A juíza Ana Helena Alves Porcel Ronkoski, da Segunda Vara da Comarca de São José do Rio Claro (315 km a médio-norte de Cuiabá), autorizou que o menor Lucas (nome fictício), de 10 anos, tivesse em seu registro de nascimento o nome de dois pais, o biológico e o afetivo. Em sua decisão, a magistrada destacou que a multiparentalidade é a que melhor atende aos interesses de todos os envolvidos no caso, em especial o menor.
O caso foi parar na Justiça depois que Ana Maria e José Antônio (nomes fictícios) se separaram, após um relacionamento de 10 anos. Quando ambos casaram Ana Maria estava grávida de João Paulo (nome fictício), mas não contou ao mesmo o fato, relatando a gravidez apenas para José Antônio, que registrou a criança quando ela nasceu.
Depois da separação Ana Maria decidiu contar para João Paulo que ele era o pai biológico do seu filho. Os dois ingressaram com uma ação na Justiça, pedindo que o nome do pai afetivo fosse retirado da certidão de nascimento da criança, para que o nome do pai biológico fosse colocado.
“Quando a verdade lhe foi revelada, quase dez anos depois, ele, independentemente da realização de exame de DNA, reconheceu a paternidade biológica da criança, e, com a anuência dos demais envolvidos, buscou a homologação de acordo onde pretende ver seu nome inserido no registro civil do filho, além de estabelecer, a partir daí, um convívio com ele”, destaca a magistrada na decisão.
O pai afetivo, por outro lado, embora inicialmente tenha concordado com o pedido de alteração do registro do menor para a exclusão de seu nome e substituição pelo nome do pai biológico da criança, informou em juízo que o fez apenas a pedido dos pais biológicos, já que sempre soube dessa realidade, mas reafirmou o vínculo de afeto que mantém com a criança, com quem convive com frequência.
“Nesse cenário, não nos parece que seja o caso de decidir qual vínculo de filiação deve prevalecer, se o biológico ou o afetivo, mas de simplesmente reconhecer uma realidade de fato: Lucas tem dois pais. Um efetivo, que o criou desde o seu nascimento, e outro biológico, a quem descobriu tardiamente, mas que não hesitou em reconhecê-lo, e com quem também já estabelece relações de afeto, assim como os demais membros da família natural, em especial avós e irmãos”, diz a juíza em sua decisão.
Para a magistrada, privar a criança de uma dessas relações, ainda que no campo formal, não lhe traria vantagem alguma, ao contrário, poderia lhe trazer prejuízos. “O reconhecimento da multiparentalidade no caso em testilha, além de representar a verdade fática da criança, que reconhece os dois pais como tal, é o que mais se coaduna ao princípio da dignidade humana da pessoa de todos os envolvidos, pois preserva os vínculos existentes e cria um campo propício para que esses laços se solidifiquem e frutifiquem, estendendo-se a todos os demais membros das famílias, que acabam por se tornar uma só”.
Na decisão a juíza destacou ainda que a paternidade vai muito além dos vínculos sanguíneos. Ela se estabelece no convívio diário e se materializa através de laços de afeto, cuidado, amparo, e assunção de fato das responsabilidades inerentes à criação de um filho. “Portanto, a paternidade afetiva se mostra muito mais importante para o desenvolvimento do filho que a biológica, levando à impressão de prevalência”.