Diario de Cáceres | Compromisso com a informação
Sobre o depoimento de Xuxa
Por Bruno Astuto-Ed. Globo
22/05/2012 - 19:30

Foto: Editora Globo
Li, com muita atenção, os comentários nas redes sociais sobre o depoimento dado por Xuxa ontem ao Fantástico. Houve, na verdade, dois depoimentos: o primeiro, sobre sua vida afetiva, teve os capítulos Pelé e Senna, mas, de fato, faltou falar do pai de sua filha. Em ‘O que vi da vida’, nome do quadro do programa, talvez essa ausência tenha falado mais alto do que se Xuxa houvesse citado Luciano Szafir. O segundo depoimento, esse sim, fez o Brasil saltar da cadeira, seja para postar desaforos seja para demonstrar emoção ante a revelação perturbadora, a de que ela foi constantemente abusada em sua adolescência. Xuxa, o ícone da infância, a babá eletrônica de toda uma geração — a minha incluída —, confessou ter sido vítima do mais covarde dos crimes, que destrói os anos mais puros e lúdicos de um ser humano, marcando-o para todo sempre. A luta contra o abuso infantil é inglória; é o tipo de assunto que todo mundo quer jogar para debaixo do tapete e que ocorre com uma constância impressionante. Os números alarmantes – 52 mil denúncias no Disque 100, mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, entre 2003 e março de 2011 — não chegam aos pés da realidade. A maioria das crianças abusadas pelo pai (38% dos casos), pelo padrasto (29%), pelo tio, pelos vizinhos e por desconhecidos tem medo de denunciá-los e, quando o fazem, a família prefere abafar o escândalo — ou até mesmo é conivente com a situação. Ao contar em rede nacional o que passou, Xuxa sacudiu o Brasil e escancarou esse tema oculto, esse tabu sobre o qual poucos têm coragem de se aprofundar. Brincadeiras à parte nas redes sociais, todo mundo foi dormir ontem um pouco refletindo sobre o assunto. Muita gente duvidou da veracidade do depoimento, como se uma mulher, mãe e filha, gostasse de se expor para todo o país se colocando como vítima de um crime medonho. Ora, ora: o que importou ali não foi o drama pessoal da apresentadora, mas o drama coletivo que ela resolveu encarnar. E Xuxa se reinventou, desencastelou-se dos tempos da Casa Rosada, desceu finalmente da nave. ETs são os que não atinaram para isso. Lembro-me de uma entrevista da Rainha Silvia da Suécia, que mantém uma ONG contra a exploração infantil. Ela disse que, quando resolveu assumir essa causa, muita gente tentou demovê-la da ideia, alegando que o tema era “muito pesado”. Pois ela persistiu e o trabalho da Childhood, que tem um importante braço brasileiro, é reconhecido em todo o planeta. E tem mais: como já presidi uma entidade de crianças deficientes e tive uma irmã com Síndrome de Down louca pela Xuxa, posso dizer de cadeira como ela foi importante nos anos 80 quando recebia diariamente em seu programa, misturando entre todas as outras crianças, os portadores das mais diferentes síndromes. Foi uma atitude libertadora e redentora para muitos pais e amigos dos excepcionais que sofreram e ainda sofrem com o preconceito. Esqueçam a Xuxa dos shortinhos, das botas brancas, dos tempos de modelo, do tal filme do passado; existe outra, muito mais interessante, que está fazendo o barulho certo na hora bem mais que tardia.
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