A morte de uma criança de 8 anos, esmagada por um caminhão em plena área urbana de Cáceres, não foi acidente. Foi tragédia anunciada – denunciada há anos em ofícios, debates e na lei nº 3.224/2023, sancionada em novembro de 2023, mas nunca cumprida pela Prefeitura.
A batalha do vereador Cézare Pastorello (PT) contra o chamado “trânsito da morte” começou em dezembro de 2021, quando apresentou o Projeto de Lei nº 108/2021, que restringia a circulação de caminhões e carretas dentro da cidade, mas a CCJ entendeu que o vereador não poderia legislar sobre a matéria.
Longe de desistir, Pastorello mudou de estratégia. Em abril de 2023, apresentou a Indicação nº 334/2023, sugerindo à prefeita Eliene Liberato que apresentasse o projeto em nome da gestão. O documento vinha acompanhado da minuta pronta de lei, deixando claro que a solução estava disponível. Um mês depois, a prefeitura respondeu oficialmente que acataria a sugestão e encaminharia a proposta.
Em novembro de 2023, a prefeita sancionou a Lei nº 3.224/2023, fixando prazos terminativos: 90 dias para sinalizar as vias e 180 dias para que as transportadoras se adaptassem. O prazo para a prefeitura se organizar venceu em fevereiro de 2024; o das empresas, em maio. Nada foi feito.
A partir daí, Pastorello intensificou as cobranças. Em junho de 2024, apresentou o Requerimento nº 65/2024, exigindo explicações sobre as providências adotadas para cumprir a lei. Não houve resposta. Na tribuna, o vereador externava sua indignação:
"Eu tô preocupado com a mãe que perdeu o filho. Eu tô preocupado com o filho que perdeu o pai. [...] Eles [os carreteiros] passam aqui economizando uma distância que tá matando nossa gente. A nossa função é proibir! E aí sim, na hora que nós aplicarmos o que está na lei, que é proibição, aí eles vão mexer corpo [...] para ter um anel viário aqui. Isso não pode ser responsabilidade nossa [...] porque nós estamos dando a vida das nossas crianças, nossos idosos, para resolver um problema que não é nosso. Nós temos que cobrar o que tá na lei!"
Com todos os prazos vencidos, cobranças ignoradas e a cidade exposta ao risco, a tragédia voltou a se repetir: uma criança de apenas 8 anos perdeu a vida, justamente por um caminhão que a lei deveria ter retirado do perímetro urbano.
Agora, Pastorello levará a luta para a esfera judicial, pedindo providências ao Ministério Público. Tendo tentado o caminho legislativo, apresentado soluções técnicas, indicado a responsabilidade do Executivo e requerido informações sem resposta, o vereador afirma que a Prefeitura deve ser responsabilizada pela omissão. Do ponto de vista jurídico, o descumprimento de uma lei de segurança viária caracteriza a responsabilidade civil do Município, já que a inércia do poder público criou as condições diretas para a tragédia.
A pergunta que ecoa pela cidade enlutada se torna, então, ainda mais grave: por que a Prefeitura de Cáceres se recusa a aplicar uma lei que salva vidas, proposta com insistência, negociada com os trâmites corretos e sancionada pela própria prefeita? A omissão em fiscalizar o trânsito pesado beneficia diretamente as transportadoras que, ao cortar caminho por dentro da cidade, economizam milhões. A quem a prefeitura realmente serve? Aos cidadãos que a elegeram e que agora enterram seus filhos, ou aos interesses econômicos que lucram a cada dia que a Lei 3.224/2023 é ignorada?