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Citações de uma eterna Clarice Lispector
Por Diário de Cuiabá/Ilustrado
05/06/2012 - 08:00

Foto: arquivo
Acho que de primeiro eu gostei do nome do livro. Depois da capa. Ou talvez, acho, gostei muito do conto do Caio, onde a personagem lia o livro e pensei: esse livro também preciso. Perto do coração selvagem, um nome que, não sei bem a razão, me lembrava Hermann Hesse, que havia me deixado perplexa com a leitura de um romance (e bem depois, descobri que Clarice havia lido “O lobo da estepe” antes de escrever Perto do coração selvagem), enfim, foi pelo nome que comecei a ler Clarice. Muitos falam de Clarice Lispector, desde muito tempo. Outros tantos citam Clarice (e não pensem que é apenas no facebook). Clarice é nome de prédio da classe média, tem “status quo”. Clarice era elegante, bonita, misteriosa. Talvez alguns pensem que citando Clarice estão se aproximando dela, ou tornando-se elegantes, bonitos, misteriosos. Clarice, reza a lenda, passou cantada em Chico Buarque (eu faria o mesmo, se houvesse oportunidade), teve um casamento complicado (quem nunca?) e foi apaixonada por Lúcio Cardoso (autor do romance A Luz do Subsolo). Dizia que gostava da poesia de F. Schmidt (católico e simbolista, mas considerado poeta da segunda geração modernista brasileira). Era fumante. Teve dois filhos. Toda essa gama de informações, veja bem, você encontra no Sr. Google. Daí você pode ter essas informações, saber o nome de um ou outro romance (sei lá, escolha pelo nome, indico “água viva”, um nome fácil de ser lembrado). Leia umas frases soltas, em algum lugar cibernético e pronto, entre para o bloco clariciano. Sim haverá aqueles que vão exigir pureza: só poderão citá-la aqueles que leram. Subverta a regra geral dos puristas e vista a sua fantasia. Clarice começou como jornalista e mesmo depois de ter se tornado a senhora escritora Clarice Lispector, ainda colaborava com a extinta revista “manchete”. E dizia que gostava de todos os leitores, até mesmo os que só liam suas entrevistas na revista (ou seja, ela iria gostar de você que nunca leu, mas diz que sim). Neste mês de maio a revista Cult trouxe alguns trechos das entrevistas que ela realizava na revista (há trechos com a cantora Maísa, com o físico Mário Schenberg, com Padre Quevedo, e com o campeão de caça submarina Bruno Hermany). Impressionante como essa tal Clarice conseguia fazer literatura com simples entrevistas, vejam o trecho abaixo, com o atleta Bruno Hermany: Clarice: Você é carioca? Bruno: Sou paulista de nascimento, mas desde garoto morei no Rio. Tenho trinta e seis anos de idade. Escute, eu tinha vontade de lhe fazer uma pergunta: sendo você de um campo claramente intelectual, como se lembrou de entrevistar um homem do esporte? Clarice: Todas as pessoas são interessantes, em maior ou menor grau. Mas uma personalidade de atleta grego é um achado. Além do mais, embora em campos diferentes, ambos somos mergulhadores. Contem-me sobre o seu estado de espírito na hora que precedo o mergulho. Bruno: O mergulho é paz para mim, é tranquilidade, talvez fuga. Acredito até que um determinado estado de espírito inexista nesse momento. E talvez seja este, no meu caso, o segredo e o encanto da caça submarina.” A razão de eu escrever sobre Clarice esta semana foi a reclamação de uma vizinha no elevador: “As coisas chatas do facebook são os convites de aplicativos, os revolucionários, os defensores de cachorros e as citações de Clarice.” Na hora que escutei, sorri, tentando ser simpática (eu tenho me esforçado nos últimos meses, é uma meta para este ano: ser simpática) e pensei que Clarice era alguma amiga chata da pobre moça que publicava gifs com frases de amor (não se ofenda se você faz isso). Mas não, era Clarice Lispector. Quem diria. Mas, o mergulho do qual falou acima Clarice, vale a pena. Assim, se lhe sobrar um tempo, indico: cite menos, leia mais, não que a moça do elevador mereça, contudo o resultado pode lhe ser surpreendente. *Juliana Curvo é professora de literatura, inútil, mas agora com mestrado. Míope, mãe e problemática. Escreve mais do que lê, gosta mesmo de colecionar coisas velhas e ultrapassadas, e colabora com o DC Ilustrado (jcurvo@gmail.com)
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