Diario de Cáceres | Compromisso com a informação
Interpretar não é legislar
Por por Gonçalo Antunes de Barros Neto
02/09/2014 - 17:24

Foto: arquivo

Apesar do ambiente reducionista que ainda impera no Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, de forma curiosa, vem ampliando o espaço de atuação da Corte Constitucional brasileira em regras de processo objetivo. Exemplifica-se: a eficácia vinculante, a modulação temporal dos efeitos da decisão sobre constitucionalidade, e as possibilidades e alcance da súmula vinculante, além da falta de imposições processuais mais rígidas a este instituto. 

            O processo constitucional objetivo está catalogado no chamado Direito processual constitucional, sendo este compreendido como o conjunto de normas que se ocupa com o modelo que assegura o cumprimento e a concretização material da Constituição pela Justiça Constitucional. Vale ressaltar, por pertinente, que, pelo controle de constitucionalidade brasileiro, não só o Supremo Tribunal, mas, igualmente, a justiça ordinária, tem papel relevante no tema.

            A crescente demanda social exige de todos os órgãos do Poder Judiciário a visão de filtro, ou seja, a interpretação das leis sob a lente constitucional. Häberle, textualmente: “(...) até mesmo no chamado controle abstrato de normas (...) fica evidente que se aprecia a relação entre a lei e o problema que se lhe apresenta em face do parâmetro constitucional” (Mendes, 1998: 467).     

            Mas qual a relevância disso? Simples, a nova teoria interpretativa supera o método hermenêutico clássico para avançar além das fronteiras próprias da introdução do direito rumo ao direito constitucional, inoculando no conflito aparentemente insolúvel mecanismo de análise político-social.

            A lição de Müller é lapidar: “uma norma (...) pode parecer clara ou mesmo unívoca no papel. Já o próximo caso prático ao qual ela deve ser aplicada pode fazer que ela se afigure extremamente destituída de clareza. Isso se evidencia sempre somente na tentativa efetiva da concretização”. Mais uma vez: “o texto de um preceito jurídico positivo é apenas a parte descoberta do iceberg normativo, que, depois de interpretado, revela o respectivo programa normativo. Ou seja, o texto da lei, por si só, corresponde apenas a uma parte da norma, sendo a outra parte encontrada a partir da interpretação do enunciado normativo”. Está-se a exigir a historicidade da norma, o ambiente de criação, a adaptação com o presente, e, por último, a legitimidade de seu alcance a fatos futuros.

            Quanto aos fatos futuros (classificação de Klaus Philippi), são as chamadas “prognoses do legislador”. Essas prognoses legislativas devem, também, ser objeto de controle constitucional. Para Canotilho: “(...) afigura-se-nos claudicante, do ponto de vista teorético-dogmático, a defesa da incontrolabilidade das prognoses legislativas, com o argumento de que a apreciação de fatos futuros pertence ao legislador e não à jurisdição (...)”.

            Exemplo clássico, citado por Gilmar Mendes (1998: 470), é a lei da Baviera. Esta lei condicionava a instalação de novas farmácias a especial permissão da autoridade administrativa. O prognóstico do legislador era o de que se assim não se procedesse haveria uma multiplicação dos estabelecimentos farmacêuticos, em razão da ausência de regulamentação restritiva. O Tribunal Constitucional alemão, instado a manifestar sobre a liberdade do exercício profissional estabelecida na Lei Fundamental, afastou esse prognóstico, utilizando-se de argumentos racionais e estudos de experts (Tavares).

            E assim caminhamos. Na escola do Direito, que é livre, com liberdade saudamos os novos intérpretes. É por aí... 

 

GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é Juiz de Direito e escreve aos domingos em A Gazeta (Email: antunesdebarros@hotmail.com).

 

 

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