Em 2017, empresa deixou funcionário dois meses sem descanso semanal
O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) obteve liminar contra a Energisa Mato Grosso – Distribuidora de Energia S/A, no dia 17 de outubro, para obrigar a empresa a regularizar, no prazo de 15 dias, quase 39 obrigações trabalhistas relativas à proteção à jornada e ao meio ambiente de trabalho. A decisão, da juíza Bruna Gusso Baggio, da 6ª Vara do Trabalho de Cuiabá, prevê aplicação de multa de R$50 mil para cada constatação de descumprimento.
Segundo o MPT, anos de investigação indicam que a concessionária não assegura a seus trabalhadores, terceirizados ou contratados diretamente, uma série de direitos, entre eles o repouso semanal remunerado após o 6º dia consecutivo de trabalho. Para se ter uma ideia, após análise dos cartões de ponto apresentados pela própria empresa, foi possível verificar o caso de um funcionário que laborou todos os dias de janeiro a fevereiro de 2017, ou seja, por dois meses seguidos, sem o gozo do repouso semanal remunerado.
A Energisa descumpriu regras relativas aos intervalos interjornada (intervalo mínimo disposto em lei entre o fim de uma jornada e o início de outra) e intrajornada (dentro da jornada, para repouso e alimentação) e à jornada extraordinária. Ainda, segundo os relatórios encaminhados pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Mato Grosso (SRTE/MT), a ausência de adoção pela Energisa, tomadora dos serviços, das medidas de prevenção previstas na legislação trabalhista foi causa direta de nove acidentes fatais com trabalhadores terceirizados entre os anos de 2009 e 2014, período em que a distribuição de energia elétrica em Mato Grosso era comandada pela Rede CEMAT.
Ao longo dos anos, os representantes da empresa não manifestaram interesse em firmar Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para corrigir as condutas ilícitas, não restando, segundo o procurador do Trabalho Antônio Pereira Nascimento Júnior, outra alternativa ao MPT a não ser buscar a Justiça.
”Há necessidade de adoção de medidas enérgicas e urgentes no sentido de fazer cessar a prática de novas lesões aos direitos coletivos e difusos de todos os trabalhadores que a empresa emprega ou possa vir a empregar para prestação de serviços terceirizados nas atividades de distribuição e captação de energia elétrica”, pontua.
Entre as obrigações a serem cumpridas pela Energisa estão a adoção de medidas preventivas de controle do risco elétrico e de outros riscos adicionais em todas as intervenções em instalações elétricas; a sinalização adequada de segurança nas instalações e serviços em eletricidade, e o fornecimento de equipamentos de proteção individual específicos e adequados às atividades desenvolvidas.
Jornada e intervalos
O MPT ajuizou a ação civil pública após denúncia e constatação, no curso de dois inquéritos civis, de diversas irregularidades trabalhistas. Os documentos comprovando as falhas têm origem em ação fiscal empreendida pela SRTE/MT, que constatou, somente no período de 09/2014 a 02/2015, 1.150 ocorrências.
Em continuidade às medidas investigativas, o MPT determinou a notificação da empresa para apresentação dos controles e registros de jornada de todos os seus funcionários. A análise dos documentos apresentados, por meio do sistema Jornada do Ministério do Trabalho (MTb), apontou que, no período de janeiro a fevereiro de 2017, ocorreram 10.215 irregularidades: 223 na concessão do repouso semanal; 3.558 na concessão do intervalo intrajornada; 4.669 relativas ao excesso de jornada; e 1.765 na concessão do intervalo interjornada.
No que se refere ao intervalo interjornada, há casos de empregados que usufruíram apenas de 06 horas e 29 minutos de descanso - um funcionário saiu às 20 horas e 49 minutos e retornou às atividades às 03 horas e 18 minutos do dia seguinte; e de trabalhadores que repetidamente tiveram menos de sete horas de intervalo. Pela CLT, esse intervalo deve ser de, no mínimo, 11 horas.
Reposição da energia
O procurador Antônio Pereira esclarece que o intervalo interjornada proporciona ao empregado a reposição de suas energias para iniciar nova jornada de trabalho, bem como para dispor de tempo para convívio com sua família e realização de seus interesses pessoais. “A supressão desse intervalo, mesmo que com respectiva compensação pecuniária, além de prejudicar o convívio comunitário, político e social do trabalhador, acarreta, a longo prazo, consequências danosas à saúde desses trabalhadores, onerando o sistema único de saúde, suportado por toda a sociedade”.
O procurador salienta que os excessos de jornada observados não são pontuais. Ele destaca casos de trabalhadores submetidos a jornadas diárias de mais de 12 horas. Um deles chegou a laborar mais de 13h e 30 minutos por dia. A situação se torna ainda mais grave pelo fato dos empregados atuarem em atividades de risco.
Liminar
Para a juíza Bruna Gusso Baggio, “a omissão da tomadora de serviços em adotar medidas preventivas de segurança em relação aos terceirizados acarreta o desrespeito a um dos direitos fundamentais do trabalhador, qual seja, meio ambiente de trabalho sadio, seguro e equilibrado, de modo que a não observância de tais preceitos coloca em risco não só a saúde e a integridade física dos trabalhadores, mas a sua própria vida, fatores que autorizam deferir antecipadamente as tutelas de urgência pretendidas”.
O MPT aguarda a condenação da Energisa e a fixação de indenização por danos morais coletivos no valor mínimo de R$ 5 milhões. O valor representa menos de 1,5% do lucro líquido, ou R$ 357 milhões, do grupo no intervalo de 2014 a 2017.
O procurador Antônio Pereira explica que a indenização visa não só o cumprimento do ordenamento jurídico, mas, também, a sua restauração, uma vez que já foi violado de maneira injusta e inadmissível. “A conduta da empresa violou, e ainda viola, bens jurídicos de destacada relevância no ordenamento jurídico, pois envolvem os direitos à jornada de trabalho. Além disso, a Ré vem reiteradamente descumprindo a legislação trabalhista, como atestam os autos de infração juntados à presente petição inicial, tendo dado causa a nove graves acidentes de trabalho fatais com funcionários de empresas terceirizadas”.
Processo 0001087-16.2017.5.23.0006