Diario de Cáceres | Compromisso com a informação
Crônica: Em busca do tempo perdido
Por Diário de Cuiabá/Ilustrado
15/04/2012 - 09:48

Não há como negar, o futuro é quem nos julga e ele costuma fazê-lo sem tanta competência. Veja você, na semana que se passou foi publicado em uma revista semanal de circulação nacional, a qual insiste em manter sua linha editorial à direita de (complete com o que preferir), como se o universo não tivesse outros lados (lembrando Saramago em “Memorial do Convento”). Mas, enfim, não quero falar do lado de ninguém, quero falar dessa sacanagem chamada futuro. Pois bem, na tal revista há uma matéria sobre os manuscritos de Proust, da sua obra “Em busca do tempo perdido”. Nestes manuscritos, pesquisadores brasileiros estão trabalhando e muito em breve eles serão publicados em língua portuguesa. Sim, lançamento de um livro com os manuscritos de Proust. E do que serve olhar/ler os manuscritos de alguém? Se é preciso ler James Joyce para assimilar o tempo presente (indicação de M. Kundera e não minha) é em Proust que você encontra o passado, ou a memória, enfim, o tempo perdido. Mas, que pretérito é esse onde você leitor terá acesso ao tempo anterior ao da criação? Pretérito mais que perfeito, poderia ser. Mas, o estranho é que ele só nos serve para julgarmos, neste tempo presente, o passado. Somos o futuro, os leitores de outro tempo e que, quer sim ou não, lemos conforme nossas interpretações e subjetividades. Somos o futuro do pretérito (mesmo estando no presente) e fazemos julgamentos. Eu não sei a razão de Proust não estar como Clarice Lispector sendo citada de todas as formas no Facebook (no quesito falta de leitura das obras, acho que os dois ficam empatados). Teimo em dizer: é o julgamento sem critério do futuro. Não costumamos olhar o passado de maneira segura, até por nem sempre estarmos tão certos daquilo que se passou. É comum confundirmos acontecimentos e tempos com o passar dos momentos. E o que praticamos no presente, raramente prestamos muita atenção. Agimos para o futuro. Eu vou acordar para ir trabalhar, vou buscar o filho na escola para ir almoçar, vou jantar para ir assistir ao filme. É raro quando vivemos o presente e esse futuro, para onde nossa ação tem fim, parece nunca chegar, está sempre na iminência de. E o que fazer quando o tempo é comumente vivido e lembrado de maneira diferente para ambas as partes? A memória que tenho da primeira vez que vi alguém que me é especial, não é a mesma para esse alguém. Nem se desejássemos que fosse, seria. E eu penso, as vezes, o que seria de mim se os lugares por onde eu passei, desaparecessem com o tempo? O afastamento dos lugares iria arrancando pedaços de meu corpo, que iria ficar exposto para quem quisesse ver. E nada controlaria o desaparecimento dos lugares por onde estive. Não se poderia mais lembrar de encontros e nem de situações, os lugares simplesmente iam deixando de existir, já que a memória não os alimentava mais, e eles, de inanição, evaporariam. E, assim eu seria condenada ao tempo perdido da liberdade estúpida de sentir falta de cheiros, olhares e lugares que não tinham fim. E viveria com a carne exposta. Assim estou. *Juliana Curvo é professora de literatura, inútil, mas agora com mestrado. Míope, mãe e problemática. Escreve mais do que lê, gosta mesmo de colecionar coisas velhas e ultrapassadas.
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