teses inerentes a defesa meritória (Id. 197123224).
Em tempo, tanto o Município de Cáceres quanto a requerida Serviço de Saneamento Águas do Pantanal, também apresentaram manifestações contrárias ao deferimento da liminar (Id. 196497024 e 197441010).
Vieram os autos conclusos.
É o resumo do necessário. Fundamento e decido.
RECEBO a petição inicial, nos termos do art. 319 e seguintes do Código de Processo Civil. Pois bem. Para a concessão da almejada tutela de urgência, necessário se faz presença simultânea de seus requisitos previstos no art. 300, do CPC/2015, quais sejam, fumus boni iuris e o periculum in mora. Vejamos: “Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.
Ainda, em se tratando na medida liminar consistente em obrigação de fazer ou não fazer, há de se observar os ditames estabelecidos no art. 497 do mesmo códex, vejamos:
Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.
No caso em comento, conforme relatado, a pretensão posta na inicial em sede de tutela de urgência diz respeito a possível abusividade no aumento tarifário de abastecimento de água aos cidadãos locais ocorrida nos últimos anos.
Na ocasião, alega a parte autora que o referido reajuste, somado a aumentos anteriores ocorridos nos anos de 2019 e 2022, perfaz um acumulado de 86,03% em um período de seis anos e este acréscimo tarifário representaria violação ao princípio da modicidade e compromete o acesso da população carente a um serviço essencial à dignidade da pessoa humana.
Como forma de exemplificar a situação acima, o representante ministerial ilustrou que se uma pessoa que pagava uma média de R$50,00 (Cinquenta reais) no ano de 2018, no presente ano ela pagaria o equivalente a R$105,66 (Cento e cinco reais e sessenta e seis centavos), ou seja, mais que o dobro de um reajuste nos últimos seis anos.
Sobre a temática de reajustes tarifários da natureza posta neste processo, o marco legal do saneamento, em seu art. 21 foi categórico em reconhecer que os reajustes tarifários dever-se-iam observar além das normativas legais e constitucionais vigentes, princípios jurídicos básicos da transparência e do equilíbrio econômico-financeiro, devendo as agências reguladoras e os prestadores de serviço justificar adequadamente os percentuais aplicados e possibilitar ampla participação social. Vejamos:
Art. 21. A função de regulação, desempenhada por entidade de natureza autárquica dotada de independência decisória e autonomia administrativa, orçamentária e financeira, atenderá aos princípios de transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões. (Redação dada pela Lei nº 14.026, de 2020)
IV – definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico financeiro dos contratos quanto a modicidade tarifária, por mecanismos que gerem eficiência e eficácia dos serviços e que permitam o compartilhamento dos ganhos de produtividade com os usuários. (Redação dada pela Lei nº 14.026, de 2020). (g.n).
Como visto, esse elevado e acumulado reajuste tarifário impacta diretamente o direito fundamental ao acesso à água e ao saneamento básico, assegurado pela Constituição Federal em seu artigo 6º, que reconhece os direitos sociais como direitos fundamentais, e pela Lei nº 11.445/2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, com ênfase na universalização do acesso e na modicidade tarifária.
Estes fatos, somado aos outros argumentos já expostos, permitem concluir que reputa conveniente a concessão da medida liminar para a suspensão dos reajustes firmados, pois além de ficar evidente violações às normativas legais e constitucionais, há outros critérios que remontam aos requisitos da medida liminar que reclamariam na concessão da medida vindicada.
A probabilidade de direito, como primeiro requisito para concessão da medida, estaria evidente pela flagrante ilegalidade da medida, uma vez que o aumento tarifário foi aprovado e aplicado sem a participação formal e ativa do Poder Concedente, em manifesta contrariedade aos artigos 6º, VII; 74, XVIII; 100, “j”; 111, §2º; e 153 da Lei Orgânica Municipal, os quais atribuem ao Município a competência privativa para aprovar, fixar e fiscalizar as tarifas de serviços públicos concedidos.
Além disso, o parágrafo único do artigo 18 da Lei Municipal nº 2.476/2015, que criou a autarquia Águas do Pantanal, determina expressamente que o reajuste de tarifas deve decorrer de projeto de lei de iniciativa exclusiva do Executivo Municipal, com prévio estudo técnico e aprovação da Câmara de Vereadores, o que não ocorreu no caso em análise. A ausência de tal processo legislativo compromete a legalidade e a legitimidade da medida.
Noutro giro, o perigo de dano se consubstancia pela continuidade da cobrança com base no reajuste ilegal onera desproporcionalmente os consumidores, especialmente os de baixa renda. Como demonstrado ao longo da presente decisão, em sete anos, o valor da tarifa de água em Cáceres mais do que dobrou, afetando diretamente o acesso à água e saneamento, direitos fundamentais assegurados pelo artigo 6º da Constituição da República.
In casu, vislumbra-se que ao menos neste Juízo perfunctório estariam presentes hipóteses violados a normativos legais e constitucionais vigentes que somado aos argumentos acima, reclamariam a necessidade da medida liminar.
Assim, tais fatos, somado aos argumentos já elencados, impõe a concessão da medida liminar. Portanto, DEFIRO o pleito liminar da parte requerente, a fim de determinar a suspensão imediata do reajuste tarifário de 29,60% aplicado em 2025 pela ARIS-MT e pela autarquia Águas do Pantanal, diante da violação à legislação municipal (Lei Orgânica do Município de Cáceres e Lei Complementar nº 2.476/2015) e dos princípios da legalidade, modicidade e devido processo legal, além do risco de grave prejuízo ao acesso ao serviço essencial de abastecimento de água.
Como consectário, DETERMINO que as partes requeridas se abstenham de realizar cobranças com base na nova tarifa, devendo aplicar os valores anteriores, e, caso já efetuadas, que procedam ao refaturamento dos débitos conforme a tabela anterior, sob pena de multa diária.
INTIME-SE as requeridas para darem fiel cumprimento a esta decisão. Em caso de descumprimento da presente decisão, FIXO o quantum de R$500,00 (Quinhentos reais) ao dia por descumprimento, impondo o limite de R$20.000,00 (Vinte Mil reais).
CITE-SE a parte requerida no prazo legal, com as advertências de praxe. Transcorrido o prazo acima, vista ao requerente para, querendo, apresente réplica no prazo legal. Após, vista sucessiva às partes para, no prazo de 15 (quinze) dias manifestarem sobre as provas que pretendem produzir.
Em seguida, concluso.
CUMPRA-SE, expedindo o necessário.
Cáceres-MT, datado e assinado digitalmente.
HENRIQUETA FERNANDA C. A. F. LIMA
Juíza de Direito