Há três anos, o casal indígena formado pelas jovens D.S.S. e S.G.B.K.K. não tinham noção do presente que ganhariam em maio de 2025. Com a ajuda da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso (DPEMT) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), elas conseguiram realizar o sonho de adotar uma criança indígena de uma etnia diferente.
Moradoras de Luciara (1.081km de Cuiabá), D.S.S. conta que a mãe biológica da criança a procurou logo no início da gravidez e disse que não tinha interesse de cuidar do filho que estava gerando. Como ela e sua esposa sempre sonharam em adotar uma criança, elas buscaram a ajuda da Funai, afinal, tanto elas quanto a mãe biológica da criança são indígenas, porém de etnias diferentes.
“Quando a genitora veio falar comigo, ela perguntou se eu e minha esposa queríamos cuidar da criança quando ela nascesse. A genitora sempre deixou claro que a preferência dela era por doar o filho para um casal indígena, porque na cultura indígena, quando a mãe não quer o filho ela doa para uma família. Mas conhecendo a lei, nós procuramos a Funai para nos orientar. Foi aí que eles nos orientaram a buscar a Defensoria Pública em São Félix do Araguaia”, conta D.S.S.
No Núcleo da DPEMT em São Félix do Araguaia (1061km de Cuiabá), o casal e a genitora da criança foram atendidas pelo defensor público Robson Guimarães, que conversou com cada família de forma individualizada e com a ajuda da Funai pode explicar de maneira detalhada para cada uma delas como funcionaria cada processo, afinal, seriam duas demandas em separado: um processo de entrega legal proposto pela genitora e um processo de habilitação de adoção movido pelo casal adotante.
“A Funai oficiou a Defensoria dando conta que existia uma jovem indígena querendo fazer entrega legal para adoção e de forma simultânea havia um casal de mulheres indígenas querendo fazer essa adoção. Porém, isso é adoção direta e adoção direta não é permitido por lei. Na adoção deve existir uma fila, um cadastro de adoção, uma pessoa habilitada. Mas neste caso existia uma peculiaridade, era uma criança indígena. Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a adoção de crianças indígenas tem que ser de preferência para outra família indígena”, explica Robson.
O ECA permite que a mãe, gestante ou não, realize a entrega legal do próprio filho, caso este seja o desejo dela. Ao mesmo tempo, o Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que em se tratando de criança indígena ou proveniente de comunidade quilombola é obrigatório que o processo de adoção respeite a identidade social e cultural para que a criança seja adotada por uma família que seja da mesma comunidade, com o objetivo de que ela não perca sua ancestralidade.
“Ao mesmo tempo que fizemos o acompanhamento da genitora, com o processo de entrega legal, nós fizemos o procedimento de habilitação para adoção do casal D.S.S e S.G.B.K.K. Todo o caso chegou para nós quando a gestante já estava com quatro para cinco meses de gestação, então foi um mega desafio, porque precisávamos concluir a habilitação antes do parto”, conta o defensor público.
Durante o processo de entrega legal, o juiz da causa determinou que a equipe de psicólogos e assistentes sociais conversassem com a gestante para saber se ele tinha mesmo interesse em doar a criança. Ao mesmo tempo, familiares diretos da gestante foram consultados e todos concordaram em realizar a entrega do bebê. Um relatório da Funai também foi emitido dando anuência para que a criança fosse entregue para o casal indígena. Tudo culminou na alegria da sentença autorizando a entrega legal do bebê para o casal, que no dia 26 de maio finalmente pode conhecer o filho.
“Quando a genitora foi para o hospital ter o bebê nós ficamos naquela aflição porque não queríamos que o bebê fosse para uma casa de acolhimento. Mas um dia antes, o Dr. Robson conseguiu fazer um pedido para termos a guarda provisória e o juiz já tinha dado a ordem favorável para a guarda provisória. Era 21h quando o Robson nos deu a notícia e ficamos aliviadas. Foi uma emoção muito grande, já chegamos no hospital ansiosas para conhecer o bebê. Ficamos muito gratas com a Defensoria, o Dr. Robson foi uma bênção de Deus na nossa vida. Toda vez que eu mandava mensagem para ele, ele nos respondia, sempre muito atencioso”, conta D.S.S.
Apesar de todos os percalços, Robson Guimarães garante que faria tudo de novo: “Eu me sinto muito honrado por ter participado dessa história. Foi um caso atípico por ser duas etnias indígenas diferentes, um casal adotante formado por duas mulheres, foram várias medidas judiciais, tivemos que provocar o Judiciário várias vezes, mas graças a Deus deu tudo certo. O amor venceu. Para mim é uma gratificação fazer parte dessa história, ajudar para que elas tenham um final feliz”.
Atualmente, o casal está com a guarda provisória da criança e o bebê já está em casa sendo cuidado por elas, momento este chamado de período de convivência. O próximo passo será o processo de adoção em si para garantir que o bebê e o casal façam parte da mesma família de forma definitiva.