Calçadas cegas
Por por Onofre Ribeiro
15/06/2012 - 21:59
Recebi nesta semana um e-mail que me foi enviado por uma amiga, escritora, próxima dos 60 anos, extremamente lúcida sobre as questões sociais e espirituais. Julguei oportuno tratar do seu tema neste artigo e, tomo a liberdade de publicar dois parágrafos da mensagem que me enviou: “Sugiro que você lance um olhar para as calçadas de Cuiabá, e fale algo a respeito para a população, já que políticos não estão nem aí e, ao que parece, menos ainda o governo com a educação do povo nesse quesito”. “Preocupam-me os idosos e deficientes caminhando por essas calçadas tão quebradas e cheias de desníveis. Algumas, intransponíveis. Armadilhas horríveis para tem visão subnormal e perdeu, pela idade, o sentido de profundidade dos buracos. Até mesmo nas calçadas, armadilhas para quebrar as pernas de idosos e danar a vida de cadeirantes e cegos, se vê o descaso de políticos”.
No ano passado, por essa época, participei de um congresso de cidades médias, em Curitiba. São consideradas de porte médio cidades entre 100 e 250 mil habitantes. Lá, levantaram-se questões terrivelmente objetivas e práticas sobre a relação entre as cidades e os seus habitantes. Assuntos como lixo, transporte público e individual, energia, comunicação digital, saneamento muitas outras abordagens, todas endereçadas a um único sujeito: a qualidade de vida dos habitantes.
Voltando ao tema deste artigo, é preciso considerar que mudou profundamente o conceito e a relação das pessoas com as cidades onde moram. Elas querem uma série de itens de qualidade, perfeitamente normais nos dias de hoje, considerando o nível de informação coletiva e os anseios de quem paga tantos impostos. Um deles, entre tantos e tantos, é andar com seguranças nas calçadas. Do contrário, andar de carro pelas cidades pra qualquer locomoção é andar na contramão da tendência de aproveitar bem os recursos naturais, poupar combustíveis, evitar emissões gasosas, reduzir congestionamentos no trânsito, etc.
A tendência é que o transporte individual de bicicleta seja a nova “onda verde”. Ou a pé, para distâncias médias. Mas como as pessoas andarão se as calçadas são, como diz minha amiga, “armadilhas” para quem enxerga pouco, ou para qualquer um que se aventure. Cuidar de temas como calçadas numa cidade moderna, é como cuidar da gestão das praças, dos jardins, das escolas e dos prédios públicos.
Porém, essa visão nova de gestão é grave, porque os gestores públicos municipais gostam de olhar pra cima e ver obras físicas que resultem em votos. Tropeçar na calçada merece uma atenção menor e até desmerece o “tropeçante”: “quem mandou ser cego!”. Pura crueldade. Humanismo é a nova “onda ética” que os valores sociais e éticos estão resgatando apesar da aparência de caos vigente. E cuidar com um olhar de afeto e respeito das pessoas que vivem numa cidade, é humanista.
O gestor público olha pra cima em busca de obras eleitorais. O dono da calçada não olha nem para a própria idade e a idade dos seus. Faz e tolera calçadas desumanizadas. Mas tem cidades com a maioria das calçadas bem cuidadas e niveladas. Não é por mero acaso. Seguramente, o gestor público olhou pras pessoas que caminham, criou normas e fiscalizou. Bom pras pessoas que moram nelas. Pior pra nós aqui que andamos com “um olho no santo e outro na rapadura”, lembrando os velhos matutos que diriam sobre as nossas calçadas: “olho na frente, olho no pé, e rezas pra não cair nessas calçadas infernais!”.
Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso
onofreribeiro@terra.com.br