Vivendo o que é descrito como a pior seca dos últimos 60 anos, as empresas de Cáceres que dependem do turismo aquático agora precisam se reinventar para conseguir manter seus clientes em meio a um dos recordes de baixa do Rio Paraguai.
O severo ciclo de estiagem chegou mais cedo na região cacerense e, ainda em agosto, já deixou o nível do rio com marcas históricas de baixa. Segundo o biólogo Glauber Figueiredo Romero, agora o rio já está com 44 centímetros e a Secretaria Municipal de Saneamento e Meio Ambiente já iniciaram o processo de Decretação de Situação de Emergência.
Este período do final do nono mês do ano geralmente marca a pior época de seca na região do Centro-Oeste. Agora, com a estiagem chegando com esta força ainda em agosto, as autoridades e a população cacerense se mostra preocupada com o que os próximos meses reservam.
Em uma perspectiva desoladora para o futuro, Glauber explica que, se a água seguir o curso de baixa característico, o nível do Rio Paraguai deve descer ainda mais até setembro.
O nível baixo que, para quem não entende do assunto pode parecer normal, na verdade afeta diretamente a biodiversidade da região, atingindo baías que funcionam como berço da criação de espécies e, posteriormente a vida da população.
“Essa baixa dentro das baías seria basicamente secá-las, com morte massiva de peixes e plantas aquáticas”, afirma em entrevista ao MidiaNews.
Glauber explica que o Rio Paraguai está no meio de uma bacia de segmentação, situação que faz com que todos os resíduos que saem das nascentes fiquem parados nas partes mais baixas, formando grandes bancos de areia.
São esses mesmos morros de areia que estão tirando o sono de empresários como Clodomir Ceolatto, que trabalha com turismo na região há 15 anos e afirma nunca ter vivenciado uma situação tão preocupante quanto a de agora.
Ele, que está como presidente da Associação Ambientalista Turística e Empresarial de Cáceres (Asatec), descreve o momento como “crítico” tanto para ele, quanto para alguns colegas de profissão, que dependem do Rio Paraguai para manter seu sustento.
No início do mês, um vídeo gravado em Cáceres mostrou algumas chalanas, que são barcos-hotéis usados para levar turistas em viagens ao Pantanal, impedidas de navegar pela combinação da baixa do rio em conjunto com o acúmulo de segmento na região.
Sobre isso, Clodomir destaca a preocupação dos donos das embarcações e afirma acreditar que o momento é uma resposta à devastação que ocorreu na região de Cáceres no ano passado, quando a flora e a fauna sofreram com diversos incêndios no mês de agosto e setembro.
“Isso está sendo amedrontador para nós, a natureza está nos cobrando. A gente está fazendo barbárie com ela e ela está nos cobrando”, diz.
Crise no turismo
Com um agravante causado pela pandemia da Covid-19, o turismo padeceu com a falta de clientes durante todo o ano de 2020.
A prefeita de Cáceres, Eliene Liberato (PSB), contabilizou que houve uma queda de mais de 55% no lucro na área pela falta de movimento de turistas, que são uma das forças econômicas da cidade.
Com a amenização nos números de casos e mortes causadas pelo vírus, e também com o início da vacinação, a prefeita afirma que os donos de chalanas, pousadas e restaurantes voltaram a ter esperanças de uma recuperação no setor.
No entanto, Clodomir brinca ao fazer o trocadilho dizendo que a seca agravada foi como um balde de água fria nos empresários. Agora, ele conta que os colegas que conseguem usar seus barcos precisam viajar cerca de 100 quilômetros estrada a dentro para chegar a um ponto navegável no Rio Paraguai.
A baixa do rio Paraguai tem atrapalhado donos de chalanas da região
Outros, que não tiveram tanta sorte, estão impedidos de navegar por causa das bolsas de areia, buscando alternativas para tentar sair da situação e tentar aproveitar enquanto o nível do rio não baixa novamente. “Provavelmente esse restinho de temporada para os barcos-hotéis findou, para quem está para cima, na cidade por exemplo”, diz.
Um olhar otimista
Dotado de uma experiência passada de pai para filho e vivendo a nos na região, Cleris Tubino, presidente da associação de barcos-hotéis de Cáceres, não minimiza a seca severa que atinge o Município e maltrata a população, mas afirma que faz parte do ciclo da natureza. “O turismo está rolando, sim”.
O empresário, que é dono de três barcos-hotéis que navegam pelas águas do Rio Paraguai, conta que a região já passou por períodos de estiagem tão graves quanto o atual. Por isso, os trabalhadores da região já estavam preparados para enfrentar as dificuldades do momento.
Ele destaca a rota alternativa que os donos de chalanas estão fazendo para poder levar os turistas a conhecerem as belezas do Pantanal. Segundo ele, o trajeto, apesar de não ser usual, já se tornou parte do passeio e uma “aventura” a mais para quem contrata os pacotes.
Vendo o outro lado da situação, Cleris conta que a nova forma de fazer turismo não só ajuda os donos de chalanas, como também geram novos empregos para aqueles que trabalham com ônibus e vans de turismo. Já que as empresas são chamadas para levar os clientes até o local navegável no Rio Paraguai, na Fazenda do Morrinho.
“A gente está vivenciando, sofrendo um pouco, mas tem gente que está tendo oportunidade de trabalhar em função disso”, finaliza.
Preocupação geral
Os impactos no meio ambiente trazem um tormento que ultrapassa os limites do turismo, em Cáceres. A prefeita afirma que os cuidados agora são gerais, principalmente para conscientizar a população, que já são os próximos afetados pela seca.
Eliene afirma que nas regiões mais afastadas do centro do Município, a água já não está chegando pela falta de pressão e, caso não haja com ação geral e com a colaboração de todos, a tendência é piorar nas próximas semanas.
Como medida, a prefeita alega que já fez o processo de dragagem no rio para eliminar as bolsas de areia e segmento que se acumulam cada dia mais. Além disso, há uma campanha de orientação pedindo economia de água.
As ações são apenas paliativas, e não resolvem a causa central do problema. No entanto, tanto a prefeita quanto o biólogo destacam a importância dessa educação ambiental. Essa sim, é uma medida que pode mudar o futuro do rio, que hoje emprega e dá comida a tantas famílias por meio da pesca.
“A gente não gostaria de chegar a uma medida mais radical de racionar de vez, cortar água. Mas se for necessário nós vamos tomar medidas mais contundentes”, afirma a prefeita.