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"Resultados são excelentes; poderemos controlar a Covid"
Por Bianca Fujimore/Mídia News
06/12/2020 - 08:15

Foto: reprodução

Infectologista do Hospital Júlio Müller se diz otimista com os estudos feitos até agora

 

As vacinas contra a Covid-19 produzidas em todo o mundo têm apresentado resultados animadores, segundo o infectologista do Hospital Júlio Müller, Cor Jesus Fernandes Fontes.

 

Na semana passada, três das principais vacinas que estão na fase final de testes divulgaram taxas superiores a 90% de eficácia e segurança. São elas: a do laboratório Moderna, da Pfizer- BioNTech e a russa Sputnik V.

 

A Inglaterra foi o primeiro país a anunciar o início da vacinação em massa da população.

 

Para o pesquisador, que lidera os testes da vacina chinesa CoronaVac em Mato Grosso, há alta expectativa para a aprovação de vacinas no Brasil.

 

“Todas elas, do ponto de vista de imunogenicidade, têm apresentado uma resposta excelente, acima de 80%, que é uma proporção considerada ótima para a vacina. Algumas delas, que têm resultados já analisados, mostraram eficácia”, afirma.

 

Segundo Fontes, haverá mais de uma opção de imunizante, mas ele acredita que a melhor opção ainda seja a CoronaVac, produzida em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo.

 

“A expectativa de todos nós é muito boa. Principalmente porque a Coronavac tem se mostrado muito segura. Nós já temos cerca de 12 mil pessoas vacinadas no Brasil, nenhum evento adverso grave associado ao produto que está sendo estudado”, garantiu o médico.

 

Na entrevista ao MidiaNews, ele explica que a vacina é feita de forma simples e usa técnicas já utilizadas há décadas na Medicina. Além disso, o infectologista aponta que a CoronaVac não depende de recursos de armazenamento de alta tecnologia e sua produção em larga escala é favorável no Brasil, tendo em vista o auxílio do Instituto Butantan.

 

Leia os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews - Há poucos dias, vacinas que estão sendo desenvolvidas entraram em fase final de testes e divulgaram os resultados parciais. Como o senhor avalia os números apresentados?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - São várias vacinas que estão sendo testadas, todas em fase final e várias já têm resultados mais que preliminares, alguns já estão concluídos. Todas elas, do ponto de vista de imunogenicidade, têm apresentado uma resposta excelente, acima de 80%, que é uma proporção considerada ótima para vacina. Algumas delas, que têm resultados já analisados, mostraram eficácia. Mas a que melhor posso falar é a que estamos testando, que é a vacina da CoronaVac, em parceria do Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac. Já temos resultados divulgados na imunogenicidade, que foram superiores a 90%. Já está publicado. O Instituto Butantan anunciou que irá fazer uma primeira análise no final desse mês ou início de dezembro porque já tem um quantitativo de pessoas que pegaram a doença e que já permite essa análise.

 

MidiaNews - Estamos perto de vencer essa doença terrível?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Acho que estamos perto de ter uma ferramenta para prevenir a doença. Não sei se a gente vai conseguir vencer. Mas qualquer medida preventiva associada a essas tradicionais que a gente já tem apresentado, como distanciamento social, uso de máscara, higienização, com a vacina tenho certeza que vamos controlar essa doença. Acabar com ela talvez não porque essas viroses são muito difíceis de serem eliminadas. Vamos torcer para isso, mas se a gente controlar já vai estar muito bem porque foi uma epidemia que causou impacto não só sanitário, mas impacto social e econômico grande no Mundo inteiro.

 

MidiaNews - As principais vacinas são construídas a partir do vetor viral e do RNA. Pode explicar como isso funciona?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - As vacinas têm que ser feitas com o agente patológico inteiro ou uma parte dele. No caso, o nosso agente é um vírus, que é uma partícula minúscula, apenas uma molécula. Essa molécula é de RNA ou de DNA, que é o nosso ácido nucleico, que está presente em todo ser vivo. Tem várias formas de produzir uma vacina hoje com a tecnologia avançada porque nós sabemos processar esses compostos orgânicos químicos. Podemos processar de várias formas. Por exemplo: a CoronaVac faz uma inativação dele, porém mantém o vírus inteiro. Mas pode sintetizar alguma proteína do vírus a partir do conhecimento da estrutura química dela. É possível sintetizar uma proteína semelhante de modo que vamos ter só a proteína, e não o vírus, para funcionar como a vacina. Nós podemos fazer a síntese dessa proteína não por química, mas engenharia genética utilizando outros vetores, outros seres vivos que vão expressar a mesma proteína porque a gente faz uma manipulação genética em bactérias ou fungos. Nós já temos vacinas assim e que funcionam bem.

 

Da mesma forma, como esse vírus é RNA, o RNA que nós temos é responsável pela nossa produção de proteína dentro da célula. Então utilizando essa técnica que a gente já domina hoje, é possível transcrever a partir do RNA do vírus em outra célula hospedeira de bactérias ou de fungo e pode transcrever a proteína a partir do RNA do vírus que já foi isolado. Essa é a mais moderna proposta agora, que é usada pela da Universidade de Oxford.

 

Produzir a proteína do vírus com a tecnologia que temos hoje passou a ser uma coisa simples e rápida, por isso que está tudo muito veloz nessa área de vacinas.

 

MidiaNews - As vacinas com vírus atenuado também estão mostrando bons resultados, não é mesmo?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Todas elas que já liberaram algum tipo de resultado na literatura ou até mesmo na imprensa têm se mostrado promissoras. É claro que devem existir vacinas que não têm tido bons resultados. E tudo que não tem bom resultado não aparece. Elas estão mostrando bons resultados tanto do ponto de vista da resposta imunológica, quanto de segurança. E algumas delas já têm resultado de eficácia. Posso dizer que, pelo menos uma dessas vacinas, nós vamos incorporar na luta contra a Covid. Eu penso até que todas, mas tomei conhecimento de quatro que estão com resultados mais avançados. Qual delas pode ser mais rápida a ser usada em massa no Brasil? Essa CoronaVac que estamos testando e por ser de tecnologia mais simples.

 

MidiaNews - Quais as expectativas com os desenvolvimentos das vacinas?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - A expectativa de todos nós é muito boa. Principalmente porque a Coronavac tem se mostrado muito segura. Nós já temos cerca de 12 mil pessoas vacinadas no Brasil, nenhum evento adverso grave associado ao produto que está sendo estudado. O desenho dessa vacina é o mais tradicional que existe, que é o vírus inteiro inativado por calor e por processo químico. Esse é o mesmo princípio de várias outras vacinas que a gente tem como contra a febre amarela, sarampo, que são vacinas tradicionais muito boas. A gente só tem boas expectativas.

 

MidiaNews - Os altos índices de proteção apresentados até agora mostram que a Covid, embora grave, talvez seja uma doença contra a qual haverá facilidade para imunização?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Sim. Se você tem uma vacina, até vacinar todo mundo, e nem toda vacina vai cumprir 100% da proteção, mas vai imunizar uma série de pessoas e há outra série de pessoas que está adquirindo ou já adquiriram a doença. Então você conta com a própria doença imunizando as pessoas. E a gente já sabe que pessoas mais jovens, crianças, têm a infecção de forma mais branda, mais assintomática. Elas vão se imunizando naturalmente enquanto outras vão receber a vacina. De modo que todos esses mecanismos que a gente aplica na intervenção contra a doença vão somando e a gente vai ter, ao final, lucros disso. Então não preciso de vacina com 100% de eficácia. Se ela for 70% eficaz já ajuda maravilhosamente bem a atingir a tal imunidade de rebanho que a gente tanto espera.

 

MidiaNews - O que representa, do ponto de vista da imunização da população, uma vacina que tenha cerca de 95% de eficácia? Podemos, por exemplo, dispensar a obrigatoriedade da vacinação?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - A questão de obrigatoriedade é uma expressão muito forte. Uma vacina que tem uma eficácia alta, que nem precisa ser 95%, tem que ser fortemente recomendada para todos os indivíduos. As autoridades de Saúde têm o direito de obrigar a vacinar, caso a doença esteja comprovadamente causando danos social, econômico e sanitário, como aconteceu no início do século XX com a febre amarela. O Congresso aprovou uma lei da obrigatoriedade da vacina da febre amarela comandada por Oswaldo Cruz. Obrigatoriedade vai depender da situação no momento em que essa vacina estiver disponível. Se nós estivermos em lockdown, com várias pessoas morrendo e tem uma vacina que, comprovadamente, está protegendo as pessoas, isso é uma decisão das autoridades de Saúde. Mas a recomendação eu tenho certeza de que, se tivermos uma vacina eficaz, vai ser forte por parte das autoridades de Saúde.

 

MidiaNews - A vacina desenvolvida pela Pfizer precisa de ultracongeladores, que não existem no Brasil. Além dessa questão, a imunização pode enfrentar outros problemas de logística no País?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Qualquer vacina está sujeita a enfrentar problemas de logística, principalmente em um país deste tamanho onde a vacina tem que ser transportada para rincões de florestas da Amazônia. Então um país desse tamanho sofre com qualquer insumo da saúde para chegar à ponta. Se a tecnologia necessária da logística é mais complexa, como ultrarrefrigeração, é claro que essa vacina vai demorar mais. A tecnologia chega ao Brasil, mas é uma questão de tempo maior porque nós temos mais dificuldades pelas distâncias, falta de estradas, ter que usar embarcações aquáticas para espalhar a vacina. Fica mais caro. Se essa vacina for maravilhosa, a indústria vai disponibilizar para todo Mundo os equipamentos. O problema é a questão de tempo da estruturação da logística. Quanto mais complexa, mais tempo vai demandar para ela chegar. Por isso que a gente tem esperança nessa tecnologia mais simples porque o Brasil já tem uma experiência altíssima em distribuir vacinas para todo o território com certa tranquilidade.

 

MidiaNews - Mato Grosso possui uma boa estrutura para uma vacinação em massa?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Tem. Mato Grosso já tem experiência de vacinação em massa para poliomielite, febre amarela. É só uma questão de ter uma vacina eficaz e o serviço de saúde vai se preocupar com isso. Mato Grosso tem essas regiões de difícil acesso, mas que hoje em dia a vacina da gripe chega. Claro que a cobertura não é maravilhosa, mas aos poucos vamos atingindo o Estado inteiro. O mais importante de tudo isso é ter a vacina eficaz e com uma logística que a gente suporta no momento.

 

MidiaNews - Há um risco de superlotação das unidades de saúde?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Sem dúvida. Quando surgir a vacina, os primeiros meses de disponibilização dessa prevenção vai ser uma demanda reprimida como tivemos na vacinação da gripe no início desse ano. A demanda por vacina em uma situação dessa passa a ser uma demanda muito ansiosa. Todo mundo querendo vacinar e vai dar superlotação de tudo. Vai haver dificuldade. Então o planejamento disso tem que ser muito bom para que não haja tumultos e insatisfações.

 

MidiaNews - O Governo do Estado anunciou que pode adquirir vacinas para a população. O senhor considera que pode ser uma boa saída para Mato Grosso?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - O Governo de Mato Grosso, quando tiver uma vacina eficaz e autorizada pela Anvisa, se tiver recurso para adquirir a vacina, acho que ele deve fazer isso. O Ministério da Saúde vai ter que conseguir a vacina para o Brasil inteiro. Então tudo isso é tempo que está correndo. Se há mais de uma vacina eficaz e você consegue comprar por outra via, o Governo, se puder comprar, vai agilizar o processo. Acredito que vários estados vão fazer isso. Todos os estados estão querendo resolver de vez essa tensão que a gente está vivendo.

 

MidiaNews - As parcerias da AstraZeneca com a Fiocruz e a Coronavac com o Butantan, que são instituições brasileiras, podem dar vantagem na aprovação dessas vacinas no País?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Sem dúvida. São instituições que já têm estrutura para produção de vacina, já produzem vacina em larga escala, não só para o Brasil como para o Mundo. Elas têm condição de expandir a estrutura para aumentar a velocidade de produção. Isso é inegável. São instituições que têm competência técnica para produzir vacinas. Mais do que isso, realizar esses ensaios que estão sendo feitos. É mais do que saudável tanto para a indústria quanto para o nosso País que essas instituições que produzem as moléculas venham trabalhar em parceria com as instituições que produzem a vacina. Isso vai dar agilidade para o Brasil ter a sua própria vacina.

 

MidiaNews - Como o senhor avalia a testagem da CoronaVac em Mato Grosso?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Nós iniciamos em meados de outubro, está fazendo um mês. Temos a meta de incluir de 500 a 800 pessoas e já atingimos mais de 25%. Já foram testadas entre 200 e 300 pessoas. Estamos recebendo vários voluntários interessados constantemente. Até agora a vacina foi super segura, não deu nenhum problema em quem tomou. É um ensaio tradicional de vacina com 50% de probabilidade de receber placebo e 50% de probabilidade de receber a vacina. Tem um acompanhamento rigoroso por 12 meses para observar a incidência da doença nos dois grupos.

 

Nós estamos recrutando voluntários que sejam profissionais de saúde para participar dessa vacina. E lembrando que participar como voluntário dessa iniciativa é ser solidário, é se autovalorizar perante uma situação que está colocando em risco muitas pessoas no Mundo e está impactando muito na vida de toda a população. Sempre recomendo que as pessoas que queiram ser voluntárias se sintam honradas e valorizadas.

 

MidiaNews - Tem expectativa de quando saem os resultados da testagem em Mato Grosso?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Segundo o Instituto Butantan, agora em meados de dezembro, antes do Natal, já vai ter resultado preliminar. Mas isso não quer dizer que o estudo vai ser interrompido. Vai ter um resultado preliminar que pode ser favorável à vacina, pode não ser. O estudo vai continuar até o final do ano que vem para atingir o número previsto de participantes e de acompanhamento de 12 meses.

 

 

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