Durante o descanso no sofá, que passa necessariamente por um cochilo, passou na TV um documentário sobre o que come a família real britânica. Não sei se havia algo melhor para ver ou se escolher outro canal seria demais traumático para um momento de descanso tão importante. Mas foi interessante comparar o que come a família mais pomposa do mundo ocidental e o que um mero sujeito que descansa no sofá consome em comum a eles.
Comida britânica tem fama de não ser boa. Acredito que a razão disso seja a comparação cultural em relação à Itália e a França, que buscam para sai fama de melhor cozinha. O documentário apresentava o sanduíche de pepino como predileto de Sua Majestade, a rainha Elizabeth II. Trata-se de um sanduíche frio, consumido nos chás britânicos.
O que nos estranha nesse prato é que não leva carne, ou melhor, parece não ter sustância, como se diz por aqui. É uma receita simples, com pão branco, manteiga, fatias de pepino sem casca, hortelã, sal e pimenta do reino... claro que seria pimenta do reino. Por qual motivo alguém faria um sanduíche de pepino? Dizem que pepino é uma iguaria na Inglaterra, e custa caro. Coisas caras ganham destaques nos pratos, mesmo que não façam volume no estomago.
Logo o tão indigesto pepino combinado com manteiga, parece não casarem bem! Que paladar estranho desse povo. O que a gente não conhece, a gente julga sem mesmo ter provado. O que nos incomoda é o porquê de alguém que tem acesso aos melhores ingredientes e aos mais sofisticados pratos ter preferência por sanduíche de ingredientes tão simples.
O documentário acabou e o tempo de descanso havia passado. Quando a gente exercita o ócio quase que necessariamente a gente abre a geladeira e analisa o que há por lá. Havia um pepino, manteiga. Mais comum foi ter pão de forma branco, sal e pimenta do reino. Não seria a falta da hortelã que diminuiria a curiosidade em conhecer esse sabor monárquico. Nem ela faltou, pois existe um pé de hortelã em casa.
O preparo há de ser ritualístico. A casca do pão foi retirada. A manteiga estava em uma textura amolecida, com ajuda do micro-ondas, e quem nunca amoleceu manteiga assim? O pepino foi cortado no sentido mais longo, com ajuda de um daqueles acessórios cuja função a gente só descobre quando precisa. Tem que deixar o pepino eliminar o soro por algum tempo em uma peneira. A manteiga é passada em apenas uma das fatias do pão. Coloca-se logo em seguida o pepino, tempera-se com sal e pimenta e por fim é só colocar a hortelã picada e tampa-se com a outra fatia do pão. Os sanduiches reais não podem ter pontas, porque, em tempos idos, isso significava que a pessoa teria interesses em tomar o poder do rei. Deixei com pontas; melhor não as desperdiçar.
Existem outras versões mais populares do sanduíche. Elas levam mostarda, azeite, nata, suco de limão e até açúcar mascavo, mas nenhuma carne ou queijo ou ovo. A versão tradicional e essas outras receitas ficaram populares através da literatura de Oscar Wilde; uma das personagens dele preparava-os. Parece um sanduiche propositalmente leve, porém é necessário considerar as diversas guerras e escassez de alimento que passou o velho continente. O sanduíche de pepino seguiu pelo tempo associado ao chá preto com uma gota de leite, como apreciam os britânicos e formam uma refeição adequada aos tempos atuais, em que dietas e alimentação frugal estão na moda.
Neste lado mais a oeste do mundo, onde se come muitas carnes, e cujo sanduiche mais popular é o baguncinha, meu parecer sobre o sabor do sanduíche de pepino é que ele é surpreendentemente mais saboroso do que eu esperava: é refrescante, leve e manteiga combinada com pepino não um absurdo. Parece faltar um sabor mais denso ou algum ingrediente mais proteico, que dê mais sustância, porém essa percepção é fruto de nossas diferenças culturais.
Os ingredientes utilizados e até a preparação podem ter diferenças críticas entre os sanduíches que preparei e aquele que Sua Majestade aprecia, mas conhecendo esse sabor até me senti menos distante de tanta pompa e circunstância. Confesso que saí me sentindo relativamente superior que eles, afinal eu colocaria uma fatia de pernil de porco ou de lagarto recheado no meu sanduíche de pepino ou até um generoso pedaço de manga. Faria isso com menos cerimônia e comeria com todo o prazer e desapego de um plebeu.
Guilherme Vargas, professor, contista