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Patativa do Assaré
Por Wikipédia
31/05/2012 - 22:45

Foto: arquivo
Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré (Assaré, Ceará, 5 de março de 1909 — 8 de julho de 2002), foi um poeta popular, compositor, cantor e improvisador brasileiro. Uma das principais figuras da música nordestina do século XX. Segundo filho de uma família pobre que vivia da agricultura de subsistência, cedo ficou cego de um olho por causa de uma doença [2]. Com a morte de seu pai, quando tinha oito anos de idade, passou a ajudar sua família no cultivo das terras. Aos doze anos, frequentava a escola local, em qual foi alfabetizado, por apenas alguns meses [3]. A partir dessa época, começou a fazer repentes e a se apresentar em festas e ocasiões importantes. Por volta dos vinte anos recebeu o pseudônimo de Patativa, por ser sua poesia comparável à beleza do canto dessa ave. Indo constantemente à Feira do Crato onde participava do programa da Rádio Araripe, declamando seus poemas. Numa destas ocasiões é ouvido por José Arraes de Alencar que, convencido de seu potencial, lhe dá o apoio e o incentivo para a publicação de seu primeiro livro, Inspiração Nordestina, de 1956. Este livro teria uma segunda edição com acréscimos em 1967, passando a se chamar Cantos do Patativa [2]. Em 1970 é lançada nova coletânea de poemas, Patativa do Assaré: novos poemas comentados, e em 1978 foi lançado Cante lá que eu canto cá. Os outros dois livros, Ispinho e Fulô e Aqui tem coisa, foram lançados respectivamente nos anos de 1988 e 1994. Foi casado com Belinha, com quem teve nove filhos. Faleceu na mesma cidade onde nasceu. Obteve popularidade a nível nacional, possuindo diversas premiações, títulos e homenagens (tendo sido nomeado por cinco vezes Doutor Honoris Causa). No entanto, afirmava nunca ter buscado a fama, bem como nunca ter tido a intenção de fazer profissão de seus versos. Patativa nunca deixou de ser agricultor e de morar na mesma região onde se criou (Cariri) no interior do Ceará. Seu trabalho se distingue pela marcante característica da oralidade. Seus poemas eram feitos e guardados na memória, para depois serem recitados. Daí o impressionante poder de memória de Patativa, capaz de recitar qualquer um de seus poemas, mesmo após os noventa anos de idade. A transcrição de sua obra para os meios gráficos perde boa parte da significação expressa por meios não-verbais (voz, entonação, pausas, ritmo, pigarro e a linguagem corporal através de expressões faciais, gestos) que realçam características expressas somente no ato performático (como ironia, veemência, hesitação, etc.). A complexidade da obra de Patativa é evidente também pela sua capacidade de criar versos tanto nos moldes camonianos (inclusive sonetos na forma clássica), como poesia de rima e métrica populares (por exemplo, a décima e a sextilha nordestina). Ele próprio diferenciava seus versos feitos em linguagem culta daqueles em linguagem do dia-a-dia (denominada por ele de poesia "matuta"). ABC do Nordeste Flagelado A — Ai, como é duro viver nos Estados do Nordeste quando o nosso Pai Celeste não manda a nuvem chover. É bem triste a gente ver findar o mês de janeiro depois findar fevereiro e março também passar, sem o inverno começar no Nordeste brasileiro. B — Berra o gado impaciente reclamando o verde pasto, desfigurado e arrasto, com o olhar de penitente; o fazendeiro, descrente, um jeito não pode dar, o sol ardente a queimar e o vento forte soprando, a gente fica pensando que o mundo vai se acabar. C — Caminhando pelo espaço, como os trapos de um lençol, pras bandas do pôr do sol, as nuvens vão em fracasso: aqui e ali um pedaço vagando... sempre vagando, quem estiver reparando faz logo a comparação de umas pastas de algodão que o vento vai carregando. D — De manhã, bem de manhã, vem da montanha um agouro de gargalhada e de choro da feia e triste cauã: um bando de ribançã pelo espaço a se perder, pra de fome não morrer, vai atrás de outro lugar, e ali só há de voltar, um dia, quando chover. E — Em tudo se vê mudança quem repara vê até que o camaleão que é verde da cor da esperança, com o flagelo que avança, muda logo de feição. O verde camaleão perde a sua cor bonita fica de forma esquisita que causa admiração. F — Foge o prazer da floresta o bonito sabiá, quando flagelo não há cantando se manifesta. Durante o inverno faz festa gorjeando por esporte, mas não chovendo é sem sorte, fica sem graça e calado o cantor mais afamado dos passarinhos do norte. G — Geme de dor, se aquebranta e dali desaparece, o sabiá só parece que com a seca se encanta. Se outro pássaro canta, o coitado não responde; ele vai não sei pra onde, pois quando o inverno não vem com o desgosto que tem o pobrezinho se esconde. H — Horroroso, feio e mau de lá de dentro das grotas, manda suas feias notas o tristonho bacurau. Canta o João corta-pau o seu poema funério, é muito triste o mistério de uma seca no sertão; a gente tem impressão que o mundo é um cemitério. I — Ilusão, prazer, amor, a gente sente fugir, tudo parece carpir tristeza, saudade e dor. Nas horas de mais calor, se escuta pra todo lado o toque desafinado da gaita da seriema acompanhando o cinema no Nordeste flagelado. J — Já falei sobre a desgraça dos animais do Nordeste; com a seca vem a peste e a vida fica sem graça. Quanto mais dia se passa mais a dor se multiplica; a mata que já foi rica, de tristeza geme e chora. Preciso dizer agora o povo como é que fica. L — Lamento desconsolado o coitado camponês porque tanto esforço fez, mas não lucrou seu roçado. Num banco velho, sentado, olhando o filho inocente e a mulher bem paciente, cozinha lá no fogão o derradeiro feijão que ele guardou pra semente. M — Minha boa companheira, diz ele, vamos embora, e depressa, sem demora vende a sua cartucheira. Vende a faca, a roçadeira, machado, foice e facão; vende a pobre habitação, galinha, cabra e suíno e viajam sem destino em cima de um caminhão. N — Naquele duro transporte sai aquela pobre gente, agüentando paciente o rigor da triste sorte. Levando a saudade forte de seu povo e seu lugar, sem um nem outro falar, vão pensando em sua vida, deixando a terra querida, para nunca mais voltar. O — Outro tem opinião de deixar mãe, deixar pai, porém para o Sul não vai, procura outra direção. Vai bater no Maranhão onde nunca falta inverno; outro com grande consterno deixa o casebre e a mobília e leva a sua família pra construção do governo. P - Porém lá na construção, o seu viver é grosseiro trabalhando o dia inteiro de picareta na mão. Pra sua manutenção chegando dia marcado em vez do seu ordenado dentro da repartição, recebe triste ração, farinha e feijão furado. Q — Quem quer ver o sofrimento, quando há seca no sertão, procura uma construção e entra no fornecimento. Pois, dentro dele o alimento que o pobre tem a comer, a barriga pode encher, porém falta a substância, e com esta circunstância, começa o povo a morrer. R — Raquítica, pálida e doente fica a pobre criatura e a boca da sepultura vai engolindo o inocente. Meu Jesus! Meu Pai Clemente, que da humanidade é dono, desça de seu alto trono, da sua corte celeste e venha ver seu Nordeste como ele está no abandono. S — Sofre o casado e o solteiro sofre o velho, sofre o moço, não tem janta, nem almoço, não tem roupa nem dinheiro. Também sofre o fazendeiro que de rico perde o nome, o desgosto lhe consome, vendo o urubu esfomeado, puxando a pele do gado que morreu de sede e fome. T — Tudo sofre e não resiste este fardo tão pesado, no Nordeste flagelado em tudo a tristeza existe. Mas a tristeza mais triste que faz tudo entristecer, é a mãe chorosa, a gemer, lágrimas dos olhos correndo, vendo seu filho dizendo: mamãe, eu quero morrer! U — Um é ver, outro é contar quem for reparar de perto aquele mundo deserto, dá vontade de chorar. Ali só fica a teimar o juazeiro copado, o resto é tudo pelado da chapada ao tabuleiro onde o famoso vaqueiro cantava tangendo o gado. V — Vivendo em grande maltrato, a abelha zumbindo voa, sem direção, sempre à toa, por causa do desacato. À procura de um regato, de um jardim ou de um pomar sem um momento parar, vagando constantemente, sem encontrar, a inocente, uma flor para pousar. X — Xexéu, pássaro que mora na grande árvore copada, vendo a floresta arrasada, bate as asas, vai embora. Somente o saguim demora, pulando a fazer careta; na mata tingida e preta, tudo é aflição e pranto; só por milagre de um santo, se encontra uma borboleta. Z — Zangado contra o sertão dardeja o sol inclemente, cada dia mais ardente tostando a face do chão. E, mostrando compaixão lá do infinito estrelado, pura, limpa, sem pecado de noite a lua derrama um banho de luz no drama do Nordeste flagelado. Posso dizer que cantei aquilo que observei; tenho certeza que dei aprovada relação. Tudo é tristeza e amargura, indigência e desventura. — Veja, leitor, quanto é dura a seca no meu sertão.
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