A consulta pública sobre a proposta de ampliação da Estação Ecológica de Taiamã, realizada nesta última terça-feira, 09, no Auditório Edival dos Reis, no campus da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), em Cáceres, foi palco de uma intensa e, por vezes, acalorada troca de argumentos. O evento evidenciou a profunda divisão de interesses entre os participantes e se estendeu além da previsão inicial, acolhendo as diversas perspectivas sobre o futuro da reserva pantaneira.
O auditório lotado, com cadeiras ocupadas e pessoas em pé, demonstrou o grande interesse e a relevância do tema para a comunidade local. No entanto, a plateia estava claramente dividida: enquanto acadêmicos da UNEMAT formavam um bloco de apoio à ampliação, produtores rurais de Cáceres e Poconé representavam a maioria das vozes contrárias.
Auditório Edival dos Reis, na Unemat ficou completamente lotado durante a abertura da Consulta Pública
A consulta pública foi estruturada em dois blocos. O primeiro, expositivo, contou com a abertura do evento, com a presença de diversas autoridades na Mesa: Iara Barros (diretora do ICMBio); Professora Catarina (representando a UNEMAT); Major Costa (Corpo de Bombeiros); Ana Paula (representando a Secretaria de Estado de Meio Ambiente); o Procurador da República Dr. Gabriel Infante Martins; o Gerente Regional Sandro Sá; o Vice-prefeito Luiz Landim; e o Secretário Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico, Wilson Kishi.
Maria Helena Reinhardt, apresentando o projeto de ampliação durante Consulta Pública
A apresentação formal do projeto de ampliação ficou a cargo de Maria Helena Reinhardt, analista ambiental e Coordenadora da Diretoria de Criação e Manejo de Unidades de Conservação (DIMAN) do ICMBio. Ela detalhou o histórico e os fundamentos técnicos que norteiam a formação e expansão de Unidades de Conservação, conforme a legislação brasileira.
Os pilares da proposta incluem a salvaguarda de ecossistemas de alta importância ecológica e a proteção de espécies ameaçadas. Segundo estudo do ICMBio, a ampliação visa também aprimorar a conservação de ambientes aquáticos (rios, lagos, baías e corixos) e seus entornos, como matas alagadas e campos inundados. Outros benefícios esperados são o fortalecimento da fiscalização e do controle de incêndios, além da mitigação da degradação em áreas úmidas críticas. De acordo com o projeto, a ampliação não afetará as atuais áreas de pesca, uma vez que as zonas de exclusão para essa atividade já estão estabelecidas desde 2009.
Entre os defensores da ampliação, destacou-se a forte presença de estudantes, muitos do curso de Ciências Biológicas e de professores da UNEMAT. Portando cartazes, eles frequentemente se manifestavam de forma engajada contra os pecuaristas e produtores rurais. Cartazes com a inscrição “FAKE NEWS” e outros slogans foram exibidos em momentos-chave, visando descredibilizar as objeções do setor produtivo. A dinâmica de vaias e aplausos, muitas vezes em oposição direta, tornou o ambiente tenso e acalorado, exigindo intervenção da organização para manter a ordem.
Durante Consulta Pública, acadêmicos da Unemat manifestando contra os argumentos dos pecuaristas
Em contrapartida, os opositores à ampliação, muitos usando adesivos de “NÃO à ampliação da Estação Ecológica de Taiamã”, eram predominantemente produtores rurais, através do Sindicato Rural de Cáceres e Poconé, Famato, comerciantes e representantes do governo municipal. Eles apresentaram uma série de preocupações detalhadas e fundamentadas.
Os pecuaristas e representantes dos setores correlatos manifestaram profundas preocupações com a gestão ambiental e o impacto territorial. Um dos pontos mais veementes foi o alerta sobre o risco de incêndios: argumentaram que a reserva ampliada poderia, paradoxalamente, agravar as queimadas. Sublinharam a relevância do “homem pantaneiro” como agente natural e eficiente no combate ao fogo em áreas alagadas, e a contribuição do “boi bombeiro” na prevenção, ao manter aceiros naturais. A restrição ou remoção dessas práticas e atores tradicionais na área ampliada poderia, segundo eles, comprometer o manejo do fogo. Além disso, questionaram a necessidade da ampliação, afirmando que a área já está preservada.
Pecuarista Golbery, concede entrevista com adesivo “NÃO à ESEC Taiamã”
Outro eixo das contestações focou nos impactos econômicos, sociais e na capacidade administrativa. Pecuaristas e empresários do setor de navegação alertaram para a eventual impossibilidade de navegação e a proibição da pesca esportiva no novo polígono, o que acarretaria sérios prejuízos ao ecoturismo e afetaria diretamente a subsistência de colônias de pescadores. Questões levantadas também puseram em dúvida a capacidade financeira do poder público para adquirir e custear a nova área, e a competência do ICMBio para gerenciar uma extensão territorial significativamente maior com o contingente e a infraestrutura atuais. Por fim, reivindicaram a atualização do plano de manejo, buscando alinhar a proposta com as diversas formas legais de proteção ambiental.
Da Silva, mostrando garrafa pet e caixa tetrapack encontrado por ele num mesmo recipiente.
Em meio à polarização, a intervenção do presidente da Cooperativa de Trabalho Cidade Limpa, Francisco da Silva Leite, gerou repercussão. Após o coffee-break, durante sua fala, Da Silva dirigiu-se aos servidores do ICMBio exibindo uma garrafa PET de refrigerante e uma caixa TetraPack de suco, encontradas por ele num mesmo recipiente – materiais recicláveis e não recicláveis misturados. Ele criticou: “Vou dar um puxão de orelhas no pessoal do ICMBio. Estão falando aqui de sustentabilidade, mas vocês não praticam. O exemplo está aqui [mostrando a garrafa PET e a caixa TetraPack] e vocês sabem como está sendo separado lá fora? Tudo num mesmo recipiente… casca de banana e outros objetos… quando os senhores deveriam trazer pra cá, a responsabilidade de educação ambiental”. Da Silva ainda questionou as motivações por trás da proposta de ampliação de Taiamã, insinuando a existência de ONGs internacionais envolvidas.
A consulta pública se configurou, portanto, não apenas como um espaço de apresentação de propostas, mas como um termômetro da complexidade de um tema que entrelaça profundos interesses econômicos, sociais e ambientais no Pantanal mato-grossense. A expectativa é que as manifestações e sugestões colhidas impulsionem um debate mais aprofundado e a busca por soluções equilibradas para o futuro da Estação Ecológica de Taiamã.
Com a finalização da etapa de consulta pública, abre-se agora um período de 15 dias para que a sociedade civil e demais interessados apresentem suas sugestões, manifestações e documentos que possam contribuir para aprimorar a proposta do ICMBio. Os detalhes completos sobre a ampliação da Estação Ecológica de Taiamã estão disponíveis para consulta pública no portal oficial do governo: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/criacao-de-unidades-de-conservacao/lista-de-consultas-publicas/proposta-de-ampliacao-da-estacao-ecologica-de-taiama.
A indiferença da Colônia Z-2 de Pescadores
Uma observação preocupante sobre o engajamento comunitário em torno da ampliação da ESEC Taiamã revelou uma notável indiferença da Colônia Z-2 de Pescadores de Cáceres. No sábado, dia 6, uma reunião crucial para discutir os impactos da proposta contou com a presença de apenas 10% dos associados à Z-2. Essa baixa adesão já indicava o distanciamento da colônia em relação ao tema. Dos aproximadamente 60 pescadores presentes, apenas uma ínfima parcela se manifestou, tanto a favor quanto contra, evidenciando um aparente desconhecimento sobre as possíveis consequências da ampliação para suas atividades e modo de vida.
Essa apatia se manteve no dia da Consulta Pública oficial, no auditório da UNEMAT, onde a participação da colônia Z-2 foi ainda mais escassa. A discrepância entre a importância da pauta e o baixíssimo engajamento dos diretamente afetados sugere uma lacuna preocupante na comunicação ou na percepção da relevância do tema por parte da comunidade pesqueira, cujos interesses são centrais na discussão sobre o futuro da reserva.