A empresa não poderá demitir funcionários das plantas de Juína, Colíder, Confresa, Água Boa, Diamantino, Juara, Alta Floresta, Pedra Preta e Barra do Garças. Multa por descumprimento da decisão judicial é de R$ 5 milhões
Uma liminar obtida pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) proíbe a JBS, detentora das marcas Friboi e Seara, de realizar novas dispensas coletivas em qualquer uma de suas unidades em Mato Grosso sem prévia negociação coletiva com o sindicato laboral. Caso descumpra a determinação judicial, a empresa, que é a maior produtora de proteína animal do mundo, será multada em 5 milhões de reais.
A determinação vale para as plantas de Juína, Colíder, Confresa, Água Boa, Diamantino, Juara, Alta Floresta, Pedra Preta e Barra do Garças. Juntas, elas empregam mais de seis mil trabalhadores. O MPT já havia conseguido impedir, em outra ação ajuizada após o fechamento do frigorífico de São José dos Quatro Marcos, que o mesmo ocorresse nos municípios de Araputanga e Pontes e Lacerda.
Segundo a instituição, a multinacional não realizou esforços para minimizar os impactos negativos ou mesmo evitar a dispensa coletiva dos mais de mil empregados das unidades de Cuiabá e São José dos Quatro Marcos.
“Ao contrário, é possível concluir das informações prestadas que a verdadeira preocupação da empresa está ligada unicamente com seu patrimônio, ou seja, com a redução de custos, como declararam os seus representantes”, afirmou o MPT na peça.
Na decisão, o juiz do Trabalho Aguimar Martins Peixoto, da 2ª Vara do Trabalho de Cuiabá, reconheceu que demitir repentinamente, sem prévia negociação coletiva, essa quantidade de funcionários fere os princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito.
“As dispensas coletivas implementadas malferem a um só tempo a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e emprego e a necessidade de subordinação da propriedade privada à sua função social, bem como de intervenção sindical nas questões coletivas”, asseverou.
O magistrado também concordou com outros pedidos feitos pelo MPT e obrigou o grupo empresarial a providenciar e custear cursos de qualificação profissional aos trabalhadores demitidos, a dar preferência, ao surgirem vagas, à recontratação das pessoas dispensadas e a fornecer 12 cestas básicas a cada um dos ex-empregados, sob pena de multas de 5 e 10 mil reais.
Para o MPT, em razão da empresa ter usado como justificativa para encerrar as atividades nas unidades as dificuldades mercadológicas oriundas da escassez de matéria prima, a possibilidade de outro fechamento repentino nas mesmas condições não pode ser descartada. Por isso, a via judicial foi a solução encontrada.
No mês passado, por exemplo, foram fechadas inesperadamente cerca de 200 vagas em Matupá. “Percebe-se que esse é um padrão ilícito de conduta da JBS. Aliás, utilizado em todas as unidades da Federação, como nas plantas situadas nos municípios de Ariquemes-RO e Amargosa-BA”.
O MPT ainda pede a condenação da empresa em valor não inferior a R$ 40 milhões pelos danos morais causados à coletividade. A quantia equivale a 2% do lucro líquido anunciado no ano de 2014 pela própria JBS: de R$ 2 bilhões. A ideia é que a soma seja revertida a projetos e entidades ou órgãos públicos que atuem na defesa dos interesses dos trabalhadores.
Empresa recebeu bilhões de banco público
Tanto o MPT quanto a Justiça do Trabalho concordam que crises sazonais, eventuais percalços ou quebra de contrato não podem ser acolhidos como argumento para uma dispensa em massa, já que foram antecedidos por períodos de extrema lucratividade mercadológica.
“No caso em tela, não se pode olvidar que o demandado, quiçá atualmente o maior empreendimento frigorífico do mundo, sabidamente se beneficia de financiamentos públicos provenientes das diversas esferas do poder, com a promessa de retribuir com a criação e manutenção de emprego e renda à sociedade, de modo a dar à propriedade a sua efetiva função social”, pontuou o juiz do Trabalho Aguimar Peixoto.
De acordo com informações divulgadas este ano pelo Tribunal de Contas da União (TCU), os empréstimos feitos à JBS pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), uma empresa pública federal, chegaram a 8 bilhões de reais.
Vale lembrar que os recursos destinados ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico do BNDES provêm do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), sem que, para tanto, haja alguma contraprestação relativa à legislação trabalhista. “Não há sequer, para fins da concessão do financiamento, a diferenciação ou constatação dentre as que respeitam as normas trabalhistas das que não respeitam”, lembrou o MPT.
De qualquer maneira, acredita-se que o objetivo do empréstimo seja o desenvolvimento econômico da região e a geração de empregos. “Todavia esses preceitos foram desconsiderados com a efetivação de dispensa em massa de trabalhadores. A empresa tratou seus trabalhadores como se uma ‘peça’ fossem, descartando-os quando entendeu não mais lhe serem úteis”, critica.
Em Mato Grosso, especificamente, as concessões fiscais oriundas do governo estadual já viraram objeto de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual (MPE). Houve o gozo simultâneo de três benefícios, cumulados com o aproveitamento integral e supervalorizado do crédito de ICMS.
Empresa teve lucro recorde
Todo esse cenário de crescimento econômico e incentivos públicos contribuiu para que a gigante JBS S/A fechasse 2014 com uma receita anual de 120,5 bilhões de reais, crescimento de 29,7% em relação a 2013, e alcançasse um lucro líquido de R$ 2,04 bilhões.
Leia aqui: http://www.jbs.com.br/pt-br/centro_midia/press_releases/jbs-registra-lucro-de-r-2-bilhoes-em-2014
“É notória a receita operacional da empresa e, analisando os vultosos números que evidenciam o porte econômico avantajado da ré, causa arrepio constatar que foi necessário buscar tutela jurisdicional para que tenha consciência de sua responsabilidade social”, ressaltou o MPT.
Para a instituição, a conduta de dispensar inesperadamente todos os trabalhadores gerou graves e notórios prejuízos à massa de trabalhadores demitidos e aos municípios, sobretudo considerando as atuais dificuldades econômicas enfrentadas pelo país, como recentemente divulgado pelo IBGE. Segundo o Instituto, o desemprego teve maior taxa desde 2010.
“Apesar de estarem garantidos à empresa os direitos constitucionais à propriedade privada e à livre iniciativa, devem esses conviver com os direitos, também constitucionais, ao trabalho digno, à função social da propriedade, à valorização do trabalho humano e à dignidade da pessoa humana. O trabalho não deve ser considerado mercadoria”, concluiu o MPT.