Depois de 51 anos trabalhando no mesmo ofício, o que mais se deseja é aposentar. Mas não é o que pensa a dona Regina Maria da Cruz, 61 anos, que há mais de meio século faz bolos de arroz para viver. Moradora do bairro São Luiz, em Cáceres, criou os filhos fazendo bolos de arroz, e ainda hoje ajuda outras diversas famílias, que pegam seus bolos para vender nas ruas da cidade bicentenária.
O ofício aprendeu com a avó, Dona Catarina, com quem foi criada. O cheiro de lenha queimando nos tradicionais fornos, e logo ao amanhecer o cheiro de bolo quentinho já é ponto de parada para muitos, que passam pela sua casa para saborear um bolo acompanhado de café, chá e até mesmo um leite. “A gente sonha em ter uma estrutura melhor aqui, como tem a Dona Eulália em Cuiabá”. Diz fazendo referência a uma tradicional boleira da capital que investiu na sua própria casa com uma estrutura e atualmente recebe turistas e cuiabanos para saborear um bolo de arroz e outras guloseimas tradicionais. “Mas falta incentivo, investimentos, em época de política sempre vem candidato aqui querendo fotografar, prometendo ajudar, mas nada acontece, mas se Deus quiser vamos melhorando aqui. Agora mesmo, estou em uma campanha da telha, recebendo ajuda para aumentar a cobertura porque em época de chuva com vento atrapalha muito”, afirma sorrindo enquanto mostra o que deseja fazer no seu quintal.
Francisco Neto
"A gente sonha em ter uma estrutura melhor aqui, como tem a Dona Eulália em Cuiabá". Diz fazendo referência a uma tradicional boleira da capital que investiu na sua própria casa com uma estrutura e atualmente recebe turistas e cuiabanos para saborear um bolo de arroz e outras guloseimas tradicionais.
A casa onde vive com a família foi doada pela Serraria em 1979, que até hoje fornece a lenha que é queimada nos fornos. “Eu não tenho nada a reclamar da serraria, eles sempre nos ajudaram. Essa casa aqui foi doada por eles. Quando a minha vó veio do Cabaçal com o marido doente e um filho pequeno para criar em 1947 começou a trabalhar na área da Serraria, depois com o tempo, a Serraria foi comprando as áreas e sobraram só nós por lá, dai eles ofereceram essa casa aqui, com escritura e tudo e estamos até hoje”, revela.
A tradição familiar do bolo de arroz vem passando de geração em geração. “Antigamente, todo mundo, em todas as famílias se fazia o bolo de arroz, era comum. Com as dificuldades que minha vó enfrentou para cuidar do marido doente e do filho pequeno, que depois se tornou meu pai, ela resolveu fazer bolos para vender. Na frente da casa dela tinha uma república de soldados do Exército, e tinha um soldado que pegava o tabuleiro e vendia tudo no quartel e assim já ajudava ela. Ela também servia pratos de comida e assim foi vivendo. Meu pai morreu muito cedo, com 31 anos e então eu fui criada com a minha vó e aos 10 anos já ajudava a fazer o bolo”, relembra Dona Regina com tranquilidade.
A avó de Dona Regina, morreu aos 89 anos com hepatite adquirida por conta das diversas malárias que contraiu na juventude, mas a tradição começada com sua tataravó, a dona Alexandrina ainda vem produzindo bons frutos. Hoje os filhos da Dona Regina estão criados, alguns até ensaiaram a viver do bolo de arroz em outras cidades, tendo a mãe como inspiração.
A arte de fazer o bolo de arroz
Mesmo sem uma estrutura com mesas e cadeiras para os visitantes, os que desejarem comer um bolo de arroz quentinho, ao lado dos fornos a lenha, pode se chegar a partir das 6h no endereço Rangel Torres, 263, bairro São Luiz. Mas se não encontrar, basta perguntar na rua, qualquer um sabe informar onde é a casa da Dona Regina.
Francisco Neto
A massa fica descasando por cerca de 12 horas antes de ir para o forno.
O preparo do tradicional alimento começa ao terminar a fornada do dia. “É preciso fazer o fubá primeiro. Antigamente a gente socava o arroz no pilão, hoje uso o triturador, mas em dia frio dá até saudade do pilão”, conta relembrando. Depois do fubá pronto, tem que ralar e cozinhar a mandioca, depois preparar a massa colocando os ingredientes como manteiga, açúcar e outros que são segredos de família. A massa fica descasando por cerca de 12 horas antes de ir para o forno.
“Quando é umas 3h30 da madrugada a gente já está na luta”. Para assar uma fornada, leva cerca de 45 minutos no forno a lenha. Dona Regina explica, que a massa é pesada e por isso é preciso assar bem para ficar saboroso. Outro segredo do sucesso é a qualidade do arroz empregado. “A quirela de arroz tem que ser bem branquinha”, revela. Todos os dias, são assados no forno cerca de 400 bolos de arroz, e para isso, são utilizados quatro sacos de arroz por semana.
Dona Regina conta, que entre seus clientes fieis estão soldados do Gefron, do Exército, da Polícia Militar. “Eles sempre passam por aqui logo ao amanhecer para comer um bolo, ou quando tem missão em que vão ficar dias longe, encomendam uma quantidade maior para levar para o acampamento. Mas, aqui recebo gente de todo tipo. Graças a Deus, minha casa é muito bem frequentada”, diz sorrindo.
Renda que se multiplica para outras famílias
Além da família da dona Regina, que vive do bolo de arroz, outras diversas famílias também fazem dessa tradição o seu ganha pão. “Aqui em casa, toda a família trabalha, um sobrinho ajuda, as noras vendem na feira, o marido contribui”, conta. Afinal o preparo do tradicional bolo demanda muitas etapas e paciência. Mas além dos da casa, como diz a matriarca, sempre aparece mais alguém querendo vender os bolos para ganhar um dinheiro para sobreviver.
Atualmente, oito vendedores se espalham nas ruas de Cáceres, gritando: “Olha o Bolo de Arroz”. João Batista Pinheiro, 49 anos, morador do bairro Vila Nova é um dos que encontrou um meio de sobreviver vendendo bolos de arroz da dona Regina. Ele vende os quitutes nas ruas de Cáceres há dois anos, o bairro escolhido para as vendas é a Vila Irene. “Mas, vendo em outros lugares também, só que aqui nesse bairro eu já tenho minha freguesia”, afirma.
“Ao ficar desempregado – antes era ajudante de serviços gerais – um amigo me falou para vender os bolos de arroz, ele também vende, e foi a forma que encontrei para viver. Nós somos uns oito a 10 vendedores, somos todos amigos, uma família”, conta. De fato, segundo a dona Regina, todos vão se tornando amigos. “De vez em quando aparece mais alguém que está sem emprego, que precisa ganhar um dinheiro extra me pedindo para vender o bolo de arroz e assim a gente vai se ajudando. A gente sabe quem está precisando mais, quem está doente e vamos dando as mãos”, diz ela.
Francisco Neto
João Batista Pinheiro, 49 anos, morador do bairro Vila Nova é um dos que encontrou um meio de sobreviver vendendo bolos de arroz da dona Regina.
O trabalho dos vendedores começa cedo. “Eu chego na casa da Dona Regina, por volta das 6h da manhã, os bolos estão quentinhos, saindo do forno. Todos os dias eu vendo cerca de 70 bolos, mas já cheguei a vender 100 e até mais todos os dias, mas a crise tá feia aqui em Cáceres, por isso diminuiu”, afirma João.
Sobre a rotina, ele diz que se acostumou. “A gente vai levando, tem dia que a gente está meio rouco, a garganta dói e dificulta a venda, porque a gente tem que gritar: olha o bolo de arroz, com a entonação certa para chamar a freguesia, mas já me acostumei, é a necessidade” diz resignado ao dizer que tem dois filhos para terminar de criar.