No dia 13 de julho de 1990 foi promulgado no Brasil uma lei revolucionária que mudaria a forma com que o Estado trata as pessoas menores de 18 anos. Muito mais do que definir direitos e deveres, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – lei nº 8.069/1990) foi um marco na proteção dessa parcela da população brasileira, reconhecendo que as pessoas menores de 18 anos de idade são sujeitos de direitos plenos e garantidos.
Para o defensor público do Núcleo da Infância e Juventude de Cuiabá, Alysson Costa Ourives, o ECA trouxe garantias fundamentais para as crianças e adolescentes. Mais importante ainda, de acordo com o defensor, o ECA trata todos de forma igualitária, não fazendo distinção com a etnia, crença, classe social ou local de nascimento. Para o Estatuto, toda criança e adolescente merece e deve ser tratada com dignidade, respeito e, acima de tudo, como uma pessoa que deve ser inserida na sociedade de forma plena e humanitária.
“Desde 1990 nossa sociedade passou por um desenvolvimento muito grande quanto ao ECA, muitos já conhecem o Estatuto, mas obviamente, uma parcela da população ainda fala que o ECA só serve para ‘passar a mão na cabeça de menores infratores’. E não é assim. Nós temos que trabalhar em favor dos menores na nossa sociedade que não tiveram essa oportunidade que talvez eu tive na vida. Eles não tiveram essa oportunidade e eles querem ter. O ECA dá direitos e garantias fundamentais a todas as crianças e adolescentes e não há diferença se essa pessoa nasceu em um bairro periférico ou em um bairro nobre”, afirma o defensor.
Atuando no Núcleo da Infância e Juventude desde 2020, Alysson é responsável por cuidar dos processos de crianças e adolescentes que cometem atos infracionais e que, às vezes, são internados no Centro de Ressocialização, também conhecido como Complexo Pomeri, em Cuiabá.
Para o defensor, um dos maiores desafios é fazer com que a sociedade entenda que os menores internados são pessoas dignas de serem reinseridas na sociedade após cumprir todo o tempo de internação.
Desta forma, a DPEMT atua em conjunto com o Poder Judiciário e toda a rede de proteção à criança e adolescente com o objetivo de buscar a melhor forma de dar uma vida nova para essas pessoas, com educação e saúde de qualidade, reinserindo-as no seio da família e, principalmente, fazendo com que elas entendam seus direitos e deveres para que não voltem a cometer atos infracionais.
“Aqui no Núcleo todos os dias estamos em contato com esses adolescentes infratores. Percebemos que existe toda uma desestrutura familiar, esse adolescente precisa ser amado. Muitos adolescentes aqui não têm estrutura familiar. Por isso eu digo que é fácil falar: ‘vamos diminuir a maioridade penal’, mas aí você vai jogar um adolescente em uma prisão comum. Isso não é tão simples, existe todo uma série de problemas que precisam de atenção, como por exemplo a educação e a estrutura familiar”, relata Alysson Costa.
Atualmente, o centro de ressocialização para menores infratores passa por reformas para melhor receber os adolescentes ali internados. Durante todo esse processo, a DPEMT atua ao lado do Governo de Mato Grosso e do Poder Judiciário para levar melhorias para o local.
“O Pomeri antigamente era como se fosse uma prisão. Quando comecei a atuar no Núcleo, em 2020, era uma outra estrutura e agora está sendo reformulado. Recentemente fizemos uma fiscalização em relação ao complexo feminino para algumas readequações. Nosso trabalho não é só de atendimento aos adolescentes internados, nós também fiscalizamos o bem público”.
Avanços ainda são necessários - Embora o ECA trate dos direitos das crianças e adolescentes de forma ampla, atuando nos direitos fundamentais, casos de adoção, atos infracionais, normas processuais especiais e até mesmo tratando de penas para crimes praticados contra as pessoas ali tuteladas, Alysson afirma que ainda há muito o que avançar na proteção. Um bom exemplo disso são as questões envolvendo a internet.
Criado em 1990, o ECA não tratou sobre o tema das evoluções tecnológicas, que ainda não eram amplamente discutidas. Atualmente há toda uma gama de proteção e crimes e atos infracionais praticados contra e por crianças e adolescentes que são propagados pelas redes. Como não há uma proteção especifica, cabe aos operadores do Direto realizar analogias com outras normativas e até mesmo buscar em jurisprudências a melhor forma de amparar.
“Esses avanços devem ser feitos pelo Congresso Nacional. Hoje em dia vivemos na era da internet. Existem muitos atos infracionais que são cometidos na área cibernética, mas ainda não há uma regulação. Portanto, temos que fazer analogias no nosso dia a dia, porque o ECA não diz nada em relação a essa parte da cibernética. Ou seja, ainda há pequenos ajustes que precisam ser feitos no Estatuto”, afirma o defensor.
Porém, mesmo com todas as dificuldades, o defensor afirma que atuar no Núcleo da Infância e Juventude com o amparo do ECA é algo extremamente gratificante.
“Eu tenho muito prazer de trabalhar nessa área, porque ali cada caso é um caso. Tem casos que são de advertência, tem casos que são de liberdade assistida, afinal, muitos ali precisam ser assistidos pelo poder público, precisam voltar à escola, não é só jogar lá dentro do socioeducativo. Por isso nós da Defensoria analisamos caso a caso. Tem casos de assistidos que precisam sim serem internados, claro que precisam, mas há casos que não há necessidade da internação. Muitas vezes conseguimos que os infratores recebam auxilio para conseguir o primeiro emprego por exemplo, porque eles precisam ter essa oportunidade na vida, pois muitos que estão internados não tiveram essa oportunidade”, afirma Alysson Costa.