Diario de Cáceres | Compromisso com a informação
Direito ou Educação?
Por por CARLOS MALDONADO
19/07/2013 - 22:43

Foto: web
Não posso, antes de qualquer coisa, deixar de agradecer a cada uma e a cada um que se manifestou nas notícias sobre a minha condenação. Consolando, questionando, incentivando, alertando, a todos me permito chama-los: amigos. Obrigado. Como até hoje não pude ver o processo (fui informado em Cuiabá que o promotor estava com ele), pouco teria a comentar sobre as peças e demais chatices processuais. Por isso hoje mudaremos um pouco de assunto. Como sacerdote compartilhei, em boa medida, o caminho das pedras. Fui Sísifo às vezes e em outras o estimulava em seu competentíssimo e eficaz trabalho. Mais que Camus cheguei a professar a felicidade de Sísifo. Espero aos poucos ir explicando isso e implicitamente, as razões da minha conversão herética. Como quem agora me motiva é o judiciário, ficarei hoje restrito a ele em algumas insignificâncias. Esclareço que falarei do poder e por consequência do seu senhor, o Estado, e da minha peremptória negativa em reconhecer neles (Estado e judiciário) qualquer autoridade sobre mim. Histórias de pedregulho e pedreira. Claro que como legitimadores e operadores da força e da violência poderão, sempre que quiserem, me constranger, me extorquir, me achincalhar. Na outra ponta, é o que também os outros que chamamos bandidos, fazem. O modus operandi muda um pouco, mas a base da conduta é a mesma. Uns tem a polícia contra e usam revólveres, outros a tem como sua serviçal, e usam palavras. É fácil avaliar qual o maior grau de periculosidade. O poder das armas é sempre temporário, a palavra escrita até hoje define a superioridade e o poder absoluto dos mortos sobre os vivos. Antes de mais nada, esclareço que se o judiciário me provoca náusea e asco, o mesmo não ocorre em relação a muitas pessoas que o compõe. Na magistratura, por exemplo, tenho grande admiração por Geraldo Fidélis, Flávio de Barros, Sérgio Mazina Martins e como eles há certamente milhares de outros pelo Brasil. No MP a relação seria tão grande que para não cometer injustiças vou me restringir apenas ao Paulo Prado, Edmilson C. Pereira e Ana Cristina Bardusco. Isso implica em que embora, na minha avaliação, o poder seja carcomido e depravado, essa corrupção não atinge todas as suas células. Um câncer no fígado pode levar a óbito sem que necessariamente afete o dedo do pé, ou mesmo o coração. Esclareço também que meu asco não é recente e não guarda relação apenas com os fatos atuais. Como advogado, em 1989 saí da sociedade no nosso escritório em S. Paulo e fechei a filial que funcionava em Cáceres. E para nunca mais sequer pensar em voltar. Como detesto essa terrível invenção europeia que são os conceitos e abstrações (mais destrutivos que todo arsenal nuclear mundial), vou contar algumas insignificâncias vividas, que espero, sejam lidas a título de alegorias. Ou parábolas. Caso 1 – Em 1980, com 19 anos de idade comecei a advogar no jurídico do XI de agosto. Logo nos primeiros dias entra uma mulher com um choro copioso. Haviam prendido o filho dela em Itapecerica da Serra e, segundo ela, o estavam torturando: “estava com o olho inchado, doutor. Vi ele e vim direto pra cá”. Na mão ela trazia um papel. Era a certidão de nascimento. O rapaz tinha 15 anos. Como o caso me pareceu de urgência e transparente e clara a ilegalidade, imediatamente peguei um ônibus com a mulher e fomos à delegacia. Itapecerica era longe, eu não fazia ideia. Chegamos era começo da noite. Falar com o delegado levou uns 40 minutos. Expus o caso, mostrei a certidão, pedi para ver o rapaz e exigi a imediata soltura. O delegado primeiro fez uma cara de espanto, depois começou a rir com muito sarcasmo. - O senhor tem alguma ordem de juiz, do tribunal? Não, não tinha, só a prova da ilegalidade que era a certidão de nascimento. Então com alguma impaciência e me indicando a porta ele arrematou: “Pois quando tiver, eu solto”. Insisti então em ver o rapaz já que pela informação a marca da tortura era visível. O delegado se irritou. Olhou bem para mim e me pediu a carteira da ordem. Eu não tinha, só a do jurídico. E quase me empurrando ele finalizou: “Olha aqui, se retire imediatamente ou abro inquérito por exercício ilegal de profissão”. Na saída, junto com a mãe um escrivão lhe dava água com açúcar. Olhou para mim e disse: “entre amanhã no primeiro horário com um habeas corpus. Se tudo correr bem em uns três ou quatro dias chega a ordem de soltura”. O rapaz era acusado por furto de dois retrovisores de carro. Quando o conheci, uma semana depois, ainda tinha o olho com hematomas. Disse a ele: “vamos registrar B.O., fazer o corpo de delito”. - Pelo amor de Deus, doutor… Aí eles me matam. Só vim mesmo agradecer. A mãe me trouxe um pote de manteiga com doce de laranja que ela mesma fez e um santinho com a imagem de S. Judas Tadeu. Caso 2 – Segunda metade dos 80, em Cáceres. Atuava na vara criminal José Geraldo. Nos bares e nas ruas o encontrávamos cercado por policiais e usando uma espécie de submetralhadora. Foi uma época áurea para os advogados, acho que nunca tiveram tantos clientes. Gruber, na polícia, completava o cenário. Os delitos do juiz e do delegado eram tantos, que seria impossível descreve-los todos aqui. E desnecessário para quem viveu essa época. No meu escritório tínhamos uma carga de 4 ou 5 habeas corpus por semana contra atos do juiz. Um dia, acabada uma audiência, José Geraldo me pediu para permanecer mais um pouco. Olhou para o escrivão e pediu: - Chiquinho, pega a sentença que eu te ditei. - Qual, excelência? - A de um caso aqui do doutor, a de tráfico, a terceira que te ditei. - Pois não, excelência. - Leia. E o Chiquinho leu. Pena: 12 anos de reclusão, o que implicaria na continuidade da prisão. Fato: porte de 10 ou 15 gramas de maconha. - E então, doutor, o que achou? - Tecnicamente, muito bem prolatada, disse eu, mas a pena me pareceu excessiva. - Vai apelar? - Sim. - Pois não precisa, vai ver. Chiquinho, rasgue a sentença. Chiquinho parecia não entender. E o juiz repetiu: - Rasgue essa sentença, Chiquinho. E Chiquinho rasgou. E o juiz ditou outra, acatando tese da defesa e fixando a pena em 3 anos com condicional. Então olhou pra mim e perguntou: - E agora, o que achou da sentença? - Perfeita, disse eu. - Vai apelar? - Não. Acho que foi justa, estou muito satisfeito. E o juiz me explicou o motivo da mudança. Como há mais de um mês não chegava qualquer pedido de informação do tribunal sobre habeas corpus que eu houvesse impetrado contra ele, ele quis me fazer uma deferência por acreditar no seu trabalho, segundo lhe parecia. Custei um pouco para entender, mas agradeci e sai. Realmente eu havia parado de entrar com os habeas corpus porque além da inutilidade, estavam causando terríveis prejuízos aos clientes. Muitos eram por estouro do prazo de 81 dias e a praxe era, assim que chegava o pedido de informações, o juiz ditava as sentenças (como o que narrei acima) e informava ao tribunal que não havia caso de prisão temporária, o réu já estava sentenciado. O tribunal era cúmplice. A data que devia constar na sentença, acho que devia ser trabalho do Chiquinho. Mas disso não tenho certeza. Creio que todos na magistratura conhecem esse seu colega. Caso 3 – No início da minha vida profissional conheci o Nivardo, advogado, não podia assinar pois tinha a carteira cassada pela OAB. Nivardo era um leguleio excepcional. Inventou um procedimento único na justiça paulista e talvez brasileira. Explico. Todos os dias, ao meio dia, publicava-se a relação dos pedidos de falência que ingressavam no fórum da capital. Jornais como Gazeta Mercantil e outros destinados aos negócios, tinham plantonistas na vara e publicavam as listas completas na edição do dia seguinte. Nivardo também designou alguns estagiários para pegar a cópia dos pedidos. Assim que chegavam o trabalho era intenso. Ligar para cada uma das empresas reclamadas, informa-las, checar se tinham o recurso para depósito e honorários, eventualmente fazer os depósitos no fórum – e tudo antes das 17 horas, pois senão não alcançava o prazo da exclusão pelo jornal. Nivardo acertou com o juiz responsável algo que em tese não tem nada de ilegal, creio eu. Se as empresas fizessem o depósito, o juiz expedia um ofício onde declarava que “não se opunha a não publicação dos pedidos de falência pelas mídias de SP, das seguintes empresas que quitaram suas pendências:” e seguia a relação dos nomes. Com o ofício em mãos levavam aos jornais que deixavam para esse horário a editoração dos pedidos e suprimiam os nomes das que o juiz elencava. Para que isso funcionasse, porém, era preciso um ritmo frenético e o esforço conjunto de escrivão, juiz e jornalistas. E para que todos trabalhassem com agilidade e interesse Nivardo era generoso. 5% para o escrivão, 30% para o juiz e os jornalistas recebiam um fixo semanal. Diariamente os honorários percebidos equivaliam ao preço de um carro popular. Seria hoje algo em torno de 20 mil reais, pouco mais de 400 mil por mês. Falências e Concordatas era uma das varas mais elogiadas de SP pela sua agilidade e eficácia. Caso 4 (comentário) – A sentença que me condenou por improbidade, a par do que já tratei no artigo anterior, ensina pela doutíssima juíza, que a lesão aos princípios administrativos da Lei 8.429/92 “não exigem necessariamente a existência de dolo ou culpa na conduta do agente nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para ser configurado o ato de improbidade”. Uau!! E o que é imoralidade? Anteontem era ser cigano ou judeu, e hoje? Ontem era ser gay, e hoje? Ontem era perder a virgindade antes de casar, e hoje? Ontem era não tirar o chapéu em ambiente fechado, e hoje? Ontem era não prestar juramento ao Füher, e hoje? Ontem era não se manter ereto e em sentido na cerimonia de juramento da bandeira, e hoje? Acreditar hoje nessa balela esconsa do estado democrático de direito é moral? Desde o século passado, criar ou destruir moralidades na massa que compõe a sã mediocridade (na qual naturalmente me incluo), depende da decisão do núcleo central e da comprovada competência das estruturas técnicas, das quais o Instituto Tavistock é um exemplo. Criar certezas nas cabeças dos desinformados do mundo é uma tarefa compartilhada por algumas organizações que para tal, fazem emprego de um grande leque de aparatos e tecnologias. Em uma ocasião, nos anos 90, regressando de Nova Délhi fiquei uns dias em Londres. Entre os afazeres, duas ou três conversas. Uma foi com uma senhora, em um almoço num restaurante português perto da Picadilly. O assunto era educação e sistemas informáticos de registro, controle e avaliação. Isso na época era absoluta novidade. Uma universidade canadense estava desenvolvendo uma plataforma já adequada à educação à distancia e a Open University britânica era então uma das maiores estruturas do mundo nessa área. Ao final da bacalhoada pedi o impreterível café e acendi um cigarro. Ela abriu um sorriso e repetiu meu pedido e gesto. E comentou informalmente: “Aproveitemos. Daqui a pouco vai ser impossível fumar. Já tem uma experiência em curso na Califórnia, logo testarão aqui e depois o mundo todo vai mudar”. Fiquei interessado. Quem? Como? Ela torceu um pouco o rosto numa expressão de enfado e abanou a mão: “As pessoas da engenharia social”. E não me disse mais nada. Naquela época ainda se fumava até mesmo nos aviões. Depois, num passe de mágica, deputados e senadores de quase todos os países do mundo, num sincronismo miraculoso, quase divino, promulgaram leis e mais leis regulamentando e proibindo o fumo. E isso é o de menos, mais interessante foi a capacidade de implantar em milhões de pessoas um conceito alheio como próprio, de constituir uma massa intransigente que hoje defende como seus os slogans dos planejadores sociais. Skinner que desenvolveu algumas das técnicas de modelagem comportamental de massa diz: “Uma cultura se desenvolve à medida que novas práticas surgem e são submetidas à seleção, e não podemos esperar que surjam por acaso.” Já imaginaram o que dá pra fazer com uma tecnologia assim? Em um tempo em que a principal tecnologia era o radio como foi possível não haver NENHUM juiz com capacidade para refletir sobre as leis de Nuremberg, por exemplo? Os juízes são todos estúpidos seguidores de ondas e correntes? Até quando vão acreditar em bobagens como a “pirâmide abstrata” de Kelsen? Ou que são operadores de uma ciência? Carl Schmitt imagino que esteja banido e que bom se for assim. É outro babaquara. Mas o que vemos hoje? Uma espécie de junção entre o judeu e o alemão. O poder político indica o juiz que deve guardar a constituição. Isento, não? Talvez por isso, segundo Heródoto, os sete da Pérsia considerando a melhor forma de governo após a morte de Cambises e a usurpação dos magos apontassem a democracia como a pior delas. Em outro texto posso explicar por que. Agora, por “controle difuso” qualquer juiz declara isto ou aquilo inconstitucional, e de maneira incidental, desprezando a necessidade de instrução própria ou, pelo menos, de uma boa fundamentação. Pensam que julgam um caso, não tem ideia das implicações do que decidem, do sentido e alcance do que fazem. Ditam e reditam leis e se acham capazes também de ditar moralidades! Embora seja risível a situação não podemos retardar a reflexão sobre as suas sérias implicações e os riscos que trazem à sociedade. Adianto que penas e condenações não me atingem, heréticos riem dessas bobagens de todas as eras. Como disse acima não nego que os poderes tem instrumentos para nos humilhar, extorquir, prender, etc etc. mas desde algum tempo e para o eterno, não conseguirão jamais de mim coisas como a legitimação dos seus atos ou qualquer lealdade. Querem exercitar sua violência sobre mim? Pois o farão sempre sem encontrar a menor resistência. Por isso esclareço que ao recorrer da sentença (o que implicitamente aparenta um reconhecimento do canal por eles estabelecido para dialogar comigo), o farei apenas como uma possibilidade de melhor fundamentar as razões esboçadas na sentença. Não tenho dificuldade alguma em concordar com o mérito, e isso sem afirmar qualquer moralidade (detesto todas, sou um herético amoral). É uma regra genérica e universal o que querem? Posso humildemente apresentar algumas sugestões, como o farei na apelação. Se fosse o contrário também seria possível. Não é uma questão de moralidades, estaremos cingidos apenas à coerência e à isonomia. Depois se entenderá melhor o que digo. Por agora, basta. Só após minha conversão herética pude compreender que os quatro casos, na verdade, não dizem respeito ao direito ou ao judiciário. São todos eles casos típicos do efetivo processo da educação pelo Estado. A sua educação verdadeira. O colégio dos Nicolaus. As escolas servem para prover brisas e nuvens, para disciplinar comportamentos, para impedir que a terrível ameaça do pensamento infantil resista e prospere. Só as crianças apontam o dedo e dizem, com sua peculiar ingenuidade: “O rei está nu”. Choque, espanto, gritos. Todos os inteligentes, instruídos, educados, admiram a linda toga do rei. Todos reverenciam sua elegância, a beleza dos seus costumes. Veja como se inclinam quando ele passa, com que respeito o cumprimentam, dá gosto ver… Mas a criança, que certamente ainda não havia frequentado a escola, aguça os olhos e diz: - Não, gente. Olhem. É tão claro. O rei está nu. Eu apenas completaria: e é feio pra caralho!!! Mas sobre educação falaremos outro dia, ao pé do monte, vendo, como Sísifo, mais uma pedra rolar e cair. Por hoje lembremos apenas que a educação pelo Estado é o outro nome da educação pela pedra que João Cabral um dia apontou e eu, o alterando agora utilizo: Uma educação pelo Estado: por lições; para aprender do Estado, freqüentá-lo; captar sua voz inenfática, impessoal (pela de dicção ele começa as aulas). A lição de moral, sua resistência fria ao que flui e a fluir, a ser maleada; a de poética, sua carnadura concreta; a de economia, seu adensar-se compacta: lições do Estado (de fora para dentro, cartilha muda), para quem soletrá-lo. Mas no sertão, meus amigos, onde vivemos nós, heréticos e pagãos, a educação é diferente. De dentro pra fora e pré-didática, a educação do sertão ensina chistes, parábolas, paródias. A gente até xinga, mas é sem maldade, mais à mode de desafogo, aquela sensação boa de quando soltamos um peido. No sertão sabemos que quanto mais sério parece o barão maior é a jocosidade. Carex-secretário de Educação em Mato Grosso e em Cuiabá, é professor da Unemat, em Cáceres, Mato Grossolos Maldonado ——————— Post Scriptum – a) Não estou sugerindo fumo para ninguém. Fumar faz mal, quase tanto como comer tomate, pimentão, enlatados, soja transgênica… b) Claro que os diálogos são aproximativos, mas todos os casos e situações narrados foram vivenciados, vividos. Tentei, até onde consegui, ser no máximo possível fiel às lembranças. Preferi os diálogos, onde aplicáveis, pois foi com eles que as situações se constituíram.
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