Reportagem do jornal El País de Buenos Aires mostrou que o Brasil tem a maior remuneração para deputados e senadores da região, seguido de Chile e Colômbia. De acordo com a publicação, a crise econômica na América Latina atrai atenção para esse problema antigo: a disparidade entre os ganhos dos parlamentares e o salário médio dos cidadãos que representam.
A reportagem mostrou que os deputados e senadores do Brasil lideram a lista, com um salário de R$ 33.763 por mês, cifra que quase triplica quando são somados cerca de R$ 50.000 que recebem os deputados a título de auxílio-moradia, passagens e ajuda de custo. Além disso, eles têm direito a cinco voos mensais e R$ 97.116 para pagar até 25 funcionários de gabinete. No caso dos senadores, além do salário, eles recebem mais de R$ 69.000 para o apoio para as atividades parlamentares. Os senadores brasileiros também recebem R$ 159 mil como verba de gabinete para pagar até 55 servidores. No Brasil, o salário mínimo atual é de R$ 880.
O segundo lugar entre os legisladores mais bem pagos é dos chilenos, com salários de R$ 32.640, livre de impostos. Como ocorre no Brasil, essa soma sobe bastante quando são adicionadas as verbas para a manutenção de escritórios parlamentares nos distritos, telefones, automóveis, gasolina, passagens aéreas, materiais de escritório e divulgação, que correm por conta do Congresso.
O pódio é completo pelos congressistas colombianos, com R$ 30.080 por mês, sem contar ganhos extras. O salário mínimo colombiano é de aproximadamente 750 reais. Um pouco abaixo se encontra o México, com um salário líquido de 22.400 reais, que pode chegar a 48.000 quando acrescido das verbas extraordinárias. O salário mínimo dos mexicanos é um dos mais baixos da região: 320 reais.
Do teto do Brasil, Chile, Colômbia e México se passa ao grupo de países cujos legisladores recebem salários em torno dos R$ 16.000, como Argentina, Equador, Paraguai e Peru, embora os montantes extras nem sempre sejam comparáveis.
Um deputado equatoriano que não viva na capital, por exemplo, recebe um bônus equivalente a R$ 2.240 para pagar uma moradia, além de quatro passagens aéreas por mês. Mas os peruanos e os argentinos até duplicam a renda original quando somam todas as verbas. No final da lista aparecem Panamá, El Salvador e Bolívia.
Argentina no olho do furacão
Segundo o El País, apesar da Argentina não estar no primeiro pelotão em relação aos gastos, está no centro da polêmica da vez. Enquanto o governo do atual presidente Maurício Macri se nega a discutir reajustes salariais com os sindicatos, os parlamentares ganharão 47% a mais por seu trabalho no mês de outubro. A elevação se soma a outra, de 31%, aplicada em março, resultante de um acordo salarial envolvendo todos os funcionários do Congresso.
Desta vez, porém, os legisladores não mexeram no seu salário básico, preferindo em vez disso até duplicar as verbas extraordinárias – para passagens aéreas, auxílio-moradia e gastos de representação, por exemplo. As cifras, definidas por consenso entre os deputados e senadores, permite que os congressistas somem o equivalente a R$ 8.320 reais a um salário que já é de R$ 17.920.
O aumento aconteceu neste mês, para surpresa de muitos legisladores. O deputado Néstor Pitrola, da Frente de Esquerda, decidiu abrir mão da verba adicional por considerá-la moralmente condenável. “O salário geral caiu 10%, as aposentadorias, 15%. Vivemos uma situação de recessão econômica complicada, com 200.000 demissões e um tarifaço que dolarizou os serviços públicos. O contraste é obsceno, imoral”, diz Pitrola.
Somados o salário e as verbas adicionais, um legislador argentino pode ganhar o equivalente a até R$ 26.240, pouco mais de 15 salários mínimos de 8.060 pesos (R$ 1.718). O salário mínimo foi fixado em maio deste ano e já ficou 3.000 pesos abaixo da cesta básica de alimentos calculada pelo INDEC (Instituto Nacional de Estatística e Censos) para medir o índice de pobreza.
Enquanto isso, a última medição oficial, divulgada no fim de setembro, apontou que 32% dos argentinos são pobres. Cálculos extraoficiais realizados pela Universidade Católica Argentina (UCA) estabeleceram que desde janeiro 1,4 milhão de pessoas caíram abaixo do limite da pobreza e não ganham o suficiente para comer.
“O salário [dos servidores do Congresso] já aumentou 31% em março, e agora, sobre isso, subiram 100% os gastos de representação, passagens e auxílio-moradia. Isso num país onde a metade ganha menos de 8.000 pesos por mês”, queixou-se Pitrola.
Os salários legislativos na Argentina, entretanto, não são tão altos em comparação a outros países da região. Em todo caso, os números revelam a disparidade entre os salários legislativos e a renda mínima estipulada por lei em cada país. “As comparações com outros refletem o mesmo nível de desigualdade que há na Argentina. Dizemos que um legislador deve ganhar quatro salários mínimos, e se quiser ganhar mais que eleve esse salário mínimo”, diz Pitrola.
O presidente do bloco de deputados da Frente para a Vitória (FPV), o kirchnerista Héctor Recalde, disse que o aumento das verbas é uma “forma de financiar a política”. E, falando a uma rádio, foi irônico com os colegas que se queixaram do aumento. “Devem doar o excedente ao Garrahan”, disse, em referência a um hospital público infantil que é referência em todo o país.
O salário dos deputados e senadores argentinos se tornou rapidamente um assunto de acalorado debate, porque o cenário econômico não é dos melhores. Crescem as reivindicações salariais, a inflação não cede, e a economia não chega a decolar. Na segunda-feira, o INDEC divulgou o índice de atividade industrial com uma queda interanual de 7,3%. O dado mais desalentador foi o da construção, principal motor de emprego, com uma queda de 13,1%.