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Mestre Zé - O super-herói de 1 milhão de mudas
Por Hemília Maia
18/12/2025 - 17:06

Seu Zé foi avaliado pela banca composta pelos professores Solange Ikeda (orientadora Unemat/ProfÁgua), Fátima Iocca (examinadora interna Unemat/ProfÁgua) e Fernando Morais (examinador externo UFPB) — Foto: Deivid Fontes

José Aparecido Macedo, aos 74, conclui mestrado na Unemat após 35 anos dedicados à recuperação de nascentes e rios em Mato Grosso

O homem de um milhão de mudas defendeu nesta quarta-feira (17.12) seu mestrado em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos na Unemat, pelo Programa ProfÁgua, em convênio com a Agência Nacional de Águas (ANA), no auditório Edival dos Reis, em Cáceres (MT).

Sua dissertação, intitulada “Práticas e saberes locais: um relato de experiência de 35 anos recuperando nascentes nas bacias hidrográficas dos rios Jauru e Cabaçal- MT”, é um testemunho de vida e pesquisa sob a orientação da professora doutora em Ecologia e Recursos Naturais, Solange Ikeda. Seu Zé, como é carinhosamente chamado, detalhou em seu relato de experiência três décadas e meia de trabalho e observação.


Onde a prática encontra a Ciência - Para a professora Fátima Iocca, membro da banca examinadora, a trajetória de Seu Zé é um divisor de águas para a Unemat. Ela pontua que, enquanto o mundo hoje corre para criar projetos de restauração em resposta às crises climáticas e queimadas, Seu Zé já agia por instinto e consciência há décadas. "Nós trouxemos o Seu José, ele trouxe essa bagagem, nós sistematizamos e, juntos, partilhamos. Isso é o que é chegar ao povo", celebra a professora, reforçando que a formação de José, do Mobral ao Mestrado, é o maior presente que a universidade poderia receber.

 

O plantador incansável, que já colocou na terra mais de um milhão de mudas de árvores, tem uma trajetória de vida notável: formou-se biólogo aos 50 anos e agora, aos 74 anos, se torna mestre em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos. Seu Zé, no entanto, ainda persegue dois grandes projetos: chegar à marca dos dois milhões de mudas plantadas e transformar a Chácara Baru, uma área de 3 hectares em Cáceres (MT), em uma agrofloresta modelo.

 

Missão de Vida

É na Chácara Baru que Seu Zé mantém seu viveiro e conduz sua missão de reflorestar. Adquirida há 11 anos com a intenção de converter o solo degradado em uma área recuperada, hoje ela é um laboratório vivo onde a água brota e a biodiversidade é restaurada.

Atualmente, a área em recuperação já ostenta árvores frutíferas e nativas como pequizeiros, goiabeiras, urucum e cumbaru, além de insetos polinizadores como as abelhas jataí e Europa. Seu Zé relata, com orgulho, que o lugar “está virando mata, produzindo água, já infiltrando no solo. Esse ano a água até represou por um período maior.”

Os segredos do herói pantaneiro de dedo verde residem na adubação verde com material orgânico da própria chácara, no uso de esterco, na correção do solo e na ausência total de agrotóxicos. “As abelhas não podem nem ver veneno. Por causa delas, de outros insetos e microrganismos, que eu roço, ao invés de carpir; assim, a matéria orgânica se decompõe e vira adubo”, explica.

Seu Zé está consciente de que não verá sua agrofloresta em sua plenitude, mas a razão de seu propósito é o legado para as próximas gerações. “Não estou fazendo isso pra mim. Estou com 74 anos. A primeira árvore que plantei eu tinha 30 anos. Hoje ela está adulta, precisa de duas pessoas para abraçar. As áreas que plantei estão em processo de restauração. Para dizer que está recuperada tem que estar conectada com toda a biodiversidade”, pondera.

Nada acontece por acaso

A vida acadêmica do Mestre Zé é marcada por fortes conexões, a começar pelo primeiro encontro com a professora Solange Kimie Ikeda Castrillon. Na ocasião, Seu Zé desenvolvia seu primeiro trabalho de recuperação de nascente às margens do Rio Cabaçal, enquanto Solange Ikeda realizava seus estudos de fitossociologia no mesmo rio, no município Reserva de Cabaçal (MT).

“Naquele tempo eu subia em árvores, era forte, e até ajudei coletando amostras para ela. Mas eu trabalhava de forma empírica, sem conhecimentos. Então, eu disse a ela que queria aprender e perguntei o que ela fazia. Ela me contou que fazia Biologia e eu quis saber o que fazer para ser biólogo também. E foi aí que eu fui fazer Biologia lá em Indiavaí. Eu conheci a estrutura da comunidade vegetal, fiz anatomia, biologia vegetal, aprendi muito com o professor Rodrigo Ferreira de Morais e foi bom demais”, rememora Seu Zé, que também fez história como aluno na IES.

Coincidentemente, Seu Zé teve como professor Fernando Ferreira de Morais, irmão do professor Rodrigo e ex-aluno da professora Solange Ikeda. Juntos, aluno e professor criaram um herbário com mais de 300 espécies na Instituição de Ensino Superior (IES) onde atuavam. Com o diploma de licenciatura em mãos, Seu Zé cursou mais um ano e conquistou também o diploma de bacharel em Biologia. “Eu sou um cara que fez duas monografias para me tornar biólogo”, conta rindo.

Por volta dos anos 2014 e 2015, o Laboratório de Educação Ambiental e Restauração Ecológica (Educare) da Unemat, que desenvolve vários projetos de restauração ecológica, recebeu uma indicação do professor Fernando, hoje na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). “Ele falou de alguém muito bom para plantar, que havia sido seu aluno, mas não tinha me dito o nome. Para minha surpresa, quando ele chegou era o Seu Zé”, relata Solange.

Tempos depois, Seu Zé decidiu aprender mais e, ao ser incentivado pela professora Solange, que o apoiou na elaboração do projeto, tentou o mestrado. Todo o resto já foi contado, exceto pelo fato de que a paixão do pai pelas árvores inspirou o filho, Hugo Rodrigo Macedo, a cursar Engenharia Florestal pela Unemat, em Alta Floresta. Atualmente, Hugo Rodrigo é professor no câmpus onde se formou, perpetuando o legado.

E como chega nessa conta de 1 milhão de mudas?

O Mestre em Geografia e membro do Instituto Gaia, Clovis Vailant, é o responsável pela conta de “mais de um milhão de mudas”, feita em janeiro de 2023. O Instituto Gaia é parceiro da Unemat, por meio do Laboratório Educare, no projeto de Restauração da Biodiversidade, onde Seu José e a professora Solange atuam.

 

Clovis considerou a média de hectares e a média de árvores por hectare nas 120 nascentes, nas 4 voçorocas, nas 60 áreas de reserva legal e nas margens de rios e córregos onde Seu José plantou, além das mudas produzidas pelo viveiro de Araputanga que também foram plantadas.

“Ainda que tenham sido utilizadas várias técnicas como plantio direto e mudas por regeneração conduzida, natural e cercada, totalizamos uma média de 720 mil árvores só nas nascentes, 60 mil nas margens dos rios e córregos, 80 mil nas voçorocas, 60 mil nas áreas de reserva legal que ele ajudou os agricultores a recuperar, mais as 110 mil mudas produzidas pelo viveiro de Araputanga, chegamos a 1.030.000 mudas”, explica Clóvis.

E essa conta não para de crescer, porque Seu Zé também não para. “Eu quero chegar a dois milhões de mudas. O tempo da natureza é diferente do nosso. O tempo do homem é curto. Eu nem gosto de falar que restaurei uma área, porque elas estão no processo de restauração, é um longo caminho, mas uma hora chega lá. Para desmatar basta uma motosserra e num minuto joga tudo no chão, para regenerar são muitos anos”, lamenta Seu Zé.

Super-Herói da Regeneração

O homem que plantou sua 1ª muda de árvore em 1983, que nos últimos 30 anos plantou mais de um milhão de mudas em Mato Grosso e que foi parar no programa de auditório Domingão com Huck, com direito a uma escala em Tuvalu, um país da Polinésia, no Oceano Pacífico, é um super-herói moderno. Ele não usa capa nem voa, mas possui superpoderes capazes de regenerar áreas degradadas e fazer brotar água.

No episódio do Domingão com Huck, da Rede Globo, que foi ao ar no dia 24 de novembro de 2024 (vídeo 16), é possível entender que a sobrevivência de países como Tuvalu, que corre sério risco de desaparecer do mapa em 30 anos devido à elevação dos mares causada pelo aquecimento global, depende de mais super-heróis como o Seu Zé, pelo mundo afora. A previsão é de que Tuvalu, um país que não polui e não contribui para o aquecimento, seja totalmente submerso pelas águas do Pacífico.

 

 

Legenda: Justino, braço direito do Seu Zé na produção de mudas na Chácara Baru
Foto: Abner Miranda

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