Diario de Cáceres | Compromisso com a informação
Manga do meu quintal
Por por Guilherme Vargas
13/11/2016 - 16:57

Foto: arquivo

Afinal, estamos na época delas, e por causa delas estes são tempos das bochechas rosadas, dos dentes com fiapos e da felicidade em conseguir uma, algumas, muitas, todas as mangas possíveis de serem apanhadas. Feliz é quem tem pelo menos uma manga a sua disposição, e aguarda o desejo indômito para justificar devorá-la. Não é necessário ter apetite, mas é fundamental o desejo intenso de querê-la. Como a manga chega até mim? Como tê-la se não há mangueira no meu quintal...

Comprar manga, que absurdo!. Só se vendem mangas tipo exportação. As mais duras e sem graça. É a média mais baixa para representar tantas notas de amarelo, rosa, verde açucarado, leve caramelização e polpudez. No mercado ela é encerada, e quem já brilha por sua natureza não precisa de lustração. Comprá-las torna evidente o distanciamento no acesso as mangas. Intermediadores, prepostos e interesses comerciais corrompem a lógica de quem precisa delas o mais próximo do natural. Como comprá-las de outras partes do mundo se aqui é que ela “dá com força”. Afirma um amigo economista: aqui estão as maiores jazidas de manga do mundo! Antes ter manga do que manganês. Não precisamos enaltecer vaidade, buscando razões econômicas em riquezas que não são nossas; temos a manga e bons motivos de nos auto afirmar detentores das razões de nossa felicidade.

Narrando uma experiência de fuga, Vanessa da Matta não fala da manga, mesmo descrevendo um pomar. Vai ver compôs a música fora da época. Mas deixa ao refrão e ao título da música o reconhecimento e plenitude do homem que possui uma mangueira. “Quando um homem tem uma mangueira no quintal”, esse é o título e o refrão; segue o convite para conhecer esse quintal, esse pomar, embrenhar nessa mata. Ter uma mangueira no quintal é ter o domínio sobre os prazeres e controlar as vontades de quem deseja a manga.

São tempos de pouco ou nenhum quintal; não cabem mangueiras. E como ter acesso a manga sem deter os processos de produção dela? Dependeremos de alguém que as forneça, mas que assim faça ou por amor, ou por piedade ou por interesse mesmo. Ai a manga se torna um bom presente: feliz aquele que percebe o valor de se ganhar manga! Magnânimo quem tem a discricionariedade de determinar os ganhadores de suas mangas. Importante é não acreditar em quem entrega as mangas falando assim:

-Tava desperdiçando lá em casa...

Puro recurso retórico. Só para não entregar que gosta tanto que presenteia com manga. Só pra não correr o risco de parecer fraco. Se estiver sobrando manga, é só distribuir sem justificar nada: assim é a caridade pura. Toda justificativa é medo de se percebido como vulnerável. Não há situação mais vulnerável do que a de chupar uma manga na frente de alguém, porém hão de serem considerados os meios mais cerimoniosos.

Sobre usar a faca, há muitos discursos que relacionam com a libido. Assumir que usa faca é deixar claro algumas limitações e “nojinhos”; usar faca e garfo, Ah! É determinar a própria execração social. Lembremos que são discursos e nem devem ser levados a sério, afinal as condições determinam os comportamentos. Belas saladas com manga em cubos não deixam e ser deliciosas e não caberiam mangas inteiras com casca e caroço. Na formalidade do trabalho em um escritório, chega a hora do lanche e a manga tá lá, difícil chupar sem se lambuzar. Mas se há tempo, se há oportunidade e despreocupação com a aparência, vale encará-la e deixar evidente para a manga: você é minha! Componha o meu ser.

Cravar os dentes, romper a casca, a boca aperta com vontade, numa expiração só, prolongada. Dentes determinam o caminho e limites e lábios freiam os impulsos para que a pele sensível perceba a umidade e aveludamento. Textura e sabor que a língua comprime e se esfrega. Escorre e mela. Morde mais. Lambe e chupa. Sacia-se. Se sentir pleno. A consciência grita: corpo nutrido!.. Um prazer quase que erótico, só que melhor, afinal não á culpa e nem pecado.

Éh... restou-nos enlambuzamento, caroço e poucas cascas... ah; e pura satisfação. Mais uma...? ... Outra.... será que aguenta?... (...)... Do que falávamos?

Manga, aquela que não pé das camisas. Vem da mangueira, sem ser aquela que cano maleável. Fruta, mas deveria se chamar encapsulamento de boas sensações. Poderia ser a manga motivo de guerras? Ela é indiana, e este povo sempre nos deu lições de paz. Como tudo que amamos, não parece ser estrangeira, queremos que seja nossa! Está lá, no meio do cerrado, nos alagadiços, nos quintais; fazendo o Pantanal também seu lugar natural e temperando a cultura do “ser pantaneiro”.

Evitando transitar por uma avenida movimentada, resolvi cortar o caminho por uma rua de terra. Passa uma ponte de madeira e lá estava no meio do caminho um mangueiral. Um chão forrado de mangas e aquela sombra que sossega o corpo e acalma a alma. Sombras que escondem mistérios e frescor da umidade armazenada. Me senti rei! Para além de ter os lírios do campo como contemplação, tinha eu as mangas que alimentam e fortalecem meu desejo de compor com elas e com minha bicicleta o cenário da felicidade pantaneira.

Coloquei na sacola as que consegui pegar e também levei comigo a eternização daquele momento. Não era eu um ladrão de manga, afinal, por legítimo pertencimento cultural, elas são livres, de todos que a admiram. A ofensa maior é tirar dela o caráter coletivo. Lembro de gente que escrevia o nome na manga quando ela ainda estava no pé e ainda estava de vez; sem dó pegava a caneta bic e determinava a propriedade indevidamente. Coitados, esses tinha a manga chupada e ficava apenas a casca e nome pendurados na mangueira. Mas quem faria isso? Um mais esperto eu mesmo um passarinho mais faminto. E como é dolorido engendrar estratégias para pegar a manga mais linda nos galhos mais altos, tê-la na mão e perceber que um passarinho comeu a parte que não era visível. Por que não comeu tudo, passarinho!

A transgressão relativa às mangas não está em furtá-las, mas em comê-las verdes com sal... coisa de gente jovem. Coisa de gente que convida para comer “manguncinha”, na tentativa de fazer achar que está convidando para saborear um baguncinha em uma carrocinha de lanche, mas tá chamando mesmo é pra chupar manga, que é de graça. Baguncinha é um x-bagunça pequeno e leva salsicha, ovo, hambúrguer, salada, presunto e queijo; e colocar fatias de manga poderia torna-lo mais interessante, não é.

Em época, não é só o baguncinha que perde clientela. Reclamam o povo das padarias da mudança de hábito:

-Vai lá buscar o pão.

-Mas tem manga!!

Buscar o pão para o café da manhã ou para um lanche no meio da tarde. A manga é muito mais vantajosa tanto nutricionalmente quanto financeiramente. E quando as padarias farão pão com manga? Não se sei seria bom. O fundamental nessas épocas é diversificar o negócio e oferecer outros, como cerveja. Balcão e freezer e se tem um bar com cestas de pães. Assim que aparecem as bardarias, como afirma um amigo filósofo. Ai os diálogos muda:

-Onde você vai?

-Comprar pão.

-Mas tem manga.

-Já chupei, mas eu QUERO PÃO!

Sei...

Ainda é época de manga, aproveitemos delas e do que mais for bom.

 

Guilherme Vargas,professor

 

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